Em apenas cinco anos, a trajetória da antiga GTFoods, de Maringá (PR), passou por uma reviravolta. Em 2020, a empresa encerrou um processo de recuperação judicial que durou quatro anos e envolveu a renegociação de R$ 950 milhões em dívidas. Mas ainda havia muito a fazer – e crescer.
Hoje, tudo mudou – até o nome, que passou a ser GTF, desde abril passado, um processo de rebranding que começou ainda em 2024. A identidade atualizada é o símbolo de uma nova fase para a companhia, que mira atingir um faturamento de R$ 5 bilhões em 2026, contratou o jogador Neymar como garoto-propaganda e está qualificando sua produção para continuar crescendo nos próximos anos.
O processo de rebranding não se traduz apenas em uma mudança de marca, mas também de ressignificação de propósito, de acordo com Rafael Tortola, CEO da GTF.
"Tínhamos como missão e visão da GTFoods sermos a terceira maior empresa do Brasil em volume de abate de aves in natura. Agora, estamos indo mais para o qualitativo: fazer o melhor acontecer", explica, em entrevista ao AgFeed.
Rafael é filho do cofundador da empresa Ciliomar Tortola, conhecido pelo apelido Cilinho. É ele quem tem nas mãos a estratégia da “Missão 5BI”, como é tratada internamente a meta prevista no planejamento da companhia.
Essa estratégia passa por concentrar todos as marcas de frango da empresa, antes dispersas em rótulos como Bellaves e Mister Frango, em uma só: a Canção – que já existia e também foi o primeiro nome da empresa, criada em 1992 por Ciliomar Tortola e Rogério Martini Gonçalves.
A partir de outubro, todas as embalagens dos produtos da empresa, comercializados tanto no mercado interno, quanto externo, vão levar o logo da Canção. A GTF pretende, com isso, levar produtos de maior valor agregado às gôndolas e demonstrar a qualidade de sua produção junto aos consumidores.
“Nós produzíamos produtos baratos. Não era um produto de agregação de valor ou de reconhecimento de marca”, diz Tortola.
Para divulgar a nova marca e o novo momento da empresa junto aos consumidores, nada melhor que um sucesso dentro de fora e das quatro linhas: o jogador de futebol Neymar, conhecido em todo o mundo e com mais de 231 milhões de seguidores somente na rede social Instagram, que passou a ser “embaixador global” da Canção em março deste ano.
“O contrato é de dois anos e esperamos poder surfar a onda do Neymar na Copa do Mundo”, em referência a uma possível participação do craque do Santos no plantel da Seleção Brasileira no próximo Mundial, a ser disputado em 2026.
A GTF vem patrocinando também o Santos, clube onde Neymar atua no momento, desde janeiro do ano passado, e também estampa seu nome nas camisas do Maringá FC, equipe da cidade-sede da empresa.
A estratégia de trazer um ídolo conhecido para divulgar a marca, clássica no mundo do varejo, lembra especialmente a da JBS na década passada. A empresa dos Batista contratou nomes como o ator Tony Ramos, a jornalista Fátima Bernardes e o cantor Roberto Carlos para protagonizar seus comerciais e qualificar marcas como Friboi e Seara.
(E também é necessário abrir um parênteses para a história da empresa, caro leitor: bem antes de criar sua empresa de frangos, Cilinho, pai de Rafael Tortola, chegou a atuar nas categorias de base do Corinthians e em times de Maringá como Grêmio Maringá e ACP, segundo uma reportagem do jornal Gazeta do Povo, de 2017. Isso pode explicar a predileção atual da empresa pelo futebol.)
Neymar vai “oferecer ao público” os frangos da Canção e também novos produtos como lasanhas congeladas de frango, queijo e bolonhesa, bolinhos de frango, bacalhau e tilápia, batatas noisettes, entre mais de 20 novos itens. “São linhas que nós vamos lançar para termos presença de gôndola e um portfólio de produtos robusto”, explica Tortola.
Com Neymar em campo, a ideia da GTF é começar a criar fãs da marca. “Tanto é que o nosso projeto de rebranding também vem para tornar a marca mais sexy, mais comunicativa, mais quente e calorosa", explica.
