Os desafios não foram poucos em 2024 para todos os segmentos do agronegócio, mas no setor de fertilizantes o ano termina sem queda no volume de vendas, algo que em tempos de “ajuste” já é considerado uma vitória pelas grandes empresas.
Na Mosaic, uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo, os resultados no Brasil devem “acompanhar o desempenho de mercado”.
Em entrevista ao AgFeed, o Country Manager da Mosaic no Brasil, Eduardo Monteiro, que também é presidente da Anda, associação que representa as indústrias do setor, disse que espera que as entregas de fertilizantes em 2024 atinjam no mínimo 46 milhões de toneladas.
Se confirmado, o número deve representar um crescimento entre 0,5% e 1%, segundo ele. As entregas de 2023 foram de 45,8 milhões de toneladas.
Monteiro explica que os fertilizantes foram menos afetados pelo cenário negativo de 2024, na comparação com outros insumos, porque a maior parte das compras da safra de verão ocorrem no primeiro semestre. “E a correção nos preços da soja foi a partir do segundo semestre”, diz.
É fato, porém, que para recuperar receitas as empresas também dependem de melhores preços no mercado. No caso da Mosaic, o balanço do terceiro trimestre do ano indicou uma queda no preço médio de 14% na comparação com o mesmo período de 2023.
O executivo lembra que o cenário do segundo semestre afetou outros produtos como defensivos e biológicos, além do conhecido impacto nas revendas, que ainda terá desdobramentos na concessão de crédito.
Ele admite que o aumento de recuperações judiciais, especialmente o episódio AgroGalaxy, deixou o mercado agrícola brasileiro, que demanda crédito, “com sinal de alerta ligado”.
Houve retração nas linhas de crédito para diversos players da distribuição. “E isso se estende também para a parcela da indústria que financiava alguns desses players. Então, isso tornou essa última parte do ano mais desafiadora”, disse.
“Mas olhando com conjunto da obra pra gente, pensando em fertilizantes, foi bom, foi um bom ano”, afirmou.
Um ponto de atenção na cadeia de fertilizantes, segundo ele, ainda é a questão geopolítica. A Rússia, por exemplo, responde por 30% da produção mundial de fertilizantes e vem acirrando o conflito com a Ucrânia. No Oriente Médio, os conflitos também se intensificam e 20% da ureia que o Brasil consome vem do Irã.
“A gente reforça (aos clientes): olha de quem se compra, olha a matriz de abastecimento, se puder receber antes, receba”.
Otimismo para 2025
Para o ano que vem, Monteiro diz estar mais otimista, prevendo um crescimento de 2% nos volumes comercializados pela indústria de fertilizantes no Brasil.
Um dos sinais é o avanço das vendas antecipadas. Embora as compras da safra de verão normalmente sejam mais fortes entre fevereiro e abril, Monteiro contou ao AgFeed que até a metade de dezembro 20% das vendas para a safra de soja 2025/2026 já haviam sido fechadas pelos agricultores.
No mesmo período do ano passado esse índice estava em 9%. A diferença, dessa vez, é que a venda antecipada é praticamente concentrada em apenas um fertilizante, o cloreto de potássio, que está “relativamente barato em relação ao histórico recente” e já está com 20% comercializado para a próxima safra.
Segundo ele, a soja representa 40% do mercado de fertilizante na agricultura brasileira.
No caso dos fertilizantes fosfatados, como o MAP, o produtor tem postergado as compras, em função de uma relação de troca historicamente ainda alta.
“A China era um grande player no fósforo, para fertilizante. E ela continua sendo um grande player, só que ela vem aumentando a sua participação em bateria de carro elétrico. E o ácido fosfórico que você usa para fazer MAP é o mesmo ácido fosfórico que vai com um dos componentes para fazer bateria de carro elétrico”, explica.
Nesse cenário, Monteiro acredita que a tradicional queda de preços para o fósforo, que costumava ocorrer em alguns períodos do ano, possa ter uma mudança de padrão.
“Dentro desse contexto, o agricultor vai eventualmente tomar uma decisão de aguardar e aí você tem que respeitar a decisão que é soberana dele. Mas, por outro lado, o que nos preocupa, como sempre, são os gargalos logísticos”, afirma.
O comportamento de compra de insumos em cima da hora sempre traz preocupações com a capacidade de recebimento nos portos e entrega nas fazendas. Segundo o Country Manager da Mosaic, o problema logístico na safra 2024/2025 não foi tão evidente porque as chuvas chegaram bem mais tarde, atrasando o plantio.
Em 2025 a Mosaic também prevê ter um desempenho “igual ao mercado”, ou seja, com leve crescimento.
“É claro que as nossas minas têm um teto de produção aqui no Brasil. Não temos capacidade de produzir mais. Então, onde você cresceria, seria através do nosso canal de distribuição, que é comprar, misturar e vender para os misturadores. O nosso objetivo é entregar melhor qualidade, mas ser rentável. Somos uma empresa de capital aberto, a rentabilidade é importante”, pondera.
