Foi em 2010 que dois cientistas da Nasa – agência espacial norte-americana – decidiram montar um próprio negócio. Missão definida na época: fazer o primeiro lançamento de nanosatélite para o espaço.

Atualmente, a Planet, empresa fundada por Will Marshall e Robbie Schingler, tem 200 desses equipamentos em órbita. "Do tamanho de uma caixa de sapato”, como costumam descrever os executivos.

Listada na Bolsa de Nova York, a Planet projeta alcançar um faturamento entre US$ 216 milhões e US$ 223 milhões no ano fiscal que encerra em 31 de janeiro de 2024, o que representaria um avanço de 15% em relação ao ano anterior.

E o que tudo isso tem a ver com o agronegócio? Mais do que se imagina. Desde o começo o setor foi um importante cliente para os negócios da empresa.

As imagens de satélite permitem mapear grandes áreas de lavoura para atividades que vão desde uma simples conferência do percentual de colheita até estudos detalhados sobre a umidade do solo e uso de tecnologias.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o diretor de vendas da Planet para a América Latina, Ricardo Guerra, disse que 30% da receita já vem do agronegócio, uma fatia que cresce com a velocidade de um foguete, mais rápido que a empresa como um todo.

Em um ano e meio, por exemplo, a previsão do executivo é triplicar a receita na região, em que o Brasil representa 50% dos negócios. Essa meta deve ser cumprida com contratos para olhar, do espaço, o que acontece no campo.

É o que a Planet já faz para clientes como as grandes multinacionais Bayer, Corteva e Syngenta ou a agtech brasileira Solinftec, que acabam integrando a tecnologia da empresa às suas plataformas de agricultura digital oferecidas aos produtores rurais do mundo inteiro.

Nos últimos anos, porém, a presença no agro tem acelerado porque a empresa não está atuando apenas como uma provedora de imagens. A Planet também montou uma plataforma própria que gera índices e faz análises a partir dos dados coletados pelos satélites. Isso vem garantindo um crescimento anual entre 15% e 20% na América Latina.

A partir daí – e também por meio de parcerias com empresas regionais –, surgiram contratos como o que foi feito em 2022 com a trading e produtora de grãos Amaggi. O grupo hoje monitora 165 mil hectares, diariamente, com as soluções da Planet.

"O nosso diferencial de mercado é que a Planet, por ter este grande número de nanosatélites em órbita, consegue gerar uma imagem de qualquer ponto da Terra e cada ponto é revisitado diariamente", explica Guerra.

O executivo admite que um dos principais “concorrentes" da empresa na América Latina são as soluções desenvolvidas a partir de imagens gratuitas de satélite.

"Mas os grandes produtores, principalmente, já estão percebendo a diferença e vendo o valor. Na gratuita, você vê a mesma imagem a cada 6 ou 7 dias. Já na Planet você consegue ver todo dia. Quer dizer, se for uma área com incidência de nuvens altas, ter o produto diário potencializa a chance de obter uma imagem livre de interferência para fazer a análise que você precisa", afirma.

No caso da Amaggi os dados da Planet ajudam a empresa a identificar e monitorar o crescimento de espécies invasoras nas lavouras, reduzir as verificações em campo e gerenciar recomendações de produtos, praticamente em tempo real, além de analisar a biomassa gerar alertas.

No comunicado feito na época do acordo, a Planet informou que a companhia brasileira analisaria a altura do algodão, cruzando os dados das imagens com os de outras cinco fontes de referência. A ideia foi, a partir disso, mensurar o retorno sobre o investimento.

Entre os clientes da Planet no Brasil também há outros grandes grupos agrícolas, que não revelam detalhes de seus projetos. Uma parceria recente foi fechada, por exemplo, com a Sensix, para o segmento de agricultura. A agtech recentemente recebeu investimentos da SLC Agrícola.

Novas tecnologias em órbita

A Planet tem uma segunda constelação de satélites, a SkySat, que também agrega qualidade às imagens que são geradas, segundo Guerra, "com altíssima resolução espacial, de até 50cm".

Já a parte mais analítica foi incorporada nas soluções da Planet principalmente a partir da aquisição, em janeiro deste ano, da empresa Salo Sciences, de San Francisco (EUA), com foco em tecnologia climática.

"Assim trouxemos o que se chama de `variáveis planetárias`, que é por exemplo, medir a temperatura do solo”, explica Guerra. “Já conseguimos extrair por imagens de satélite a umidade do solo até cinco centímetros abaixo da terra, assim como detectar estradas, rodovias e edificações", descreve o diretor da Planet.