Para dar conta da nova demanda de produtos, a GTF investiu R$ 80 milhões em uma de suas seis plantas, a de Maringá (PR), para a modernização de sua sala de cortes.
A unidade, antes dedicada a produtos de peso variável e IQF (alimentos congelados individualmente), passa agora a incorporar itens com gramaturas fixas e mais alinhados às exigências do varejo.
Dessa forma, entram em linha cortes como coxa e sobrecoxa sem osso com pele, sobrecoxa e sobrecoxa desossada, e filé de coxa, todos congelados e com peso padronizado.
Essa padronização foi possível com a automação de processos que, anteriormente, eram realizados manualmente, como pesagem e fechamento de embalagens, gerando ganhos de produtividade e qualidade final.
Entre 2025 e 2026, o capex de investimentos é de cerca de R$ 400 milhões, a serem aportados na melhoria de suas estruturas, segundo Tortola.
O investimento se justifica, de acordo com o CEO, porque a ideia é produzir, daqui em diante, cada vez mais itens com maior valor agregado.
"Não adianta ter o Neymar como embaixador se eu não tiver produtos que deem visibilidade para a minha marca. Não adianta eu ter produto que não valoriza a marca, sem ser peso padrão, sem ser produto gramaturado, sem trabalhar produtos de 400 a 800 gramas", explica o CEO.
Frangos e mais
Hoje, na unidade de Maringá e em outras três plantas no Paraná, a GTF abate 650 mil aves por dia, resultando na fabricação de mais de 420 mil toneladas de produto acabado por ano.
O frango ainda é o carro-chefe da companhia que, no ano passado, faturou R$ 4,1 bilhões, sendo que R$ 3,7 bilhões corresponderam à produção de aves.
A GTF produz também tilápia, mas o faturamento, no ano passado, foi de apenas R$ 70 milhões. "É muito pouco ainda", avalia Tortola.
O negócio de piscicultura é recente e começou há três anos, em 2022, com a instalação de uma unidade de produção de tilápias em Terra Rica (PR).
A empresa hoje opera 40 hectares de uma fazenda de tilápias – termo para o local onde os peixes de água doce são criados para fins comerciais – em Terra Rica e pretende alcançar 250 hectares de lâmina d'água nos próximos anos.
Hoje, somente 20% do projeto está em operação, com abate de 12 mil tilápias por dia. A ideia é alcançar uma produção de 80 mil peixes quando a fazenda estiver em plena operação, com objetivo final de chegar a 100 mil tilápias abatidas todos os dias.
Um negócio mais expressivo – e também mais antigo – da GTF é a Lorenz, centenária empresa de ingredientes para a indústria adquirida em 2016 pela então GTFoods, que faturou, no ano passado, R$ 400 milhões.
Primeira indústria de fécula de mandioca da América Latina, criada em 1916, a Lorenz produz diferentes produtos a partir da mandioca e também de outras matérias-primas como amido de milho, amido de milho waxy e fécula de batata.
A marca possui quatro plantas no Paraná e no Mato Grosso do Sul, que somam uma capacidade produtiva de mais de 250 mil toneladas por ano.
“Quando nós a adquirimos, ela faturava apenas R$ 30 milhões. Aumentamos mais de dez vezes o faturamento", recorda Tortola.
A ideia de Tortola é de que os negócios fiquem mais equilibrados no futuro, ainda que o frango continue sendo o carro-chefe da companhia.
No ano passado, a companhia faturou R$ 4,1 bilhões. Agora, pretende alcançar R$ 4,5 bilhões em 2025, até chegar ao final da “Missão 5BI”.
Ao todo, em torno de 70% de toda a produção da GTF é direcionada para o mercado interno, segundo Tortola. O principal mercado consumidor é o Paraná, seguido por São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro, em ordens de grandeza de volumes, diz o CEO.
Tortola explica que a empresa está presente em praticamente todos os estados do Brasil, mas prefere continuar concentrada nos estados do Centro e Sul do país. "Queremos continuar concentrados nesses estados porque não temos produção para tudo", diz.
