O sonho de aumentar a produção nacional de fertilizantes, tão desejado por diferentes governos, para reduzir importações, segue avançando, porém o ritmo se mostra abaixo das previsões iniciais.
Um exemplo disso é o investimento feito no Brasil por uma das maiores produtoras globais de fertilizantes, a Eurochem. Em março do ano passado foi inaugurado o Complexo Mineroindustrial de Serra do Salitre, em Alto Parnaíba, Minas Gerais.
Foram investidos US$ 1 bilhão para que, ainda em 2024, se produzisse 500 mil de toneladas de fosfatados no local. O plano era chegar à capacidade máxima de 1 milhão de toneladas em 2025, quando Serra do Salitre passaria a responder por 15% do que consome o mercado brasileiro.
Desde então, o setor de fertilizantes vem enfrentando diversos desafios. Com margens apertadas e preços de commodities mais baixos se comparados há 3 anos, época em que esses investimentos vinham sendo decididos pelas empresas, produtores rurais vêm mudando o comportamento na hora de comprar adubos.
Eles estão deixando cada vez mais para a última hora, desafiando a logística, em busca de melhores cotações. Em alguns períodos, até decidiram reduzir o uso de fertilizantes, aproveitando as eventuais “reservas” do solo.
O resultado tem sido uma maior cautela por parte da indústria e um ritmo moderado para chegar à capacidade máxima de novas plantas, situação também vista em projetos de outros players como a Yara e a Mosaic.
Na Eurochem, há também o desafio de administrar a grande quantidade de plantas das empresas adquiridas nos últimos anos no Brasil. O grupo controla, por exemplo, a Fertilizantes Heringer, que teve uma recuperação judicial e segue com diversas fábricas “em hibernação”.
Há três meses, o catarinense Maicon Cossa, com mais de 20 anos de experiência no setor de fertilizantes, assumiu como novo CEO da Eurochem no Brasil.
Na última semana, durante o Congresso Brasileiro de Fertilizantes, promovido pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), ele concedeu uma rápida entrevista ao AgFeed, para avaliar os atuais desafios do momento.
“Salitre é para nós um grande investimento em produção no Brasil e para o Brasil como um todo. A planta de Salitre está no processo de rampar, como a gente fala, buscando a capacidade plena. Pensando em 12 meses, seria a capacidade próxima a 1 milhão de toneladas, que é o que a gente enxerga para o ano que vem”, contou o CEO.
Ele diz que a estratégia da Eurochem “é de longo prazo, tendo o Brasil como um dos principais mercados para a produção, especialmente para a produção própria da empresa”.
“A ideia é desenvolver sempre um sistema de distribuição que seja o mais eficiente possível, que tenha as rotas logísticas mais adequadas para levar o produto, seja da mina, de onde venha o produto, seja do porto, até o nosso agricultor”.
Com a previsão de Cossa, a expectativa é de que Salitre termine 2025 com produção entre 800 mil e 900 mil toneladas, abaixo das estimativas do antigo CEO, Gustavo Horbach, que falou ao AgFeed em agosto do ano passado.
Maicon Cossa diz que o leve atraso não está relacionado “nem com o mercado nem com o investimento” necessário.
“É um complexo que vai desde a mineração até a produção do fertilizante, com várias etapas dentro da planta. E é normal em projetos dessa magnitude, que você vai ativando a planta aos poucos. E aí vai escalando, ajustando até levar na capacidade máxima. Ajustando ao tipo de portfólio, ao produto que está produzindo”, explicou.
Na visão do novo CEO, depois de vários anos de investimentos no Brasil – incluindo grandes aquisições como a compra da Fertilizantes Tocantins e da Fertilizantes Heringer – a prioridade agora é “consolidação” e “busca de eficiência”.
“O nosso foco principal não está em crescimento hoje. A Eurochem busca a consolidação, cresceu muito ao longo dos últimos anos, temos presença hoje em todo o Brasil, o nosso foco hoje é em melhorar a eficiência, isso vai melhorar a satisfação do nosso cliente e melhorar o nosso resultado financeiro. Crescer, a partir de agora, para nós, é uma consequência de um resultado bom”, ressaltou.
Cossa avalia que a empresa ainda “não está extraindo o melhor de cada ativo”, o que deve ser buscado a partir de agora, “para que o investimento feito dê o retorno esperado”.
Apesar desse cenário, em 2025 a empresa reativou a unidade da Fertilizantes Heringer em Paranaguá (PR), sinalizando a intenção de atender melhor a região Sul, como já mostrou o AgFeed.
A reativação da planta e outros investimentos nas fábricas foram estimados em R$ 200 milhões.
O AgFeed perguntou ao CEO da Eurochem se alguma outra planta poderá ser reativada. Ele respondeu:
“Chances sempre existem. O que determina na prática a operação de uma planta é a competitividade do ponto de vista logístico. No geral, as plantas que não estão operando, elas não estão na melhor posição logística, mas elas têm um nicho de atendimento. Ao longo do tempo, elas podem sim, elas estão sempre sendo reavaliadas e podem sim ser reativadas”, admitiu ele, evitando dar detalhes.
Em relação à busca de eficiência na logística, Cossa diz que há oportunidades em todo o Brasil, mas ponderou que o Arco Norte se destaca “por ser uma região que está em desenvolvimento mais pleno do que o centro e sul do Brasil, que estão mais consolidados”.
Desafios de crédito
Assim como o setor de fertilizantes como um todo, a Eurochem projeta um 2025 “parecido com o ano passado” em termos de volumes comercializados. “Talvez com algum espaço para crescimento”, ponderou Cossa.
A incerteza predomina porque os produtores atrasaram muito as compras para a safra de verão. Segundo dados da própria Anda, que representa a indústria, há casos de agricultores que até encomendaram o adubo, mas depois não conseguiram crédito no banco para efetivar e receber o produto.
“A gente enxerga grandes desafios, especialmente de crédito para o agricultor, mas estamos em setembro, a gente tem uma boa parte dos meses mais relevantes para o negócio que estão à nossa frente. E aí com várias incertezas do ponto de vista do agricultor. Os próximos dois meses certamente definem o ano”, disse o CEO da Eurochem.
No tema do crédito, o executivo lembrou que a empresa, “embora não tenha função de financiador”, está buscando ajudar os clientes.
No mês de agosto a Eurochem anunciou ter captado R$ 450 milhões por meio de um Fiagro-FIDC.
“De fato o crédito é um dos grandes desafios que não só o agricultor, mas os distribuidores têm esse ano. Com o FIDIC, a gente consegue, através dele, viabilizar crédito para alguns dos nossos clientes”, disse.
Segundo o CEO, em poucas semanas, o fundo já está rodando e “tendo bastante adesão”
“É uma maneira bastante concreta de ajudar a viabilizar crédito num ano em que o acesso está bastante restrito”.
Resumo
- CEO Maicon Cossa prevê capacidade plena de Serra do Salitre apenas em 2026, com até 900 mil t em 2025
- Estratégia da Eurochem foca na consolidação e eficiência, após anos de aquisições e expansão no Brasil
- Crédito rural é desafio; empresa captou R$ 450 milhões via Fiagro-FIDC para apoiar clientes