Rio Brilhante (MS) - Creuza e Luciana têm histórias incríveis e semelhantes. Ambas são paulistanas, criadas em um ambiente urbano. Até suas personalidades são parecidas. E, graças ao destino, dividem o sobrenome Fabiani e compartilham dores e sucessos.

Ambas superaram dramas pessoais, com as perdas dos maridos - no caso de Creusa também do filho -, comandaram a maior empresa de nutrição animal do País e revolucionaram um conglomerado de fazendas em Mato Grosso do Sul.

Creuza é sogra de Luciana, a quem considera uma filha. E Luciana diz que não seria nada sem Creuza.

As duas lideram a Fabiani Agropecuária e os cuidados de três fazendas, a Caçadinha, em Rio Brilhante (MS) e a União e Nova União, na vizinha Sidrolândia (MS).

São 13,1 mil hectares onde implantaram, juntas, um projeto de integração lavoura-pecuária (ILP) de mais de uma década que mudou o perfil produtivo das propriedades.

Tudo começou há 50 anos, quando o empresário e fundador da Tortuga, o italiano Fabiano Fabiani, adquiriu a Caçadinha sem nunca ter pisado no solo argiloso da fazenda.

Foi ali, em um território que, sem exagero, faz parte da história da pecuária brasileira, que Creuza contou ao AgFeed, sem pressa, essa história: “Um corretor ligou e disse que tinha a fazenda. E ele (Fabiano), que queria plantar soja, falou, ‘não vou nem ver, me manda um pouco da terra que eu vou fazer análise solo’”.

“Ele fez análise e, então, compramos”, completou.

Segundo a empresária, além de não ter qualquer infraestrutura, a propriedade precisou ser registrada no nome dela, porque estrangeiro não poderia ter terra há menos de 100 quilômetros de espaço aéreo de fronteiras – no caso, a do Brasil com o Paraguai.

Foram dez anos para domar o sertão sul-mato-grossense e consolidar uma produção agropecuária na propriedade, que logo seriam três com a aquisição das outras fazendas de Sidrolândia.

“Desde o começo ele (Fabiano) introduziu a agricultura para a renovação das pastagens”, contou.

Fabiano Fabiani não era homem de ter pressa. Queria criar negócios que crescessem devagar e fossem longevos – daí veio o nome Tortuga (tartaruga, em espanhol). A empresa e as fazendas foram seus legados.

Em 1990, a primeira perda. Com o falecimento de Fabiano Fabiani, Creuza assumiu a direção do conglomerado – que já tinha quase uma década quando, no início dos anos 1960, ela, então funcionária da empresa, conheceu o futuro marido no barracão em Santo Amaro, na capital paulista, então sede da Tortuga.

“Um dia ele olhou pra mim, perguntou se eu era de São Paulo e respondi que era. Ele falou: ‘eu vou casar com você’. E eu pensei: ‘esse cara deve estar maluco’”, disse. “E realmente acabamos nos casando”.

Luciana Fabiani não conheceu o sogro. Ela se uniu à família por meio de Max Fabiani, filho do casal, que viria a ser seu marido. Paulistana, dona de uma fábrica de sapatos, nos primeiros anos Luciana só ia a passeio para as propriedades. Mas, em meados de 2011, contou, Max queria vender as terras. Ela o convenceu a desistir da ideia.

“Ele falou que eu iria tocar o negócio, eu disse que tocaria e pedi para ele me ensinar”, lembrou Luciana. “Nunca imaginei que ele fosse morrer, né?”.

No começo de 2012, com a morte precoce de Max, aos 39 anos, Luciana se juntou à sogra na administração das propriedades.

Creuza, no entanto, ainda tinha a Tortuga para comandar e, assim, Luciana assumiu a gestão das fazendas. E iniciou o processo de ILP, que é um exemplo de produtividade e sustentabilidade até hoje.

“Eu fui trabalhar em cima de resultado, porque, como a fazenda ficava embaixo de uma empresa muito grande, não tinha o foco. Aí entrou a integração lavoura-pecuária”, explicou Luciana.

Sem experiência na agropecuária, Luciana decidiu basear sua gestão na empresa rural na informação. “Se eu não tivesse o número, eu não tomava a decisão, porque eu não tinha experiência, conhecimento, não era agrônoma, veterinária e nem zootecnista”, explicou.

Dos 13,1 mil hectares das propriedades rurais, apenas 1,4 mil hectares eram de lavoura fixa para a agricultura no começo do projeto de ILP. Hoje são 3,5 mil hectares, com previsão para evoluir até 4 mil hectares.

Outros 5,9 mil hectares são de pastagens, mas a maioria dessa área acaba se transformando em lavouras em, no máximo, três anos. São 50 talhões rotacionados ano a ano com plantações e, em seguida, novos pastos para o rebanho das raças nelore e aberdeen.

O restante das fazendas é área de preservação. Dos 100 funcionários fixos, há um equipe específica para a manutenção dessas áreas e fazer reflorestamento.

Com o plantio de soja em áreas de pastagem degradadas e o avanço da ILP, a produtividade da cultura saiu de 40 sacas a 50 sacas por hectare para 60 sacas por hectare, em média, e picos de até 70 sacas por hectare.

O rebanho, mesmo com uma redução de 1,3 mil hectares nas áreas de pastagem, cresceu de 12,5 mil para 15 mil cabeças, graças à intensificação da pecuária nas propriedades. A cada ano, mais produtos biológicos são utilizados no trato das lavouras e pastagem.

A participação de produtos químicos saiu de 98% para 54,7% – em alguns talhões eles já não são mais utilizados.

O início do processo que mudou a gestão da Fabiani Agropecuária coincidiu com o fim da era Tortuga nas mãos da família. Em agosto de 2012, por 465 milhões de euros, a maior empresa de nutrição animal do Brasil foi comprada pela holandesa DSM (atualmente dsm-firmenich) – a operação foi concluída em abril de 2013.

Mas na fazenda Caçadinha, o legado do fundador para a nutrição animal continua sendo construído: em um acordo com o grupo holandês, ela ainda sedia o centro de inovação Tortuga.

O negócio aproximou ainda mais Creuza e Luciana. Quem conversa com as duas empresárias percebe a sintonia de ambas, sempre visível até na entrevista que concederam juntas ao AgFeed.

“Já entreguei o bastão para ela e a menina está trabalhando bem, viu?”, brincou Creuza ao lado da nora.

“Eu falo para todo mundo que você foi a melhor pessoa que pude conhecer, porque você me deu liberdade para buscar alternativas, para aprender, para errar, mas sempre com segurança na hora que eu tinha dúvida”, emendou Luciana.

“A gente sempre trocou ideias. Sempre eu falei tudo o que eu estava fazendo e, na hora que o bicho pegava ou que a gente tinha alguma saia justa, eu sentava com ela, conversava e ouvia um ‘vai em frente’. Aí ela me validava”, concluiu a nora.