Se os nomes Gustavo Pimenta e Braulio Junior não lhe dizem nada, você não está sozinho. Pouca gente conhece os dois irmãos agricultores de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, pelo nome.
Pela alcunha Os Pimentinhas, entretanto, a história é diferente. A dupla é um fenômeno das redes sociais, com mais de 2,7 milhões de seguidores somados em seus perfis em redes como Instagram e Tik Tok, onde se apresentam como Gustavo Pimentinha e Baxero Veio, respectivamente, e compartilham vídeos em que combinam humor e a lida no campo.
Os rapazes são sempre lembrados também na Jones, agência de comunicação com sede em São Paulo cuja equipe tem comido poeira para mostrar histórias no interior do Brasil.
Recentemente, no fim de 2024, os irmãos estrelaram uma “novelinha” (o termo é de Marcelo Chianello, CEO da Jones) em seu canal que tinha como coprotagonista uma nova plantadeira fabricada pela marca de máquinas agrícolas John Deere.
Produzida pela agência, a série trazia os dois às voltas com o plantio na propriedade e mostrando os atributos do produto da marca com sua inconfundível cor verde.
Ao final de cada episódio, oferecia um cupom para a aquisição do equipamento, em uma ação voltada apenas ao ambiente digital.
O resultado? “Em menos de um mês, vendemos 133 plantadeiras”, comemora Chianello.
“Gosto muito desse exemplo porque mostra como essa comunicação traz resultado e como a gente está num momento de inflexão, de uma forma diferente do agro se comunicar”.
Chianello tem acompanhado de perto essa inflexão e, de certa forma, transformado a John Deere brasileira em um case global do que chama de brand entertainment.
“Quando a gente começou o projeto, há três anos, a John Deere era a quarta marca da categoria com presença e com engajamento nas redes sociais”, conta. “Depois de um ano ela virou a primeira e continua a primeira, a líder. E a gente atribui isso a toda forma de se comunicar no agro, seja no online, seja no offline”.
O segredo dessa transformação foi o investimento da agência em ações que aproximam a icônica marca do universo agrícola da linguagem moderna das redes sociais.
Ao longo desse período, a Jones arregimentou um exército de 80 influencers conhecidos no mundo agro – como os Pimentinhas – e passou a dar a eles missões cujo objetivo, nas suas palavras, é “romper com antigos símbolos da comunicação do agro”.
E, para isso, desenvolveu uma metodologia de “cocriação”, em que utiliza o discurso e a realidade desses personagens como pano de fundo para passar suas mensagens.

“Ao recrutar esses 80 influencers do agro, a gente percebeu que a gente precisava cocriar com eles e, ao mesmo tempo, orientá-los sobre algumas questões básicas, como abre câmera o que fala, o que não fala, como fecha, como converge, como se comunica de uma maneira a mais”, conta Chianello.
“Criamos essa metodologia utilizando a expertise desses influencers, buscando uma comunicação que tem como foco principal entreter e não interromper na relação das marcas com seus consumidores”.
Os diferentes sotaques e a relação verdadeira com o cotidiano nas fazendas se tornaram, assim, um trunfo para que a Jones pudesse colocar em prática os três pilares da sua estratégia.
O primeiro, segundo Chianello, é a relevância de saber o que é importante para determinado público em determinado momento. “O público do agro é muito grande, muito vasto”, diz.
“Falar com o público de soja é diferente de falar com o público do milho, até pelas regiões do país. E o Brasil, como um país continental, tem costumes diferentes”.
O segundo pilar é o da conexão, que ele chama de “momento da verdade. “Não se pode falar com o agro da perspectiva de quem está no ar-condicionado, como a gente”, afirma.
“Então para estabelecer conexão nós utilizamos pessoas que traduzem esta verdade pilotando uma determinada máquina, semeando, ou trazendo a verdade mesmo do seu dia a dia.
O terceiro pilar da metodologia é a autenticidade, com a busca de formas de comunicar únicas, “que provoca curiosidade ou um certo estranhamento e que vai gerar o interesse naquele processo de comunicação”.
Foi nesse ponto que, segundo o executivo, a equipe da Jones começou a rever com conceitos que, durante décadas, têm servido como guia para a comunicação do agronegócio.
“É muito previsível que a comunicação do agro seja mostrar os grandes campos, a amplitude do agro e a gente acha que tem outras formas mais eficazes de se trabalhar”, diz Chianello.
“A mensagem era muito estandardizada em torno de que somos os maiores e que isso é um orgulho muito forte no agro. Mas decidimos migrar para um discurso de que somos muito mais eficazes, muito mais inteligente, somos muito produtivos. Isso faz com que a gente ressignifique esses símbolos de comunicação focados na amplitude e vá para situações mais humanas, mais intimistas”.
Love brand
Esse novo olhar se refletiu na própria John Deere. De maior montadora de máquinas agrícolas do mundo, a companhia passou a ser vista como “uma empresa de tecnologia e que entrega essa tecnologia através dos seus maquinários e através dos seus inúmeros sistemas de soluções tecnológicas”.
E, como tal, a Jones se apropriou de alguns conceitos usados por marcas do setor de tecnologia, como Apple e Samsung.
Para Chianello, assim como elas, a John Deere poderia ser trabalhada como uma “love brand”, uma marca admirada por diferentes públicos, extrapolando inclusive o segmento agro.
