A construção da primeira usina de etanol de milho da região do Araguaia mato-grossense atingiu um novo estágio neste mês de outubro.
A Alvorada Bioenergia, empresa criada pelo grupo Agrícola Alvorada para atuar no setor, iniciou há poucos dias o comissionamento da biorrefinaria instalada no município de Canarana (MT), um procedimento que marca uma das fases finais de preparação para o início das operações industriais.
O projeto, erguido com recursos próprios (R$ 140 milhões) e de um financiamento do BNDES (R$ 500 milhões), deve começar a produção comercial ainda em 2025.
Os quatro anos de planejamento e preparação que antecederam o início das obras foram tão transformadora quanto o empreendimento em si. A expansão foi cuidadosamente desenhada com um objetivo central: garantir o fornecimento contínuo de grãos quando a usina começasse a operar.
Uma precaução que poderia parecer excessiva para um grupo com 30 anos de história, receita de R$ 8,7 bilhões em 2024, a segunda maior capacidade estática de armazenamento de Mato Grosso (1,8 milhão de toneladas) e o “aval” de uma gigante global, a Bunge.
Iniciado em 2020, o projeto amadureceu lentamente, o que, segundo o diretor comercial da Alvorada, Marcelo Pires, foi uma escolha estratégica.
“O tempo de espera se justifica pelo resultado. Desde o início, a meta era construir uma base sólida, com fornecedores confiáveis e um plano de médio prazo que fortalecesse também a vizinhança”, explica.
A opção mais simples seria comprar um grande volume de grãos, estocar e antecipar a compra de novas safras. Mas a Alvorada escolheu outro caminho: criar uma rede de parceiros produtivos, em vez de meros fornecedores.
“Desde o começo, decidimos que só entraríamos nesse mercado quando tivéssemos uma rede segura e estruturada, com risco zero de faltar grão. Não bastava negociar contratos — queríamos construir parcerias”, afirma Pires.
Com isso, as equipes comerciais deixaram os escritórios e foram para o campo. Em Canarana (MT), onde está o núcleo da operação, o contato direto com os produtores revelou uma realidade clara: havia terra disponível e agricultores qualificados, mas acomodados no ciclo tradicional da soja.
O diagnóstico foi imediato — a Alvorada precisava primeiro ser útil aos produtores antes de pedir comprometimento.
A estratégia foi simples e eficaz: oferecer sementes, fertilizantes e assistência técnica, no modelo de barter, incentivando o plantio, além do milho, de novas culturas como sorgo e gergelim. O resultado veio rápido.
“O sorgo entrou forte no portfólio dos produtores. Ele é plantado por volta de 10 de março, logo após o milho, e permite até três cultivos por ano em algumas regiões. Em 2025, partindo praticamente do zero, já deve ocupar 20 mil hectares”, detalha Pires.
Em seguida, foi a vez do gergelim, que encontrou boa receptividade no pós-colheita da soja – a região de Canarana é hoje o principal polo de produção do grão no País.
“Entre 2023 e 2024, tivemos uma adesão expressiva ao gergelim, com produtores buscando diversificação e novas fontes de renda. Hoje, o grupo reúne mais de 500 parceiros agropecuários e responde por algo entre 14% e 35% da produção regional, dependendo da cultura e da época do ano”, calcula o executivo.
Os efeitos chegaram também à pecuária. Com mais áreas destinadas às lavouras, a Alvorada incentivou a transição da pecuária extensiva para o confinamento, ampliando a demanda pelo DDG, composto proteico obtido com o refino do milho juntaente com o etanol com grande valor nutricional para o gado.
“Esse movimento cria um ciclo virtuoso: mais grãos, mais ração, mais produtividade”, resume Pires.
Com o ecossistema produtivo fortalecido, o presidente e fundador Jarbas Weis deu o sinal verde para o início da costrução da usina, em meados de 2023.
A usina terá capacidade de produzir 222 milhões de litros de etanol por ano, além de farelos (DDG e DDGS) e óleo de milho. A energia gerada no próprio processo industrial será utilizada na operação da planta, reforçando a autossuficiência energética do projeto.
O ritmo mais lento do projeto segue a filosofia de gestão de Jarbas Weis, descrito pelos executivos como “visionário e prudente”.
“Ele tem faro para os negócios e sempre olha para o médio e longo prazo. Um exemplo foi a chegada em Água Boa (MT), há 13 anos, quando praticamente não havia estrutura. Depois da Alvorada, vieram outras empresas, inclusive multinacionais, e o município virou um polo logístico”, conta Pires.
Essa visão 360 transformou, ao longo de 23 anos, uma empresa de comercialização de grãos em uma potência agrícola com 19 unidades em 13 municípios. A companhia domina todas as etapas da cadeia — do fornecimento de insumos ao armazenamento, transporte e industrialização.
O modelo de gestão, a capilaridade e a diversificação da Alvorada chamaram atenção da Bunge, que em 2022 adquiriu participação minoritária na empresa.
O objetivo foi ampliar o alcance da multinacional entre pequenos e médios produtores de Mato Grosso, reforçando o elo com o interior do Estado.
Entre 2017 e 2022, a produção da Alvorada cresceu 1.035%, resultado de uma estratégia que une planejamento, parcerias e visão de longo prazo.
Antes mesmo da inauguração oficial, a usina já cumpriu seu papel: gerar combustível — humano e econômico — para movimentar uma nova fronteira do agro brasileiro.
Resumo
- Alvorada Bioenergia inicia comissionamento da primeira usina de etanol de milho do Araguaia, prevista para operar ainda em 2025.
- Projeto fortaleceu a base produtiva local com rede de 500 parceiros e novas culturas como sorgo e gergelim
- Estratégia de longo prazo da Agrícola Alvorada atraiu a Bunge e ampliou negócios do grupo em mais de 1.000% entre 2017 e 2022