Na fazenda Santa Rosa, região de Campo Verde, a 140 quilômetros de Cuiabá (MT), em meio a pouco mais de 2 mil hectares de algodão, uma placa solitária com um grande A maiúsculo chama a atenção.

Fincada ali em meados de 2023 por Pedro Sávio, Henrique Resende e o produtor de algodão e presidente do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), Alexandre Schenkel, o símbolo marca o início da Almagrino - empresa que produz camisas e camisetas.

Mas não se trata de qualquer camiseta. A marca tem produção feita com algodão 100% rastreável por meio do programa SouABR, da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).

“O cliente ao adquirir o produto, tem acesso a todo o histórico daquela peça, desde a produção no campo, passando por todas as etapas do processo produtivo até chegar ao varejo”, explica Sávio.

Atualmente a produção de algodão está em uma área de 160 hectares na fazenda de Schenkel, onde eles cultivam duas variedades de algodão - que não são reveladas. A área foi carinhosamente batizada de “plantação de camisetas”.

Para o próximo ano, a meta é dobrar a área plantada e chegar a 320 hectares.

Sávio explica que esse é um dos segredos da qualidade dos produtos da marca, já que tais variedades produzem fibras mais longas, que resultam em produtos mais duráveis, com melhor caimento e maior valor agregado.

A marca conta com uma loja física em Cuiabá e faturou R$ 2 milhões no ano passado. A estimativa é que a Almagrino encerre o ano de 2025 faturando R$ 6 milhões, montante que, no ambicioso plano de negócios dos sócios, deve chegar a R$ 250 milhões até 2030 com a produção de 1,2 milhão de camisetas.

Sávio conta que a ideia inicial era trabalhar apenas com o varejo, mas o DNA sustentável da marca acabou por chamar a atenção de grandes empresas do agro, que passaram a ser clientes da marca.

Assim, o mercado B2B hoje representa 80% dos negócios da companhia que tem clientes como Basf, Syngenta e grandes grupos do setor como Scheffer e Amaggi.

“Para os próximos anos, queremos que o B2C cresça também, até alcançarmos um equilíbrio entre as frentes”, explica.

Para tanto, a estratégia no varejo passa por ampliar o portfólio de produtos e expandir as vendas no online e nos estabelecimentos físicos, especialmente nos mercados do Sudeste. Sávio conta que o trio não descarta investir futuramente em novas lojas próprias.

“Nosso produto tem um posicionamento para o público A e B, que está disposto a pagar mais por um produto rastreável, com origem”

Além do mercado brasileiro, a Almagrino deve chegar ao mercado internacional nos próximos anos. “Nossa meta é iniciar as vendas externas em 2027, já temos conversas com potenciais parceiros em alguns países, principalmente na Europa”.

Com o aumento na demanda pelos produtos, os sócios perceberam que era o momento de investir na parte fabril. Assim, a Amagrino inaugurou a primeira fábrica de camisetas e camisas polo 100% de algodão, localizada em Cuiabá (MT), que produz em média 5 mil peças por mês, mas com capacidade de chegar a 10 mil.

“Em breve iremos produzir camisas também”. Para 2025, a meta da empresa é produzir 50 mil unidades na fábrica própria e junto a terceiros.

Além de atuar no varejo com a Almagrino, o foco dos empresários está em promover a integração e rastreabilidade da cadeia produtiva. Juntos, criaram o Projeto 50, com o objetivo de integrar toda a cadeia produtiva do algodão até 2050.

“Hoje já temos o varejo, a confecção, a produção agrícola e o beneficiamento. Mas queremos investir também na parte de fiação e tecelagem”. Atualmente a marca trabalha com parceiros nessas frentes.

Além de atender ao crescimento da demanda, a nova unidade fabril também representa um passo adiante no Projeto 50, já que parte importante da estratégia para crescer está baseada na verticalização do negócio.

