Na urbana publicidade brasileira, poucos expoentes pisaram tanto no barro quanto Luiz Lara. E talvez menos ainda sejam capazes de discorrer, com propriedade, sobre temas como CAR (o Cadastro Ambiental Rural) – “é uma conquista do brasileiro” – ou o Código Florestal – “uma jabuticaba que deu certo”.
A relação com o agronegócio está no sangue do publicitário, chairman do grupo TBWA Brasil – que reúne algumas das maiores e mais premiadas agências do País, como a Lew'Lara\TBWA – e sócio da TO BE GOOD, consultoria com atuação em advocacy e comunicação.
Bisneto, neto e filho de produtores – “primeiro café, depois tomates e depois leite” – ele mesmo mantém, de forma discreta, essa atividade paralela, como pecuarista na região de Itupeva, no interior de São Paulo.
Assim, não é de se admirar que o portfólio de contas da Lew'Lara\TBWA, agência que criou em 1992 ao lado de Jacques Lewkovicz, falecido no ano passado, e depois foi integrada ao grupo TBWA, tenha uma robusta presença de empresas e marcas do agronegócio ou fortemente ligadas a o setor.
Contas de JBS, com Friboi e suas segmentações, Camil, Açúcar União, M.Dias Branco, Tirolez, Banco do Brasil, Nissan, estão sob os cuidado das suas equipes. Já na TO BE GOOD, ele está à frente de um trabalho junto à Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil, a CNA, cujo objetivo é criar uma estratégia de comunicação que aproxime o campo da cidade, como aconteceu naturalmente para ele.
“O Brasil é um país agro”, afirma Lara em conversa com o AgFeed. O ambiente rural brasileiro é parte mais do que relevante de um DNA que o publicitário quer ajudar a preservar e que norteou, durante muitos anos, a chamada (também por ele) “era de ouro da propaganda”.
Lara viveu intensamente esse período e ombreou com os maiores nomes da publicidade brasileira – ele é homem de dar créditos e citou nominalmente, ao longo do papo, dezenas de colegas responsáveis por campanhas ou iniciativas memoráveis.
São eles (nomes) e elas (ideias) as estrelas do livro A Alma Brasileira do Negócio, lançado há poucas semanas. Na obra, Lara defende a valorização, mesmo em tempos de inteligência artificial, desse estilo singular da criatividade forjado no Brasil e que tornou o País em um dos três mais premiados nos principais festivais internacionais de publicidade, atrás apenas de Estados Unidos e Inglaterra.
“Nossa publicidade conseguiu isso porque é brasileira. Tem de ter a alma colorida, a diversidade, o humor, a emoção, o jeito de ser do brasileiro para ser a alma brasileira”, define.
A duradoura relação com o mundo agro está logo na “porteira” do livro. Lara abre o primeiro capítulo lembrando do dia 2 de fevereiro (“dia de Iemanjá”), quando participou, ao lado de Renato Costa, presidente da Friboi, da abertura da convenção anual da empresa.
“Fui lá fazer o quê?”, ele questiona no texto. E responde: “Contar como nós, da Lew'Lara\TBWA, junto com acionistas e executivos da JBS, a partir de 2013, fizemos carne de açougue virar marca.”
Mais que isso, na sua visão, quase sinônimo de categoria, seguindo o roteiro de ícones como Havaianas e Bombril, inspirações declaradas no trabalho para a Friboi.
“O caso da Friboi se deve à visão dos acionistas de querer transformar uma commodity que era a segunda linha mais vendida nos supermercados e no entanto, não tinha uma marca”, diz ele.
Se uma sandália de borracha e uma palha de aço haviam conseguido esse feito, porque não? “É a indústria que permite às marcas darem um salto”, continua Lara. “Para cada real investido em publicidade, de acordo com um estudo da Deloitte, voltam R$ 8,50 para a economia”.