Em outras regiões do Brasil como Norte e Nordeste, a GTF costuma trabalhar com parceiros estratégicos. "Se existem dois gigantes no Norte e no Nordeste, por exemplo, eu não preciso trabalhar com os dois. Escolho um e faço um trabalho melhor com apenas um. Como nós não somos do tamanho das duas gigantes, isso nos permite escolher com quem trabalhar em algumas regiões", diz.
No lado das exportações, a companhia possui habilitação para vender para mais de 100 países. Seu principal mercado é a China, com duas plantas habilitadas para exportar carne de frango para aquele mercado: a de Maringá e a de Paraíso do Norte, cidades do Norte paranaense.
A meta da empresa é elevar a participação das exportações de 30% para 40% do total produzido no futuro. Mas, antes, a companhia terá de lidar com os problemas do presente.
É que, assim como todo o setor, a GTF foi impactada negativamente pela gripe aviária, após focos do vírus H5N1 terem sido registrados em uma granja comercial no Rio Grande do Sul em maio.
Logo após da notificação do caso, mais de 20 destinos adotaram restrição total à importação de carne de aves do Brasil, como China, União Europeia, México, entre outros importantes parceiros comerciais do País.
Desde então, com envio de remessas afetadas, de lá pra cá, os preços caíram 10%, segundo Tortola, e a rentabilidade está sendo afetada, com mais produtos circulando no mercado interno.
"A margem de itens que iriam para a China, e que agora não estão indo, caíram muito de valor no mercado interno. A China só compra pé e meio de asa. Sem eles, agora, no mercado interno, um pé que eu venderia por R$ 12 (o quilo), estou vendendo por R$ 3. Uma asa que eu venderia a R$ 24, estou vendendo por R$ 14", explica.
Dessa forma, o resultado de lucro líquido do primeiro semestre esteve acima do primeiro semestre do ano passado, mas possivelmente o segundo semestre deve apresentar resultado pouco abaixo do segundo semestre do ano passado. “Mas com um faturamento um pouquinho maior”, antecipa Tortola.
Assim, a meta da companhia é chegar ao fim de 2025 um lucro líquido na casa de dois dígitos, segundo Tortola, e continuar com as metas de faturamento estabelecidas para este ano e o ano que vem.
A GTF também está saudável financeiramente hoje – quando o pedido de recuperação judicial foi aprovado pelos credores, em agosto de 2017, a dívida da empresa somava R$ 950 milhões, segundo informou o jornal Valor Econômico na época.
"Nós desalavancamos a companhia, que já chegou a uma alavancagem de oito vezes no passado. Hoje estamos com zero", diz.
Em 2022, a GTF fez uma emissão de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), de R$ 83 milhões, em 2022, sua estreia no mercado de CRAs, para ampliar e modernizar sua planta de Paraíso do Norte.
Além de fazer uma reestruturação financeiramente, a companhia também se preparou, em termos de governança, para fazer um IPO caso as condições de mercado sejam propícias para isso – hoje, Tortola avalia que o cenário macroeconômico, com a taxa Selic batendo 15%, não é adequado para a listagem na B3.
"A empresa já está profissionalmente estruturada para isso em termos de governança, report, somos auditados pela PwC e quem faz nosso rating é a S&P”, diz.
A companhia tem um conselho, presidido pelo pai de Tortola, Ciliomar Tortola, e pretende agregar mais membros independentes – hoje, o colegiado é composto por Ciliomar, Rafael Tortola, seu primo, Vinicius Gonçalves, vice-presidente executivo da empresa, e um outro membro independente.
“Estamos nos estruturando para atendermos os requisitos e entendemos que, se para a nossa estratégia for algo vantajoso, não temos receios ou ressalvas quanto ao IPO. Pode ser um caminho", emenda Tortola.
Resumo
- Antiga GTFoods, empresa de alimentos passa a se chamar GTF e deflagra plano para atingir R$ 5 bi de receita em 2026
- Companhia aposta na marca Canção e contrata o jogador de futebol Neymar como embaixador global para impulsionar novo posicionamento
- Além da nova marca, a companhia está investindo na modernização de suas plantas e no lançamento de mais de 20 novos produtos