Como parte do projeto de produção sustentável, Sávio conta que a empresa já fez também o inventário das emissões de carbono há dois anos. Em maio, a companhia concluiu também o levantamento da pegada de carbono em todos os ciclos produtivos, desde o campo até o produto final.

Com esses dados em mãos, o próximo passo é iniciar a compra dos créditos de carbono para a compensação, algo que deve começar a ser feito até a COP 30. “Seremos o primeiro produto do mercado de vestuário 100% rastreável e carbono neutro”, comemora.

Colheita de algodão na lavoura exclusiva da marca

O caminho que mudou tudo

Em 2021 o engenheiro químico Pedro Sávio e a esposa decidiram percorrer de bicicleta o caminho da fé, que começa na cidade de Águas da Prata e termina em Aparecida, no interior paulista.

Entre quilômetros de estradas, preces e conversas sobre o futuro, ele não imaginava que sairia daquele percurso com um projeto que mudaria sua vida.

O nome Almagrino significa “aquele que conduz o caminho com a alma”, é uma homenagem ao encontro dos sócios-fundadores.

Sávio conta que o que uniu os quatro desconhecidos no meio do trajeto inspirado no caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, foi a vontade de criar um negócio que agregasse valor e tivesse um impacto positivo.

Daquelas felizes coincidências - ou providências - da vida, os novos amigos, assim como ele, também residiam em Cuiabá (MT).

Cada um tinha uma profissão diferente - Sávio é engenheiro químico e Resende trabalha no mercado automobilístico. Os outros dois amigos não fazem mais parte do negócio.

“Nós não sabíamos o que iríamos fazer, só sabíamos que queríamos criar algo que tivesse um impacto positivo no mercado e valorizasse o estado”, relembra.

O Mato Grosso é o principal produtor de algodão do Brasil e responde por cerca de 70% da pluma produzida no país. Para a safra 24/25, das 3,95 milhões de toneladas que devem ser colhidas, 2,67 milhões de toneladas sairão das lavouras mato-grossenses.

A ideia inicial era investir na comercialização de roupas masculinas, já que um dos amigos tinha experiência nesse mercado, mas depois de muita pesquisa, os sócios perceberam que existia um projeto muito maior: promover a integração da cadeia produtiva do algodão no estado até 2050. Nascia aí o Projeto 50.

“Nenhum de nós conhecia nada sobre o setor, só existia a vontade de fazer dar certo” , relembra Pedro.

Outro encontro providencial

Até que em uma das conversas dos sócios, Henrique disse que tinha um amigo “um cara que entendia do setor e talvez pudesse ajudá-los”. Mais uma vez, um encontro providencial ajustaria os caminhos dos empreendedores.

“O cara” era ninguém menos que Alexandre Schenkel, um dos principais produtores de algodão do estado, ex-presidente da AAbrapa e atual presidente do IBA.

Sávio conta que no primeiro encontro com Schenkel, em dezembro de 2021, não fazia ideia da expertise do empresário e quis apresentar para ele o projeto Sou de Algodão. “Expliquei e o Schenkel me disse 'não é nada disso'”, relembra ele aos risos.

A iniciativa encabeçada pela Abrapa, reúne os principais elos da cadeia produtiva, incluindo as marcas, designers e estilistas, e tem o objetivo de promover a produção sustentável e o consumo consciente.

Pouco depois desse encontro, Schenkel os levou para uma verdadeira imersão pelo setor, com direito a visitar indústrias, fazendas e todos os demais elos da cadeia. Mais do que auxiliá-los a entender o setor, Schenkel se juntou a eles no negócio e, agora, no ambicioso projeto de R$ 250 milhões.

Resumo

  • A Almagrino produz camisetas 100% rastreáveis, com algodão cultivado em área própria, e visa ser a primeira marca brasileira de vestuário carbono neutro
  • Com apenas R$ 2 milhões de faturamento em 2023, a empresa espera atingir R$ 250 milhões até 2030
  • Grife tem produção verticalizada, da lavoura ao shopping, cresce impulsionada por vendas B2B e busca expansão no varejo nacional e internacional