Assim, Lara defende a publicidade, seu negócio, fazendo a defesa dos outros negócios. “É uma indústria que gera riquezas empregos e impostos a partir das grandes ideias”, define.
Com doze anos de duração (até agora), o case Friboi volta à baila várias vezes na conversa. Para ele, a longevidade permitiu que o trabalho com a marca passasse por várias fases, seja da construção da perceção de valor para a própria Friboi, seja na educação do consumidor em relação à qualidade da carne, ao seu valor nutricional, ao seu processamento, nos frigoríficos e nos açougues, e à própria origem do produto, nas fazendas de pecuária do País.
E, por fim, o processo de segmentação, com a criação de rótulos da Friboi específicos para diferentes mercados e consumidores.
Assim, percorre-se, logo nas primeiras páginas do livro de Lara, um ciclo completo de “descommoditização” de um produto agropecuário. A pergunta que fica, então, é: será esse modelo replicável para outras commodities e para o agro como um todo?
O publicitário-produtor (que prefere o rótulo de empreendedor) entende a complexidade de se tratar da relação do setor com a população urbana, sobretudo quando se fala do Agro com caixa alta, aquele que pretende reunir o todo da atividade agropecuária e agroindustrial.
“É muito complexo, porque a gente fala do Agro, mas o Agro são mais de 80 produtos”, afirma. “Falamos em supersafra com 330 milhões de toneladas, mas na verdade é R$ 1 trilhão que o agro precisa para ser financiado. O agro é fruta, o agro é hortaliça… O agro é, inclusive, o não comestível, é mamona, é sisal… O agro é laranja, é carne, é etanol, é açúcar, é soja…”
E, por ser muito diversificado, analisa, o setor se comunica pouco com a população urbana, ainda uma bolha a ser furada mesmo em um país, como lembra Lara, que tem uma cultura sertaneja que ocupa 75% da audiência nacional do Spotify.
Antes de falar do todo, Lara sugere trabalhar pelas partes, assim como o feito na carne. “O agro tem que fazer o agro da laranja, tem que fazer o agro da carne, tem que fazer o agro do café... É muito diversificado”.
“A JBS virou uma exceção, que virou uma casa de marcas globais”, pontua. “Agora a Marfrig também está virando uma exceção, porque comprou a BRF e está fazendo trabalho contínuo de comunicação para Sadia e Perdigão. Mas normalmente os grandes empresários do agro não comunicam”.
Construir marca, ressalta, requer tempo, continuidade e investimento. “No momento em que vivemos em um mundo multifragmentado, aumentou muito o consumo de mídia, mas muito também a fragmentação das mídias. Nada substitui o outro. Tudo soma. A soma de todas as interações e pontos de contato é que faz o futuro da marca”, ensina.
Lara olha para os tempos atuais, em que vivemos o que ele chama de “economia da atenção” com um misto de preocupação e entusiasmo.
Ao mesmo tempo em que vê uma ansiedade crescente – “nos sentimos atropelados pela disrupção da nossa indústria, trazida pela revolução digital e agora pelo uso, ainda inicial da inteligência artificial”, escreve no livro –, ele vê oportunidades nessa transformação, com o efeito “multplicador enorme” que uma campanha pode ter ao ganhar as ruas.
“Vejo a publicidade num momento precioso. Ela está se reinventando, virou um negócio de criatividade, tecnologia e dados”, define.
“Temos total condição de monitorar o pulso e a mente do consumidor e condição de trazer insights poderosos para a continuação da campanha”.
Em contrapartida, as ondas estão, segundo diz, cada vez mais rápidas e, por conta disso, “ficou mais difícil ser relevante”.
E mais difícil também escapar de outro mal dos dias de hoje: a pressão dos algoritmos e das métricas. “Nós, agências, estamos reféns das métricas e você é medido pela audiência quando, na verdade, deveria ser medido pela qualidade do seu engajamento”.
