O primeiro clone de um mamífero no mundo foi a ovelha Dolly, que nasceu na Escócia, em 1996. Cinco anos depois seria a vez da primeira vaca clonada no Brasil, a Vitória, da raça Simental, fruto do trabalho de pesquisadores da Embrapa e da Unesp, no interior de São Paulo.

E quem foi um dos líderes deste trabalho na época? O veterinário brasileiro Rodolfo Rumpf, que acabou deixando a Embrapa anos depois e hoje lidera a única empresa privada no País que segue produzindo clones de bovinos.

“Eu sempre trabalhei nessa área de conservação de recursos genéticos. Quem guarda tem, é aquela história da variabilidade genética, da importância das raças crioulas”, afirmou Rumpf, em entrevista exclusiva ao AgFeed.

Desde 2014, ele atua como diretor da Geneal Genética e Biotecnologia Animal, uma empresa do Grupo Brasif, do empresário e tradicional pecuarista Jonas Barcellos – conhecido por décadas pelos animais de elite da Fazenda Mata Velha e pela rede de lojas “Duty Free”, que acabou sendo vendida a um grupo suíço.

As primeiras revoluções na área de genética voltada à pecuária vieram com a chegada da Fertilização In Vitro (FIV) e com a expansão da conservação de sêmen e embriões de animais altamente valorizados. Ao invés de um filho por ano, um animal que valia milhões podia gerar múltiplos descendentes, fazendo com que o investimento no setor muitas vezes superasse o retorno obtido numa aplicação financeira convencional.

Quando chegou a vez da clonagem, a própria Embrapa partiu para uma parceria público-privada, contou Rumpf, envolvendo o grupo Brasif que, em 2010, criou a Geneal, para centralizar o negócio de genética.

“O objetivo da Geneal é ser o elo de ligação entre a academia e o setor produtivo, porque você precisa de respostas rápidas”, disse.  “Na carne, você precisa definir o que o nosso cliente vai querer daqui a 10 anos e tentar produzir aquele boi que atenda aquela demanda específica, por isso a variabilidade genética é tão importante”.

Para fazer os clones comercialmente, Rodolfo Rumpf conta que a Geneal buscou uma parceria com a empresa americana que era detentora da patente da ovelha Dolly e conseguiu avançar neste mercado.

Hoje um dos carros-chefe da empresa tem sido a produção de clones de bovinos. Nos últimos anos já foram produzidos mais de 600 animais a partir dessa técnica na Geneal.

“Dentro dessa área celular, nós temos a parte do banco genético, ou seja, de preservação de material genético, que são as células somáticas, para futuramente fazer o clone ou já a clonagem direta. Então, quando você tem um animal estratégico dentro do seu programa de melhoramento, a gente recomenda guardar, preservar o material genético dele”, explica.

“Fizemos três biopsias e isolamos milhões de células. Congelamos essas células e depois a gente faz o clone. Então, não é necessidade de você clonar de imediato”.

Todos os clones nascem na fazenda da Geneal, em uma área de 700 hectares, em Uberaba (MG). Eles são entregues ao comprador com 5 meses de idade, já registrados.

Dos laboratórios concorrentes que também atuavam na área, apenas um continua, segundo o diretor, porém tem foco em equinos.

“O clone ainda é uma tecnologia em desenvolvimento e às vezes eu me pergunto por que inventamos isso, mas o fato é que a gente está conseguindo melhorar, temos exemplos hoje, a segunda vaca mais cara do mundo, a gente já entregou um clone dela”, destacou.

Ele se refere a vaca nelore Viatina 19 FIV Mara Imóveis que foi vendida por R$ 21 milhões em 2023, sendo na época o maior preço já visto até então. No ano seguinte, foi superada pela Carina FIV do Kado, comercializada por R$ 24 milhões.

Nem sempre o valor do clone se equipara ao animal original, mas o diretor da Geneal explica que muitos já conquistaram reconhecimento nas exposições e que as cifras milionárias também se repetem. Um lote de clones da vaca Parla, por exemplo, chegou próximo a R$ 30 milhões.

“É um animal diferente, por que não preservar e disseminar mais esse gene? Você fortalece a evolução para chegar lá em cima nesses indivíduos diferentes e depois você traz essa genética lá de cima para a base da pirâmide”, ressaltou.

O custo para fazer um clone é de cerca de R$ 150 mil, que se refere apenas à prestação de serviço. Já a genética que vai ser reproduzida é de responsabilidade do próprio criador.

Além da produção de embriões e da própria FIV, também faz parte do negócio da empresa uma área de biologia molecular, onde são feitos exames de parentesco, que comprovam que determinado bezerro é filho de uma determinada vaca e de um determinado touro, uma exigência para registrar animais das principais raças.