Risco sob controle
A Mosaic admite que também foi desafiada pelo clima de maior atenção com o crédito na agricultura brasileira, registrando “impactos pontuais”.
“A gente dá crédito especificamente para um determinado grupo de clientes e, com esse cenário adverso, fomos gradativamente fazendo uma gestão do nosso exposure, reduzindo a nossa exposição, principalmente no segmento de retail, que é a distribuição”, diz Monteiro.
Em paralelo a essa seletividade, a empresa utiliza, quando necessário, um seguro de crédito, que faz parte das políticas globais de gerenciamento de risco da Mosaic. Nestes casos, o impacto é temporário, porque a seguradora ressarce e os valores são revertidos.
“Claro que não queremos usar isso recorrentemente, então por isso que a gente também é muito cauteloso. E temos uma base de clientes muito saudáveis, principalmente grandes agricultores, que fazem uma boa gestão de risco, além dos traders de grãos que estão muito saudáveis e representam uma parcela significativa da nossa carteira”, explica o executivo.
O AgFeed mostrou recentemente que tradings vêm ganhando espaço no mercado de distribuição de insumos, como a ADM, que está aumentando as vendas de fertilizantes e possui parceria com a Mosaic.
A Mosaic estima que 55% das vendas sejam feitas via revendas ou cooperativas. Já o restante, 45% fica com grandes tradings e com os consumidores finais, especialmente os chamados mega farmers, produtores altamente tecnificados que compram em grandes volumes.
Para 2025, Eduardo Monteiro ainda acredita que não haverá escassez de crédito. “O que vai acontecer é que você vai ter canais e distribuidores com mais disponibilidade e outros com menos. Essa diferença se compensa no final e, notadamente, você vai ter crescimento de participação daqueles canais que têm mais funding para fazer financiamento”.
Enquanto isso, as empresas monitoram o que deve ocorrer com a safra de soja. A expectativa de uma produção recorde reforça a expectativa de pressão de baixa dos preços, mas o agricultor terá mais grãos para comercializar. “Os campos de soja estão verdinhos. Vem um safrão pela frente. E quando isso ocorre, o agricultor naturalmente fica entusiasmado”.
Monteiro lembra ainda que o cenário do milho está mais favorável. Em regiões onde o grão valia R$ 42 por saca no ano passado, agora atinge R$ 60.
Outro fator positivo tem sido o câmbio, com o dólar operando acima de R$ 6, o que aumenta a rentabilidade das principais culturas agrícolas.
Ainda na conta do otimismo do executivo está o bom momento de outras commodities, como algodão, café e suco de laranja, que mesmo antes da alta expressiva do dólar já registravam melhores preços e rentabilidades.
Os biológicos e o “futuro” da Mosaic
Os executivos da Mosaic afirmam que o futuro da companhia passa pela linha de bioinsumos. No Brasil, o pilar chamado “Mosaic Biosciences” foi lançado oficialmente no início de 2024 com a ambição de atingir US$ 100 milhões em receita até 2030.
Quando perguntado sobre os primeiros resultados da iniciativa, o country manager diz que “foi um ano de aprendizado”. Ainda assim, a empresa destaca que saiu de “zero” biológicos da marca para 2 milhões de hectares tratados ao final de 2024.
No aspecto geral, as empresas de biológicos no Brasil tiveram crescimento esse ano, porém em ritmo abaixo do que vinha sendo registrado. A CropLife Brasil, que representa boa parte das indústrias, diz que o setor estava avançando mais de 20% ao ano, mas em 2024 provavelmente deve ter um crescimento pouco acima de 10%.
“Como para todo mundo, não cresceu quanto deveria”, diz Monteiro. Ele explica que, além da situação de mercado, a empresa teve vendas abaixo do previsto para um produto que foi impactado pelos furacões na Flórida. O item chamado Performa Bio é produzido nos EUA, havia demanda por quem estava experimentando no Brasil, mas só foi possível entregar um pequeno volume em função da paralisação das plantas lá fora.
O grande entrave para a Mosaic, no entanto, está na parte regulatória. O AgFeed também conversou com outros dois executivos da companhia – Alexandre Alves, diretor da Mosaic Biosciences Brasil, e Antônio Meirelles, diretor de Relações Governamentais e Sustentabilidade da Mosaic.
Todos reforçaram a necessidade de mais clareza na lei brasileira, para permitir que produtos nutricionais de origem biológica possam ser aprovados de acordo com regras que já são praticadas por outros países.
Entre as diferenças está a possibilidade – que não existe no Brasil – de registrar duas funcionalidades para um mesmo produto.