Ricardo Guerra conta ao AgFeed que a empresa agora dará novos passos. Um deles é o lançamento, previsto para ocorrer até meados de dezembro, de "uma variável planetária de carbono", ferramenta para ajudar os clientes a medir as emissões.

"É algo bem desafiador. Já existia com imagens gratuitas, mas agora vai ser possível mensurar as emissões de carbono com as imagens da Planet, que tem alta resolução, além desta revisita muito maior", diz.

Ilustração mostra como será o satélite da série Tanager, que a Planet lança em 2024

Guerra explicou que esta constelação que faz a revisita diária tem bandas espectrais e que a combinação de cálculos matemáticos delas, usando Inteligência Artificial, consegue detectar alterações de emissões no ar.

"Por exemplo, uma cena mais borrada de vermelho pode ser a região com alta incidência de carbono. Isso é possível pelo espectral que não é mostrado para o cliente final. Ele vê uma imagem limpa, mas por trás daquilo a combinação é capaz de gerar as análises, indicado as áreas de maior concentração de emissão de carbono".

E aí vem a próxima novidade. Em 2024 a Planet vai lançar uma nova constelação de satélites, chamada “Tanager”, dentro do projeto “Carbon Mapper Coalition”, uma parceria público-privada. O foco é aperfeiçoar a mensuração das emissões globais de metano e CO2.

O satélite tradicional da Planet, segundo Guerra, tem 8 bandas espectrais. Já o lançamento vai sair com 420 bandas espectrais.

"Vamos fazer análises que nem temos conhecimento ainda que é possível fazer, mas o fato é que uma das áreas potenciais é o poder de mensurar a emissão de carbono com muito mais assertividade”, afirmou.

A expectativa é que a tecnologia também permita análises detalhadas da presença de produtos químicos no solo e na água, medindo a presença de poluentes, por exemplo.

"Agora estamos falando de bandas hiperespectrais contra bandas multiespectrais, que é o que se tem hoje”, afirma Guerra. “Este quantitativo de 420 hiperespectrais traz uma combinação de cores muito interessante quando se fala de análises de químicos, porque dependendo da química que tiver no solo, determinada banda vai responder de maneira diferente", ressalta.

O executivo acredita que para o segmento agrícola é bem interessante, não apenas para medir emissões, mas para quem vai adquirir novas áreas e quer ter informações detalhadas do ponto de vista ambiental, antes de fechar o negócio.

Uma quarta constelação da Planet também deve ser lançada no ano que vem. É a chamada "Pelican", ou pelicano, seguindo a tendência da empresa de batizar tecnologias com nomes de pássaros.

"Serão 30 satélites com 30 cm de resolução, o que vai dar um detalhamento absurdo, a ponto de contar quantidade de carros no estacionamento ou a quantidade de arvores em um espaço bem pequeno", antecipa.

Os satélites testes dos novos projetos serão colocados em órbita no próximo mês. Já o lançamento comercial ainda não tem data marcada, mas poderá ocorrer ao longo de 2024.

Acesso aos pequenos

O executivo da Planet acredita que há grandes oportunidades de crescimento nas vendas para pequenos e médios produtores rurais no Brasil e demais países da América Latina.

"Nosso trabalho é conscientizar os clientes sobre a qualidade diferenciada, que dá uma visão clara do campo. No gratuito a imagem é mais borrada, é muito mais difícil extrair resultados."

Perguntado sobre a viabilidade em termos de custos para pequenos produtores, Guerra disse que há planos disponíveis “por centavos de dólar por hectare ao ano”.

O serviço mais simples é o fornecimento das imagens para clientes que querem apenas monitorar na tela, por exemplo, quais áreas já foram plantadas ou colhidas, sem precisar ir a campo.

Já para quem busca estudos mais detalhados, de umidade do solo, por exemplo, para gerar comandos específicos aos equipamentos de irrigação, a empresa monta projetos customizados, geralmente com os parceiros.

Na plataforma própria de analytics da Planet são fornecidos sete índices, que contemplam temas como pragas e doenças e monitoramento de água e solo, por meio das siglas NDVI e NDWI, bastante utilizadas no setor.

Guerra disse que os principais clientes são produtores de soja, cana, algodão e café. "Mas temos importantes projetos com produtores pequenos em atividades como a produção de uva para vinho, castanha do Pará e até mirtilo", acrescentou.

Além da agricultura, a empresa também tem os governos como importantes clientes. Eles utilizam a tecnologia por satélite para medir desmatamento, fazer a segurança de áreas de fronteira, entre outras funções.