A recente aquisição da trading suíça Viterra por US$ 18 bilhões, em junho passado, não saciou o apetite da agora ainda mais gigante Bunge, uma das maiores empresas de comercialização e processamento de commodities agrícolas do mundo.
Em outro negócio bilionário, a companhia americana acaba de adquirir a CJ Selecta, empresa brasileira especializada no processamento de soja e que tinha, até ontem, controle coreano.
Os valores pagos ao grupo CJ Cheiljedang Corporation, que detinha o controle da CJ Selecta, não foram revelados oficialmente. Segundo a agência Reuters, a imprensa coreana estima em cerca de 480 bilhões de won, o equivalente a R$ 1,8 bilhão por uma participação acionária de 66%.
Em 2017, os coreanos pagaram R$ 450 milhões por 90% da empresa brasileira, o que demonstra o potencial de valorização do negócio. A CJ Selecta é a maior produtora mundial de proteína concentrada de soja (SPC, na sigla em inglês), produto de alto valor agregado e margens substanciais, e faturou US$ 850 milhões (mais de R$ 3,4 bilhões) em 2022.
Como mostrou o AgFeed em reportagem publicada transação já era alvo de rumores do mercado desde o ano passado. Nos últimos meses, as conversas esquentaram, sobretudo com o aumento do interesse dos coreanos em abrir mão de alguns de seus ativos.
Com alto endividamento, a CJ Cheiljedang Corporation – um dos dez maiores do país asiático, com ramificações em vários segmentos econômicos -- vinha enfrentando restrições de seus acionistas para manter investimentos no negócio de soja.
Melhor para a Bunge, que mesmo em meio ao processo de integração com a Viterra, maior negócio da sua história, avisou que se mantinha atenta a oportunidades conjunturais.
Em agosto passado, na divulgação do balanço do segundo trimestre, o CEO da Bunge, Gregory Heckmann, disse em conferência que “a empresa continua a avaliar e executar nosso pipeline de fusões e aquisições”.
Foi complementado pelo CFO John Neppl: “Estamos encontrando um bom pipeline de fusões e aquisições menores”, disse, quando questionado sobre o impacto de um cenário com taxas de juros mais altas, que traria mais dificuldades financeiras a empresas de menor porte e menos capitalizadas.
Os resultados anunciados então mostravam um cenário positivo. O lucro da Bunge no trimestre havia sido de US$ 622 milhões, uma alta de 201% dobre o mesmo período em 2022. Apenas a divisão de processamento de grãos havia respondido por US$ 586 milhões de saldo positivo. No ano anterior, havia sido apenas US$ 11 milhões.
Segundo a companhia, a supersafra brasileira de grãos foi um dos principais impulsionadores desse crescimento. Não por acaso, aumentar a capacidade de esmagamento no País faz todo sentido.
A CJ Selecta se encaixa no perfil das oportunidades conjunturais citadas por Neppl, em função da situação do antigo controlador, que passa por uma reestruturação. Isoladamente, a empresa brasileira era vista como um ativo cobiçado, seja pelo perfil dos seus produtos, seja pela condição financeira ou até mesmo pela gestão socioambiental de suas unidades ou mesmo junto aos fornecedores de soja.
Há menos de um mês, por exemplo, a CJ Selecta teve aprovada junto ao banco americano JP Morgan uma linha de financiamento verde, que envolveu checagens sobre os processos de sustentabilidade já adotados, além de comprometimento com redução ainda maior na pegada de carbono ao longo do sistema produtivo.
O valor do crédito não foi divulgado, mas o CFO da empresa brasileira, Vinícius Melo, disse ao AgFeed na ocasião que a operação foi feita "com uma taxa de juros subsidiada, sendo a primeira do tipo feita pelo JP no agro da América Latina, já que poucos conseguem ter acesso a isso”.
Com crédito na praça, a CJ Selecta tem recursos, mas os planos de crescimento estavam represados pelos coreanos, o que já poderia ser um indicativo da intenção de venda da companhia.
Os planos de expansão, já aprovados pela direção local mas que aguardavam sinal verde da matriz em Seul, previam aumentar em 20% a capacidade de esmagamento da unidade da empresa em Araguari, no Triângulo Mineiro, com a implantação de novas linhas de produção.
Outro projeto seria a ampliação da a produção de etanol de soja dos atuais 9 mil metros cúbicos para 20 mil metros cúbicos, além do início de produção de lecitina a partir de melaço.
A demanda pelos produtos vendidos pela CJ Selecta é crescente e os investimentos necessários, uma vez que, segundo Melo, a empresa opera já há algum tempo, “no limite de nossa capacidade de esmagamento".
Maior processadora mundial de óleos vegetais, a Bunge soma, após a aquisição da Viterra, 125 plantas de processamento e refino em todo o mundo. Assim, conhece como ninguém os mercados para derivados do esmagamento de grãos.
Já há alguns anos a gigante procura consolidar sua presença no mercado de SPC, produto usado como ração animal em criações de peixes, suínos, aves, equinos e gado e que possui altas margens na sua negociação.
Em 2020, a corporação fez uma investida sobre outra empresa brasileira que atua nesse mercado, a Imcopa, com duas fábricas no Paraná. O negócio chegou a ser anunciado, mas foi barrado judicialmente depois, em função de disputas na Imcopa, que atravessava um processo de recuperação judicial.
Em junho desse ano, a justiça liberou a empresa a voltar à mesa de negociação com potenciais compradoras e chegou a marcar um leilão para a venda de seus ativos, mas a Cargill, também interessada, entrou com um pedido de suspensão, que foi acatado.
A compra da CJ Selecta mostra também como o Brasil se mantém no centro da estratégia global da Bunge. O País ganha ainda mais importância em função dos problemas na Argentina, país onde o grupo foi criado pelas famílias Bunge e Born, e que até recentemente se posicionava como o maior exportador mundial de produtos derivados do processamento de soja.
Instabilidade política e econômica, além de sucessivas quebras na produção agrícola em função de problemas climáticos, tornaram as operações e investimentos no país vizinho mais arriscados. E o Brasil, com safras crescentes, é a opção natural para avançar nesse segmento.