Em junho passado, a Openeem Bioscience, empresa com sede em São Paulo e uma floresta de 500 hectares no Pará, deu entrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) com um pedido pouco usual: o registro do termo “botanicida”.
O neologismo foi criado pelos seus próprios fundadores, que acreditavam ser necessário uma expressão inédita para rotular a categoria de produtos que desenvolvem.
"Quando a gente chegava numa revenda, notávamos que as pessoas ficavam muito confusas e perguntavam: é um biológico?", recorda Gabriela Lindemann, CEO da empresa.
"Temos o registro igualzinho ao de químico, com bula e receituário, com o mesmo tipo de processo, igual ao de uma Bayer e de uma Syngenta. E o meu produto, de fato, substitui um químico, mas é químico de base botânica, um químico verde, não é um biológico", prossegue.
“Ele é um ‘cida’ de base botânica, não é um potencializador de outros produtos como os biológicos. Toda química vem da botânica, tudo que é botânico é químico.”
Assim, com defensivos de matriz botânica, que ficam no meio do caminho entre o biológico e o sintético, a companhia paulista busca um espaço novo no disputado mercado de insumos agrícolas.
A base dos produtos da empresa é o nim (ou neem), uma árvore milenar indiana que tem propriedades medicinais e capacidade de ser uma espécie de inseticida “natural”.
A Openeem criou uma tecnologia própria para extrair as moléculas de triterpenos, presentes no nim, que possibilitam o controle de pragas.
Os “botanicidas” começaram a ser comercializados na safra 2023/2024, depois de duas décadas desde o primeiro plantio de árvores e R$ 50 milhões investidos. No ano passado, a Openeem faturou R$ 34 milhões e almeja chegar a um faturamento de R$ 400 milhões até 2030.
A “confusão” positiva entre químico e biológico, ao invés de ser um problema, pode ser um trunfo para levá-la até lá.
Segundo Fernando Manzeppi, sócio e vice-presidente comercial e de marketing da Openeem, o fato de os produtos da empresa continuarem sendo químicos, mas terem uma base mais sustentável, acaba sendo uma importante estratégia de convencimento ao produtor.
“Quando a gente chega para o produtor com uma solução nova para quebrar o ciclo de uso das mesmas moléculas químicas e fala que o produto não é biológico, mas é químico sustentável, ele recebe muito bem”, afirma ele.
A empresa possui cinco produtos em seu portfólio, com foco nas culturas de soja e milho: um inseticida, um nematicida, um fungícida, um adjuvante e um fertilizante. Nesta safra, devem complementar o catálogo um condicionador de solo, um herbicida e um insumo específico para tratamento de sementes.
O carro-chefe da companhia é o Valente, inseticida aplicado via pulverização foliar. Na soja, o botanicida da Openeem combate a mosca-branca e, no milho, a cigarrinha-do-milho.
Nas últimas três safras de soja, a Openeem afirma ter obtido um controle de pragas 25% mais efetivo em relação ao tratamento convencional, além de ter possibilitado um ganho de produtividade de 4,2 sacas da oleaginosa por hectares.
No milho, houve, segundo ele, um controle de pragas 30% mais alto que o normal, com uma redução de 88% de percevejos, cigarrinhas, lagartas e pulgões, com a produção de 6,4 sacas a mais por hectare.
Manzeppi trouxe a empresa a visão de quem já atuou no mercado de distribuição de insumos, em empresas como Sumitomo Chemical, Nufarm e AgroGalaxy, da qual foi vice-presidente executivo até agosto do ano passado, antes de integrar-se à Openeem.
"Quando eu estava na Agrogalaxy, o meu time vendia o Valente e o nível de recompra era de 85%. A gente entendia que era uma ferramenta que, quando o produtor usasse, entendesse e visse o benefício, ele iria recomprar", afirma Manzeppi.
Os produtos da empresa deixaram de ser comercializados pela rede de revendas do Aqua Capital há pouco mais de um ano. Com isso, a Openeem não foi atingida pelo recente pedido de recuperação judicial do AgroGalaxy.
Hoje, seu portfólio está presente em redes regionais, como Núcleo Agrícola, Valoriza, Agro Infinity e Ciarama Máquinas Dourados.