Assim, ao longo dos anos de trabalho com a Deere, a Jones não se limitou a um único caminho. Uma das primeiras experiências feitas para popularizar a marca foi a criação de uma grife de roupas e acessórios, vendida em pontos exclusivos dentro das principais feiras do agro.
“A coleção é sold out. Todos os produtos John Deere esgotam para pessoas do agro e para as pessoas que são admiradores do agro”, diz.
Chianello conta que ele mesmo, ao usar artigos da marca em ocasiões fora do contexto rural, foi abordado sobre onde encontrar os produtos. Um desses momentos aconteceu em uma conversa imprevista com um potencial cliente, que manifestou desejo em ter o boné John Deere que o publicitário usava.
A resposta foi direta: “Se me entregar sua conta o boné é seu!”, brinca Chianello. “Isso mostra como é possível transcender a comunicação e que o agro pode ser atraente”.
A equipe de Chianello percebeu também que a “love brand” já estava persente dentro de casa.
“Os colaboradores da John Deere amam o que fazem. E são colaboradores muito diferentes, que vão da área comercial à parte técnica, ao fabuloso laboratório de treinamento e estão lá essas máquinas que são entidades tão grandiosas e os operadores das máquinas”.
Dentro desse universo, a Jones traçou um diagnóstico e identificou influenciadores em potencial. Então, também investiu neles, criando uma “creator school”, para treinar esses colaboradores a interagirem nas redes – uma ideia que, posteriormente, foi “exportada” pela agência para clientes de outros segmentos.
“Hoje já são vários influenciadores, colaboradores que estão muito preparados para apresentar soluções e equipamentos da John Deere”, afirma Chianello.
“A gente percebeu também que tinha uma oportunidade aqui de mudar o marketing do agro, fazer esse marketing evoluir das tradicionais ações de relacionamento para uma comunicação digital e com uma narrativa muito mais emocional”.
O brand entertainment ajustou-se como uma luva a essa proposta e os projetos especiais de conteúdo foram sendo desenhados, trazendo histórias e narrativas do cotidiano do agro.
Primeiro, com uma série chamada Papo de Operador, onde usavam os próprios profissionais que pilotam as máquinas da marca nas fazendas para ensinar, à sua maneira, como tirar melhor proveito dos equipamentos.

Depois, contando histórias de famílias de agricultores a partir de receitas “raízes” do agro. “E ali surgiam narrativas que se repetem em vários cantos do País, como os jovens que saíram das suas fazendas e, depois de viver e se formar nas grandes cidades, voltam porque precisam assumir o controle daquele ativo da família”, diz Chianello.
“Tudo isso com narrativas verdadeiras que fazem a conexão do consumidor com a marca e que gera engajamento e, por consequência, gera resultado de negócio”.
Um dos ápices dessa estratégia foi trazer uma celebridade para dentro do universo John Deere. A escolha recaiu sobre Michel Teló, estrela do sertanejo que tem como uma de suas marcas o resgate da identidade da cultura rural brasileira.
Em torno dele foi criada um reality show chamado Safra de Inovações, que já teve três temporadas contando a relação da família Teló com o trabalho na fazenda.
“A família tradicionalmente é focada na pecuária e, através de John Deere, adquire os equipamentos e começa a preparar a terra e plantar”, resume o executivo.
“A gente trouxe uma autenticidade ao contar essa trajetória de, pela primeira vez, estar plantando soja. E com a narrativa de família, porque era o Michel Teló junto com pai, mãe, irmão, tios contando essa jornada”.
Somente o episódio que encerrou a terceira temporada teve, segundo Chianello, mais de 10 milhões de visualizações.
“Isso traz uma conexão do consumidor com a marca, porque o Teló, o irmão, o pai estão sempre em cima de uma máquina John Deere”.
Cada episódio, com duração mais longa, foi também multiplicado com muitos cortes, ampliando o alcance das histórias e, consequentemente, da marca.
A repercussão do sucesso da estratégia chamou a atenção da matriz da companhia, nos Estados Unidos. Dois anos atrás, uma comitiva da área de marketing global da John Deere veio ao Brasil para conhecer o modelo que havia catapultado a presença digital da marca por aqui.
Coincidentemente, no início de 2024 a montadora inovou e criou, em sua terra natal, uma campanha para selecionar um influencer para liderar sua comunicação nas redes sociais, com o cargo de “chief tractor officer”.
A escolha recaiu sobre o jovem influencer de 23 anos, Alex Curtisse, que na ocasião tinha cerca de 123 mil seguidores no Tik Tok. Sua missão era viajar pelo país e, do alto das máquinas da John Deere, contar as histórias dos produtores americanos no melhor estilo “brand entertainment”.
Aqui, Chianello faz uma observação relevante. Entretenimento deve ser visto como muito mais que diversão. Educação e informação podem e devem entrar nessa caixa.
E o universo dos influencers vai além de pessoas com muita visibilidade e inclui veículos e outros canais que, “com a autoridade da boa informação, garantem credibilidade a uma comunicação 360 graus”.
“Entendo o entretenimento como esse universo maior. O que a gente faz é uma comunicação que entretém, que educa, que orienta e que informa”, diz.
“Um papo sério sobre uma eficiência de um produto ou de uma solução no agro, que pode ser nada divertida, mas pode ser muito educativa, para a gente é brand entertainment”.