O Brasil pode se tornar o país do gergelim, ou do girassol? Claro que seria um exagero pensar que essas culturas poderiam fazer frente ou compensar a produção de commodities como soja e milho. Mas em 2024, podem ser alternativas interessantes para diversificar riscos e receitas.

Essa é uma das tendências apontadas pela Céleres, uma das mais importantes consultorias agrícolas do País, entre as 10 que devem nortear o setor neste ano, segundo estudo recém-divulgado.

A análise prevê um cenário de margens mais baixas com os produtos mais tradicionais, já que as cotações não devem registrar altas significativas em 2024. Além disso, o custo de acesso às terras deve continuar alto.

Assim, de acordo com a consultoria, o produtor precisa recorrer a alternativas para otimizar despesas e uso da terra, na segunda safra.

A Céleres cita culturas como sorgo, gergelim, girassol e plantas de cobertura como opções que podem ter boa inserção no sistema produtivo brasileiro e diversificar as fontes de receita para os produtores rurais.

“No caso do sorgo, já são 2 milhões de hectares de área plantada. O gergelim já tem uma participação importante em Mato Grosso e Goiás. Até mesmo a mamona tem ganhado força nos últimos anos”, explica Enilson Nogueira, analista de mercado da Céleres.

A consultoria calcula que o Brasil tem 23,5 milhões de hectares em área disponível para o desenvolvimento de novas culturas.

“Nós tiramos desse cálculo áreas com milho de inverno já consolidadas. Nesse número, aparecem inclusive terras que não estão em boas condições para plantação de culturas mais tradicionais. Mas o sorgo, por exemplo, é mais resiliente, não precisa de tantos nutrientes para vingar”, diz Nogueira.

Essa saída se torna ainda mais relevante porque a Céleres projeta um aperto muito maior nas margens do que se esperava em setembro do ano passado.

Naquele mês, a consultoria já apontava que o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) seria muito menor na safra 2023/2024 que o registrado em 2022/2023 na produção de soja no Mato Grosso.

Em previsão divulgada em setembro, a Céleres previa receitas pouco acima de R$ 103 por hectare na atual safra, ante quase R$ 115 na anterior.

Mas no relatório divulgado agora a projeção piorou. A consultoria espera receita de R$ 87 por hectare e um Ebitda ainda mais apertado para os produtores de soja no Mato Grosso.

“Diante dos problemas climáticos em diferentes regiões do país, a expectativa de margens operacionais diminuíram – inclusive ficando abaixo da média histórica dos últimos vinte anos”, afirma a consultoria no relatório.

Outro ponto que atrapalha os produtores de soja é o custo logístico. Segundo a Céleres, a participação destas despesas no preço do grão está voltando aos maiores patamares dos últimos cinco anos neste começo de 2024.

A consultoria aponta que esta participação está próxima de 35%, perto dos níveis apresentados em 2017 e 2018. Isso por conta da cotação pressionada da soja, mas também pelo aumento dos custos de todos os tipos de transporte no Brasil, especialmente o marítimo.

“Para 2024, são esperados reajustes em várias tarifas de todos os modais. O marítimo tem se tornado mais caro, o que impacta diretamente a exportação do agronegócio”, afirma Nogueira.

O ano do trilhão nos fundos

Entre os fenômenos relevantes apontados pela Céleres, um está no crédito. A participação das fontes privadas de recursos está próxima de superar as públicas.

Em 2023, essa relação ficou em 50,7% de volume de crédito controlado, que vem de fontes obrigatórias, e 49,3% de recursos livres, de origem privada. Em 2013, essa relação era de 75% e 25%.

A Céleres aponta que em 2024, o estoque de títulos financeiros e o patrimônio de fundos ligados ao agro deve chegar a R$ 1 trilhão.

Nogueira evita cravar que este ano será marcado pela troca de posição entre crédito privado e o originado com recursos públicos. Mas acredita que este é o caminho natural.

“O governo tem um orçamento cada vez mais apertado e, hoje, o Plano Safra atende cerca de um terço das necessidades de crédito para custeio do agronegócio. Sem a possibilidade de ampliação relevante dos recursos públicos, a tendência é que o crédito privado seja cada vez mais relevante”.

Oportunidades nas terras e nos biológicos

No mercado de terras agrícolas, a Céleres aponta uma boa oportunidade de compra, especialmente para investidores.

Segundo a consultoria, o preço médio das propriedades rurais no Brasil caiu 15% em 2023, na comparação com 2021. Essa tendência também é resultado da redução das margens para o produtor.

Para Nogueira, apesar da queda recente, não há ainda um movimento mais consistente de negociação de terras, por se tratar de um ativo que é carregado por longo prazo.

“O produtor prefere sempre manter. E, com os juros ainda altos, nem sempre faz sentido para os fundos, porque vai ter pouco interesse por parte do investidor. Agora, com juros abaixo de dois dígitos, já se torna uma opção interessante”.

A disponibilidade de crédito, assim como a margem dos produtores rurais, impacta diretamente o mercado de insumos agrícolas, também abordado no relatório da Céleres. Nesse universo, a consultoria faz diferentes recortes.

No segmento de biológicos, a previsão é de que o ambiente se mantenha aquecido, inclusive em fusões e aquisições. A consultoria aponta 23 transações entre 2022 e 2023, com negócios robustos como a compra da Biotrop, antes controlada pelo fundo Aqua Capital, para a belga Biobest.

“Para os próximos anos, dada a manutenção das taxas robustas de demanda e o momento das empresas locais, espera-se que mais transações desta magnitude aconteçam nos setores de fertilizantes especiais e biológicos”, diz a Céleres no relatório.

Já no segmento de distribuição, o cenário é diferente. Para Nogueira, 2024 “não será um ano morto, mas será morno” em termos de fusões e aquisições. “Ainda podem ocorrer operações pontuais, mas a tendência é que seja um ano para arrumar a casa”.

Segundo o relatório da Céleres, depois de registrar 32 operações em 2021 e 2022, no ano passado foram só duas operações registradas por grandes plataformas de distribuição de insumos.

O destaque é a Lavoro, que além de abrir 17 lojas em 2023, tinha sete memorandos de entendimento assinados até novembro, segundo a Céleres.

Nas outras grandes empresas do segmento, como Nutrien, AgroGalaxy e Agro Amazônia, o foco deve ser mesmo a consolidação de marcas lançadas recentemente ou até mesmo da reestruturação financeira e operacional. No caso da AgroGalaxy, a consultoria cita a possibilidade de fechamento de lojas.

No cenário mais macroeconômico, a Céleres destaca dois pontos principais. O primeiro é o ambiente global mais desafiador, com crescimento ainda modesto nas economias mais relevantes para o mercado de commodities agrícolas. Isso deve manter a pressão sobre as cotações, como visto em 2023.

No caso das exportações brasileiras, a consultoria espera a manutenção do cenário de saldo positivo para o agronegócio, que em 2023 foi de US$ 150 bilhões. “Para 2024, apesar da diminuição potencial do volume exportado nas cadeias produtivas de grãos, mantém-se a expectativa do saldo positivo”, diz a consultoria.