Aqui também há uma contrapartida, positiva. A tecnologia hoje, segundo ele, permite ser mais cirúrgico nas escolhas de mídia, escapando da massificação – algo que não se conseguia com tanta facilidade na era de ouro da TV e do rádio.
“A cauda longa da comunicação permite cada vez mais preferir os que se preferem. Cada vez mais a gente vai ter eficácia na estratégia de comunicação”.
Dessa forma, na sua visão, abre-se espaço para conversas mais diretas com determinados públicos, através de veículos nichados, com foco em segmentos específicos, sobretudo no mercado B2B.
Generoso, Lara concede até mesmo uma rápida consultoria ao empreendedor da mídia que o entrevista.
“O AgFeed, por exemplo, eu vejo como uma comunidade ligada ao agro, de todos os stakeholders que estão compartilhando valores do agro”, afirma.
E prossegue: “Sendo uma comunidade, você cumpre um papel de curadoria fundamental, produzindo e distribuindo conteúdo, mas interagindo com seu público, e não se colocando acima dele, como parte da mídia se coloca”.
Para ele, “o fato de se colocar junto com faz toda a diferença. A qualidade do conteúdo gera um bom engajamento”.
Como nem sempre a métrica da audiência captura a qualidade dessa interação, romper a bolha da métrica é um desafio, ele reconhece. E aconselha:
“Vocês têm que resistir e continuar com o movimento. E, segundo, vocês têm que agredir. Agredir significa o quê? Assumir esse papel de representação, de advocacy do agro perante a sociedade. Aproveitar essa necessidade de vocalização que o agro tem pra falar com a sociedade”.
Para Lara, veículos e agências encaram riscos e possibilidades semelhantes. À medida que a inteligência artificial se empodera, publicitários, assim como jornalistas, precisam se manter curiosos e atentos, como os grandes nomes da era de ouro da publicidade fizeram anos atrás.
“É preciso ir atrás da verdade, do consumidor e das marcas. Captar culturas, antever tendências”, diz. Coisa que a IA, instalada dentro dos computadores, não conseguirá fazer com mesma sensibilidade do olhar humano.
“A curiosidade é inerente ao ser humano”, afirma. “Mas ao mesmo tempo, o publicitáro tem de ser humilde, saber que ninguém acorda para ver publicidade”.
Mas acorda para ler, ouvir ou assistir a uma boa história e, na essência, é isso que a boa publicidade e o bom jornalismo trazem na sua essência.
No livro e na conversa, Lara recorre a uma frase de Tor Myhren, vice-presidente de marketing e comunicação da Apple, para ilustrar sua tese: “Uma lágrima para um algoritmo é apenas água, sal e carbono. Para um olho humano, pode ser de partir o coração”.
Lara complementa. “Para nós, seres humanos, é emoção, é memória afetiva, é descoberta, é o inimaginável”.
A IA, ele aponta, vai cada vez mais ajudar na agilização dos processos, na economicidade, mais rápido e mais econômica.
“Será muito importante contar com a IA para o como, mas o quem é insubstituível. O talento humano na curadoria, na esolha da melhor ideia, na visão de negócio, no entendimento da necessidade do cliente e na criação de uma grande ideia continuará a ser fundamental”.
É um pouco dessa alma que Lara agora quer oferecer, cada vez mais, ao maior negócio do Brasil. “Esse é um desafio a que quero me dedicar, até como um legado. Tenho muito a aprender e gosto muito do Agro”.
Resumo
- Luiz Lara, chairman da TBWA e criador da Lew’Lara, conecta a publicidade à origem agropecuária e à valorização do campo
- Em seu livro A Alma Brasileira do Negócio, defende a criatividade com identidade nacional, mesmo na era da inteligência artificial
- Para ele, o agro precisa comunicar-se melhor com a sociedade e transformar produtos em marcas fortes, como sua agência fez com a Friboi.