Vendas em alta

A expectativa da Geneal é crescer 30% em 2025 no que se refere a negócios fechados. O faturamento da empresa fica em torno de R$ 10 milhões, o que representa apenas uma parte da “engrenagem” do grupo na pecuária. Se considerada também a receita da Agro Mata Velha, foram R$ 38 milhões em 2024, um avanço de 45% em relação ao ano anterior. Isso sem contar o rebanho comercial do grupo.

Na Geneal, são 60 mil exames e 18 mil FIVs por ano. Em 2026, devem ser entregues pelo menos 80 clones.

A Brasif como um todo fatura cerca de R$ 4 bilhões, como mostrou o AgFeed, boa parte com foco em máquinas agrícolas, mas os negócios envolvem usina de cana, setor imobiliário, entre outros.

Exportação para a Índia

A mais recente ousadia da Geneal e do seu líder técnico é fazer o caminho de volta rumo ao berço da genética das raças zebuínas que hoje predominam no rebanho brasileiro.

A história começa no final do século XIX, quando corajosos aventureiros buscaram na Índia uma raça bovina que fosse adaptável ao clima tropical. Uma nova importação foi feita na metade do século XX e, ao longo de décadas, ter animais descendentes das linhagens indianas foi virando sinônimo de qualidade e rusticidade, que resultava em alta procura e valorização.

Em 1962, as importações foram bloqueadas em função de um suposto risco sanitário. E quem quebrou o jejum de genética da Índia foi justamente o pecuarista Jonas Barcellos, que em 2009 conseguiu convencer as autoridades dos dois países para derrubar as restrições.

Naquele ano, a Fazenda Mata Velha importou embriões da Índia novamente e, desta vez, eram materiais que já vinham sendo desenvolvidos no país, já com a perspectiva de que as importações seriam abertas. Segundo as lideranças do setor da pecuária, este movimento foi uma espécie de marco, que contribuiu para expandir e melhorar o rebanho brasileiro.

Em 2025, o braço de genética do grupo de Jonas Barcellos tem mais uma notícia relevante nessa linha do tempo: a Geneal está prestes a exportar para a Índia embriões da raça Nelore produzidos no Brasil.

“Agora estamos preparando o primeiro botijão. Vamos exportar a genética que veio de lá, sofreu melhoramento aqui e está sendo levada de volta para Índia”, contou Rumpf.

Segundo ele, a vinda de missões indianas ao Brasil tem sido mais frequente, especialmente na Expozebu, principal evento do setor no ano. Antes os contatos eram mais entre os governos, mas agora são cooperativas e representantes da iniciativa privada, o que tem levado ao fechamento de negócios com eles.

O Brasil já exportou sêmen para a Índia, recentemente, mas essa será a primeira vez que o País exportará embriões.

“Vamos exportar no início do segundo semestre esse lote e já temos outros que fechamos negócio agora em maio. É interessante porque valoriza o que fizemos nesses anos todos e conseguimos devolver para eles”, disse ele.

Ele diz que genética levada pelos americanos para a Índia, com mais relação com clima temperado, não eram ideais para o rebanho indiano. Já o Brasil teria feito um trabalho intenso com foco no clima quente, como no Gir Leiteiro, por exemplo, uma raça zebuína capaz de produzir muito lente quando se usa em cruzamento.

No negócio fechado pela Geneal, estão previstos entre 600 e 1 mil embriões, que serão enviados aos poucos, em lotes distintos.

E quando será que o Brasil exportará clones aos indianos? Rumpf diz que no passado já foi importada uma biopsia da Bolívia e depois exportado o clone “dentro da regra que o Ministério da Agricultura estabelece”.

Segundo ele, há interesse por parte dos indianos e essa hipótese não estaria descartada futuramente, desde que as regras e os instrumentos legais sejam bem definidos – uma lei foi aprovada recentemente sobre o comércio de material genético.

Outra promessa futura é o trabalho com edição gênica, que já vem sendo feito pela Embrapa e poderá ser oferecido pela Geneal.

“Primeiro vamos terminar de consolidar a clonagem. O trabalho de edição gênica provavelmente será feito em parceria com outro centro ou então comprando uma empresa”.

Resumo

  • A Geneal, liderada por Rodolfo Rumpf, já produziu mais de 600 clones de bovinos e atua na preservação genética, com foco em animais de elite
  • A empresa prevê crescer 30% em 2025, com expansão para exportação de embriões à Índia e planos futuros de atuar com edição gênica
  • A clonagem gera animais valiosos, como clones de vacas premiadas, fortalecendo o melhoramento genético na pecuária brasileira

Rodolfo Rumpf, diretor da Geneal Genética e Biotecnologia Animal