A trajetória da ARM Gestão, consultoria-boutique com sede no Rio de Janeiro e filial em São Paulo, especializada em reestruturação de empresas, vem sendo marcada por coincidências.
A primeira delas veio logo quando a empresa surgiu, em 2016, com a união dos executivos Amin Murad e Rogério Furtado, ambos com passagens em cargos de liderança por diversas empresas de setores variados como petroquímica, embalagens, aço, transportes, navegação, logística, farmácia, entre outros.
Naquele momento cenário para muitas empresas – sem falar no mundo político – era de praticamente terra arrasada, após a crise econômica que teve como clímax o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Dessa forma, especializadas em trabalhar em situações de crise, a equipe da ARM arregaçou as mangas e conseguiu fechar vários negócios em pouco tempo. "Fizemos uma série de recuperações judiciais e ações judiciais", relembra Amin Murad, sócio-fundador da consultoria, em entrevista ao AgFeed.
“Desde então, a gente vem fazendo o que nós chamamos de consultoria empresarial para resolver problemas complexos de empresas, mas sempre apoiando a junta ou a diretoria dessas empresas”, complementa o executivo.
De lá para cá, com uma atuação mais focada no mercado fluminense, a consultoria atuou em reestruturação e recuperação judicial de empresas de ônibus do Rio como Viação Penha Rio, Paranapuan e Campo Grande, companhias do segmento marítimo como Camorim e Astromarítima, e empresas do setor energético como Bolt Energia e Eólicas do Sul, entre outros segmentos – até mesmo o Flamengo, clube de futebol mais popular do país, entrou na carteira de clientes, com um trabalho de gestão temporária de contabilidade feito pela ARM em 2021.
Mais recentemente, a partir de 2023, os cariocas resolveram calçar botinas e entrar com força no agronegócio, a partir da chegada de um novo sócio à consultoria: Rafael Pesce – ex-diretor executivo da CaixaPar, empresa de participações do banco público federal e ex-diretor também dos antigos bancos Brasil Plural e CR2, – que passou a liderar a área de agro dentro da empresa.
Logo no começo da atuação da ARM junto às empresas do agro, uma nova coincidência acabou beneficiando, de certa forma, a atuação da consultoria: a partir da safra 2023/2024, depois de verem a soja chegar à faixa de R$ 200, muitos produtores rurais, especialmente os do Centro-Oeste, começaram a enfrentar problemas de produtividade no campo e, na sequência, dificuldades financeiras.
Toda a cadeia do agro acabou sendo atingida, com recuperações judiciais em alta, e com isso, a ARM conseguiu “terreno fértil” para trabalhar. No momento, um terço dos clientes da consultoria corresponde às empresas do agro e, nova coincidência, todas hoje estão em RJ.
Por questões de confidencialidade, Rafael Pesce não revela os nomes dessas empresas, mas, em conversa com a reportagem do AgFeed, explica que são empresas familiares, com dívidas grandes e com áreas superiores a 5 mil hectares produtivos, localizados no Centro-Oeste principalmente e também na região Sudeste e Norte de Minas Gerais. "São clientes com dívidas de R$ 100 milhões a R$ 1 bilhão", diz o executivo.
Como o agro ainda demonstra dificuldades em sua retomada, a tendência é de que o número de clientes do setor até aumente no ano que vem, estima Pesce.
"Estamos projetando que o ano de 2026 será também complicado para o agro. Não estamos vendo uma redução tão forte da taxa de juros para o ano que vem e o custo de produção continua alto", avalia o executivo.
Pesce aproveita também para lembrar um pouco das raízes dos problemas no campo. “O produtor rural vinha de um ciclo muito positivo e investiu pesado, comprou terras, maquinário, sistemas de irrigação, muitas vezes com financiamento atrelado ao CDI. Em dois anos, o CDI saiu de 2% para 15%. O que era uma dívida de 8% ao ano virou uma de quase 20%”, explica.
Com o custo financeiro disparando e a receita em queda, o resultado foi uma onda de endividamento.
“Hoje, vemos produtores com dívidas que variam de R$ 100 milhões a R$ 1 bilhão, com ativos dados em garantia e grande parte dessas obrigações fora da recuperação judicial, pois estão vinculadas à alienação fiduciária”, complementa Pesce.
Apesar do aumento dos pedidos de recuperação judicial, o executivo destaca que a ARM nem sempre recomenda esse caminho. “A RJ é uma das ferramentas possíveis, mas é uma ferramenta dura. Cada caso precisa ser bem dimensionado para que a empresa encontre a condição ideal”, explica.
Em alguns casos, acrescenta Pesce, uma renegociação direta com credores já é suficiente. “Às vezes, basta uma simples renegociação com os credores. Quando a dívida está concentrada em um único credor, o mais indicado pode ser uma recuperação extrajudicial, que é mais barata e rápida. Já quando há múltiplos credores e problemas operacionais relevantes, você vai para a RJ.”
Os sócios da ARM Gestão ressaltam, no entanto, que o foco da consultoria vai além das empresas em crise. “Atendemos também companhias saudáveis, que funcionam bem, mas que enfrentam desafios de governança, sucessão ou estrutura societária”, explica Amin Murad, um dos fundadores.
Por isso, Amin considera que, mais do que conduzir processos de recuperação, a ARM Gestão se consolidou como uma consultoria especializada em identificar gargalos e propor planos de ação e recomendação sob medida.
“Nós resolvemos problemas de gestão – de finanças, recursos humanos ou administração geral. Em alguns casos, assumimos temporariamente a operação até que um novo gestor seja alocado. Também elaboramos planos de negócio e diagnósticos, e talvez nossa principal força seja a capacidade de fazer diagnósticos rápidos e precisos. Isso tem nos colocado à frente nesse mercado”, complementa o executivo.
Para manter esse nível de envolvimento junto aos clientes, a ARM atua como uma consultoria boutique, com um número limitado de projetos, entre 15 e 20 simultâneos, voltados a empresas de médio e grande porte.
“Nossa estrutura depende da inteligência dos sócios. Essa inteligência não pode ser diluída. É um trabalho que exige presença e experiência direta”, diz Amin.
Além da consultoria, os sócios da butique possuem também uma gestora, a ARM Capital, focada em fundos de crédito, precatórios, crédito imobiliário, FIPs e private equity.
Para evitar conflitos de interesse entre as duas operações, os sócios garantem que há uma “muralha chinesa” entre a consultoria e a gestora.
“E isso tem que ser muito respeitado porque ou você é fiel ao seu cliente de consultoria ou é fiel ao investidor do seu fundo. Você não consegue ser aos dois”, diz Rafael Pesce.
“Eu posso até ter algum fundo que tenha o setor do cliente meu lá da consultoria, mas eles não se falam, eles não se conectam. A gestora e a consultoria são totalmente apartados e têm vida independente porque são operações que, no fundo, são conflitantes”, complementa o executivo.
“Tem uma divisão bem clara, e executivos diferentes também. Eu, Rafael, o Amin e o Rogério somos os principais sócios das duas empresas. Mas os os executivos são separados, e tem que ser assim”.
Resumo
- A ARM Gestão, consultoria-boutique carioca fundada em 2016, tem atuação intensa em reestruturação e recuperação de empresas em crise
- Nos últimos anos, a consultoria expandiu sua atuação para o agronegócio, área que hoje já representa um terço da base de clientes
- Para 2026, a consultoria continua vendo o agro em dificuldades, com custos de produção e juros ainda altos