De olho em estar mais próxima do maior mercado consumidor do país ao mesmo tempo que mantém a base de sua produção na Amazônia, a paraense De Mendes Chocolates está passando por um rebranding, que inclui uma nova marca – passando a se chamar Mágio Chocolates – e o lançamento de uma nova fábrica e loja em São Paulo.
Para botar de pé a nova estrutura, a CBKK, venture builder que tem como investidor Stefano Arnhold, ex-dono da TecToy, investiu mais R$ 8 milhões na marca, que está no portfólio de investidas da CBKK desde 2020 e já havia recebido outros R$ 8 milhões em duas rodadas anteriores.
Dos R$ 8 milhões atuais, uma parte foi destinada à planta na capital paulista e o valor restante servirá para desenvolvimento de produtos, novas lojas e aumento da equipe, com a contratação de 20 novos profissionais.
Desde que foi criada, há pouco mais de uma década, a De Mendes vinha produzindo seus chocolates em uma fábrica localizada em Santa Bárbara do Pará (PA).
A unidade paraense continuará em funcionamento, como uma espécie de “centro de qualidade” das amêndoas e dos nibs, que são as sementes do cacau torradas e quebradas. A finalização dos produtos agora será feita em São Paulo em uma estrutura na Vila Nova Conceição, região nobre da zona sul da capital paulista.
A ideia de trazer a produção para a capital paulista veio da necessidade de ficar mais perto do principal público consumidor de chocolates finos.
“Até então, a De Mendes trabalhava muito com e-commerce e a questão de qualidade não era privilegiada. Ao enviar de Belém para todo o Brasil, muitos dos transportadores acabavam deixando o produto ao sol, não condicionando da forma adequada e a gente viu que não era o ideal para a qualidade”, afirma Marcelo Tucci, CEO da CBKK e que hoje comanda a Mágio.
“Trazer a parte final do processo para cá garante muito mais controle. A mudança foi pela qualidade acima de tudo.”
Além do novo nome e da instalação de uma fábrica no Sudeste, a estratégia comercial da empresa também mudou. “Resolvemos dar uma pivotada na marca em si, que sempre foi bean-to-bar. Mas dada a nossa ambição de ser grande e de fato impactar muitas comunidades, queremos gerar valor para eles e para muito mais gente, vimos que a gente precisava democratizar um pouco mais o produto. A ideia é deixar de ser uma coisa de nicho e ir para um consumo para chegar em maior número de brasileiros possíveis.”, afirma Tucci.
Até então, a De Mendes tinha 12 barras de chocolate intenso e ao leite ou de cupulate (que é feito com cupuaçu), todos produzidos com cacau amazônico, além de uma linha de biscoitos.
Dentro da estratégia de diversificar o catálogo, esses produtos continuarão no portfólio, mas acrescidos de outros itens.
O carro-chefe dos novos chocolates é a língua de onça, uma versão da Mágio para a tradicional língua de gato, comercializada por marcas como Kopenhagen e Cacau Show. “Ao invés de língua de gato, é a gloriosa língua de onça”, brinca Tucci.
Também foram lançadas barras com recheios e uma linha de bombons de sabores como cupuaçu, maracujá e pistache. Um desses bombons é o formigueiro, num formato semelhante à Nhá Benta, outro clássico da Kopenhagen, e cujo nome remete às formigas presentes na floresta.
As barras de chocolate feitas com cacau amazônico de origem, que eram o principal produto da antiga De Mendes, continuarão à venda. “Nosso lastro é o cacau amazônico”, sintetiza Tucci.
O foco da empresa continua sendo o consumidor final, trabalhando com o mercado B2C na loja e no e-commerce. Mas a Mágio também prevê oferecer o produtos a clientes corporativos. “Como a gente vai criar muitas embalagens e muitos produtos que são presenteáveis, a gente está indo para o mercado corporativo”, explica Tucci.
No passado, os produtos da De Mendes chegaram a ser comercializados em lojas do Grupo Pão de Açúcar e do Carrefour, mas a empresa entendeu que o modelo de comercialização de grandes varejistas não era sustentável para sua produção.
A ideia é, em algum momento, instalar lojas em outros formatos, inicialmente com pontos concentrados em São Paulo pela proximidade logística.
Uma das alternativas pensadas é a de espaços em shoppings centers, a exemplo do que outra fabricante também do segmento de chocolates finos, a Dengo, hoje presente em diversos shoppings do eixo Rio-São Paulo.
“Shoppings tem muito tráfego de pessoas e a gente tem falado nisso como uma opção, mas estamos discutindo até modelos um pouco mais alternativos”, diz Tucci, sem detalhar quais seriam.
Os chocolates da marca chegaram a ser exportados para países como Estados Unidos e Japão no passado, mas no momento a ideia é concentrar as vendas no Brasil.
O que será enviado para o exterior são amêndoas de cacau fino. “A gente já exportou mais de 10 toneladas no ano passado e queremos chegar em 25 toneladas neste ano. A parte boa da exportação é que, já no curto prazo, a gente consegue impactar muito mais gente, muito mais comunidades”, afirma. “Em algum momento a gente vai levar também o chocolate para o exterior, mas não agora.”
Cacau da Amazônia
As amêndoas de cacau e cupuaçu utilizadas na produção da Mágio vêm da Amazônia brasileira e são colhidas por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, associações de mulheres e agricultores familiares. Hoje são mais de 70 comunidades que fornecem a matéria-prima para a fabricação do chocolate.