Meirelles afirma que o fertilizante não é “nem céu nem a terra”, como ocorreu na polarização entre quem defendia as biofábricas nas fazendas e as grandes indústrias que propuseram uma “super regulamentação” aos biológicos.
“Você tem um meio do caminho, onde há a possibilidade de ter produtos biológicos incorporados aos fertilizantes que assumem funções de redução do stress hídrico, coisas que hoje não são previstas na legislação de fertilizantes, e que trabalham com a nutrição de plantas”, explica.
A nova lei de bioinsumos foi aprovada pela Câmara e pelo Senado Federal recentemente. Na visão da Mosaic, foi um importante avanço, porém faltaram detalhes que impactam especificamente o segmento em que a empresa atua, a bionutrição.
A empresa defende que os produtos bionutricionais – biofertilizantes, condicionadores de solo e inoculantes – sejam passíveis de análise exclusivamente do Ministério da Agricultura. No caso dos defensivos, a CropLife Brasil defendia que o registro passasse por três órgãos – Mapa, Anvisa e Ibama.
A Mosaic alega que dispõe de vários produtos inovadores, alguns líderes de mercado no Hemisfério Norte, que não estão chegando ao Brasil em função desta barreira regulatória.
“A gente tem que consolidar isso numa legislação mais robusta e nova e também acessar dois pontos que são o nosso pedido. Primeiro utilizar produtos híbridos, ou seja, um inoculante que seja um solubilizador de fósforo e pode ser, ao mesmo tempo, um bioestimulante. Hoje, na legislação, não pode. E a gente sabe que esse microrganismo pode fazer as duas funções”, argumenta Alexandre Alves, diretor da Mosaic Biosciences.
O segundo ponto defendido pela empresa é a possibilidade de usar o fertilizante tradicional como um “meio” para a aplicação do biológico.
“A lei do biocontrole permite, por exemplo, colocar um bionematicida numa semente. É uma semente viva e é regulamentado. Mas na bionutrição não posso colocar um biofertilizante, um bioestimulante ou inoculante dentro do nosso fertilizante”, diz Alves.
Segundo o executivo, em países como Canadá, EUA, China e Índia, usar o biológico no fertilizante é algo permitido. “A agricultura brasileira está ficando para trás neste quesito”.
A empresa diz que, ao aplicar o fertilizante junto com o biológico, o produtor rural também economizaria recursos como diesel e processos operacionais, reduzindo custos. “Isso atinge os objetivos de democratizar o uso de biológicos”, diz Antônio Meirelles.
O fato é que a Mosaic não vê a hora de trazer para o Brasil produtos como um solubilizador de fósforo, que já tem 20% de market share no Canadá, mas se diz impedida pela legislação, afinal o biológico está inserido no fertilizante.
A tecnologia ajuda a planta a absorver melhor o fósforo, algo semelhante ao que já foi apresentado por pesquisas da Embrapa, com o objetivo de reduzir o uso de fertilizantes tradicionais.
“Esse produto dá entre 3 e 4 sacas a mais por hectare na soja, mas não conseguimos trazer porque está pendente. É um dos produtos disruptivos que estão por vir”, reforça Eduardo Monteiro.
Também estaria na “fila de espera” uma solução biológica em tratamento industrial de sementes capaz, segundo a empresa, de dobrar a produtividade. Os executivos dizem que, enquanto o microrganismo usado hoje sobrevive por 90 dias na semente, esse produto já vendido lá fora teria sobrevida de 180 dias. “Já temos vários parceiros no Brasil, grandes sementeiras e cooperativas. A ideia é lançar no final do ano que vem. Estamos só aguardando regulamentação”.
“A gente prega produção responsável, com fiscalização, mas com processos simplificados, olhando o que acontece em outros países”, diz Monteiro, que vem conversando com o Ministério da Agricultura a respeito do tema.
“Faz parte do nosso plano de negócios trazer novos produtos e ter um crescimento exponencial, mas é fundamental que a gente tenha uma legislação que contemple o setor de fertilizantes. O projeto que passou contempla parcialmente, mas é um ponto de atenção importante”.
Quantos aos investimentos, o foco da Mosaic agora é a expansão na região do Matopiba. Está prevista para julho de 2025 a inauguração de uma nova unidade de produção em Palmeirante, no Tocantins. O investimento é de R$ 400 milhões.
Monteiro diz que enquanto no Brasil o consumo de fertilizantes cresce 1,5% ou 2%, na região do Matopiba o avanço fica entre 3% e 4%.
No primeiro ano serão 500 mil toneladas e a previsão é chegar a 1 milhão de toneladas até 2028.
Enquanto isso, a produção de biológicos seguirá sendo feita via plantas internacionais ou por meio de parcerias no Brasil. Sobre um fábrica no futuro? “Quem sabe, temos que ganhar as credenciais, temos que esperar a legislação ser aprovada, a nossa relevância vai ser elevada a outro patamar”, afirma Monteiro.