Na safra 2023/2024, a utilização do Valente cobriu 500 mil hectares. A Openeem espera agora a concessão de novos registros para expandir aplicações de seu mix de produtos a culturas como cana-de-açúcar, café, citros e algodão.
No momento, a empresa está priorizando ter presença nos mercados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Ao todo, já são mais de 100 pontos de venda.
“Quando a gente olha para esses seis estados, eles se comportam de forma diferente na estratégia de acesso. No Paraná, por exemplo, grande parte do acesso ao produtor é feito via revenda ou cooperativa. Já no Cerrado, o acesso ao produtor é por uma revenda ou de forma direta, que não é tão relevante no Paraná e em São Paulo”, diz Manzeppi.
O milenar nim
A base de tudo que a empresa faz vem do nim, uma árvore indiana ainda pouco conhecida no Brasil, mas que é adequada a climas tropicias e subtropicias como o brasileiro.
Na Índia, produtos derivados do nim são utilizados para o combate de insetos, pragas e nematóides há mais de 2 mil anos. O extrato também é utilizado para a prevenção da malária, além de vários outros usos.
As substâncias extraídas do nim podem afetar mais de 400 espécies e, em seu território original, é bastante utilizado para combater pragas na cultura do arroz, um dos principais cultivos indianos.
Já a história da Openeem começa ainda nos anos 1980, quando o trader de soja Sergio Lindemann – pai da CEO, Gabriela Lindemann – estava enfronhado no desenvolvimento do cultivo de frutas tropicais no Vale do Rio Francisco.
"Ele mexia com a exportação de frutas e, como para a exportação delas não pode ter nenhum tipo de resíduo, estudava alternativas de manejos naturais para a proteção de cultivos", afirma Fernando Manzeppi.
Lindemann, então, começou a pesquisar pelo mundo possíveis alternativas e resolveu investir no nim. Em 2006, plantou árvores numa área de 50 hectares em São João de Pirabas, no Pará, a 192 quilômetros da capital, Belém.
“Ele visitou o Brasil todo e achou que aquela região do Pará era a que assimilava mais com as condições (climáticas) da Índia”, diz a filha Gabriela Lindemann.
As primeiras colheitas de matéria-prima vieram anos depois, em 2012. Na época, Lindemann tinha uma marca chamada Preserva Mundi, que fabricava artesanalmente repelentes para animais, um extrato para uso agrícola e um produto para jardim.
Há quase dez anos, em 2015, Gabriela Lindemann e outros dois sócios entraram na empresa para dar escalabilidade à produção.
A companhia passou, então, a se chamar Openeem e, nos anos seguintes, passou a fazer trabalhos de campo em parceria com pesquisadores para entender as potencialidades e formulações de seus produtos.
De lá para cá, os botanicidas da Openeem passaram, antes de seu lançamento, por ensaios conduzidos por cerca de 40 consultorias e institutos de pesquisas.
Hoje, a floresta da empresa não é mais a mesma, mas continua na mesma região de São João de Pirabas, numa área de 500 hectares.
Financiar o negócio é a principal dificuldade do negócio no momento, segundo Gabriela Lindemann. Até aqui, a Openeem tem operado apenas com recursos próprios.
“Eu vendi meu apartamento para continuar financiando e botar tudo na empresa”, conta.
“No Brasil, as pessoas dizem que tem dinheiro para bioinsumos, só que eu nunca acessei. Nem dinheiro para fazer plantio de mata nativa, nem dinheiro para plantar floresta”, afirma.
“O povo diz que tem que plantar 6 milhões de árvores para a gente não aumentar a tenperatura da Terra em mais 2ºC até 2040, só que o dinheiro da política de bioinsumos, BNDES, Desenvolve SP, FINEP, todo esse dinheiro que ficam mentindo que tem para a política de insumos, eu nunca vi – e não é porque a gente não foi atrás”, emenda.
De acordo com Fernando Manzeppi, a Openeem estuda a entrada de investidores em seu corpo societário. “A gente está avaliando alguns investidores estratégicos para poder realmente acelerar esses processos de pesquisa e desenvolvimento e da área comercial”, afirma.