A maior parte da produção de amêndoas vem do Pará, que foi o o maior produtor de cacau do Brasil em 2024, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, quando produziu 154 mil toneladas de amêndoas.
O cacau utilizado pela Mágio também vem de outros estados como Acre, Rondônia e Roraima – no caso desse último, é colhido na terra indígena Yanomami, ao longo das margens dos rios Uraricoera e Toototobi.
A Mágio faz o pagamento de prêmios aos produtores pelo cacau que é colhido nas comunidades. “O cacau fino, de largada, já faz o produtor ganhar uns 30% a mais do que se ele vendesse o cacau bulk, que é o cacau que as grandes empresas compram, sem tanta fermentação, de processos mais simples”, afirma Tucci.
Além disso, a empersa paga um valor adicional pela rastreabilidade da produção após um treinamento básico, que envolve a captura de fotos e marcação territorial, com todas as informações armazenadas em blockchain. Dessa forma, é possível ter registros de todo o processo de colheita, quebra, fermentação, secagem e armazenamento. “Se ele faz direitinho a rastreadibilidade, a gente paga um valor a mais ainda, para ele ter garantido o traceability do processo.”
A média de prêmio chega a 35%, ainda que esse percentual esteja variando no momento pelas oscilações da cotação do cacau – que só no ano passado subiu cerca de 200%. Mas, em algumas situações específicas, o ganho já chegou 90%, “Foram casos específicos, que eram produtores em que o preço que ele estava fazendo era para intermediário. Quando a gente chegou e assumiu o lugar do intermediário, passamos a pagar o valor direto para produtor”
Quem coordena e lidera o processo de captação do cacau é César De Mendes, sócio e criador da empresa.
Químico de formação, com dois mestrados e várias pós-graduações, De Mendes começou sua jornada no mundo do cacau e do chocolate há 20 anos, em 2005, ao prestar uma consultoria para a prefeitura de Medicilândia (PA), cidade que é a maior produtora de cacau do estado, com uma produção média de 50 mil toneladas por safra.
“A prefeitura queria que eu desenvolvesse um planejamento para o desenvolvimento econômico do município. E, obviamente, com cacau para todo lado, a ideia foi de fazer uma fábrica de chocolate”, recorda.
O trabalho junto à prefeitura terminou, mas a ideia continuou na cabeça do empreendedor. Foi, então, que De Mendes resolveu criar uma fábrica de chocolates chamada Amazônia Cacau, em parceria com a Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica.
De Mendes montou uma loja em Belém e começou a vender seus produtos, mas ficava constrangido quando percebeu que vários clientes não sabiam que o cacau era originário da Amazônia brasileira. “Tinha contato com clientes não só de Belém e eu fiquei muito constrangido em algum momento, porque as pessoas diziam que o cacau era originário da Bahia, e eu, paraense, amazônido, amazônico, ficava sem saber o que dizer.”
Ele percebeu, então, que o diferencial de sua marca seria justamente a ênfase em trabalhar com o cacau nativo do bioma. De Mendes vendeu a Amazônia Cacau em 2013 e criou uma nova empresa no ano seguinte, agora com seu nome, sempre com a pegada de enfatizar a procedência do produto. “O diferencial do produto sempre foi muita informação. Acho que foi um DNA meu que foi impresso na empresa”, afirma.
Ainda hoje, os produtos carregam um QR code em que é possível acessar mais informações sobre a produção, com dados de coordenadas geográficas onde está localizada a comunidade produtora do cacau utilizado.
A proximidade com as comunidades sempre foi um dos alicerces da antiga De Mendes e continua sendo uma base da nova marca. O próprio criador prefere mais a vida no campo do que o escritório e agora está de vez nessa parte da operação.
“Sempre declarei publicamente que não gosto de estar lidando com a gestão da empresa, com a parte burocrática, ficar dentro do escritório, dirigindo uma empresa atrás de uma mesa, com o telefone e o computador na frente. Sempre gostei mesmo é de estar no campo, na floresta, com as comunidades”, afirma.
O chocolatier explica também que o processo de obtenção do cacau nativo exige a troca de experiência com as comunidades envolvidas. “O cacau nativo só está em áreas isoladas, não ocorre em áreas muito populosas de humanos. A gente não tinha como trabalhar com cacau sem se associar à comunidade tradicional que estava geralmente próximo à ocorrência desse cacau nativo”, diz
“Quando você começa a lidar com essas populações tradicionais, você permite ser influenciado e acaba influenciando as pessoas, entendendo um pouco mais a dinâmica e absorvendo muito conhecimento da parte dessas comunidade. A gente começa a perceber também o zelo e o respeito que a gente tem com a floresta, com os animais, o equilíbrio com que eles tendem e procuram viver.”
Resumo
- A De Mendes Chocolates, indústria do Pará, passou a se chamar Mágio Chocolates e recebeu um novo aporte de R$ 8 milhões da CBKK
- A nova estratégia inclui rebranding, diversificação de produtos e uma proposta de maior escala, com chocolates feitos com cacau amazônico colhido por mais de 70 comunidades tradicionais
- Fundada pelo paraense César De Mendes, empresa mantém seu DNA amazônico e paga prêmio médio de 35% pela rastreabilidade da matéria prima