Menos de 15 quilômetros separam as sedes da Exata Brasil, empresa de análise laboratorial de solos, e da Solubio, indústria de insumos biológicos, no município de Jataí, em Goiás. Uma distância mínima, sobretudo diante das ambições que, desde esta quinta-feira, 28 de setembro, passaram a uni-las.

As duas estão bastante próximas também os planos do fundo Aqua Capital, um dos principais investidores em private equity focado em agronegócio do Brasil. Segundo um comunicado divulgado pela página de relações com investidores do Aqua, a Exata é a mais nova integrante do seu portfólio, onde a Solubio já perfila desde o ano passado.

O valor da aquisição não foi revelado, mas o título do documento, publicado em inglês, dá pistas precisas sobre a estratégia que ela envolve – e que engloba, segundo apurou o AgFeed, também a Solubio.

“Aqua Capital investe na Exata, plataforma líder em Agricultura Regenerativa, focada no mercado de saúde do solo e em laboratório de teste de plantas”, dizia, em tradução literal.

Os termos “plataforma” e “agricultura regenerativa” não estão ali por acaso. Segundo revelou ao AgFeed um executivo próximo ao negócio, a compra dá início ao uma tentativa, por parte do Aqua, de fazer uma consolidação no pulverizadíssimo mercado de laboratórios de análise de solos, saindo na frente da concorrência em um setor que se apresenta como uma das tendências mais fortes de crescimento nos próximos anos.

Seguiria, em escala menor, dado às características do segmento, o modelo de aquisições e integrações que o Aqua promoveu no setor de distribuição de insumos com a constituição do AgroGalaxy.

Surgida em 2016, com a compra da Rural Brasil, a companhia fez outras oito aquisições desde então, criando uma gigante com mais de 160 lojas e presença em 14 estados e expectativa de receita de R$ 11 bilhões em 2023.

A Exata – que, além de Goiás, atua em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia – seria o ponto de partida dessa “AgroGalaxy da análise de solo”. E a formação de uma rede de laboratórios, com capilaridade e tecnologia para atender rapidamente à demanda crescente por esse tipo de serviço, um pilar fundamental da tese em construção da “plataforma de agricultura regenerativa” do Aqua.

Mais uma vez, o breve comunicado da aquisição da Exata elucida a visão do fundo. “Analisando a saúde do solo como um ecossistema vital para nutrir plantas, animais e humanos, a Exata empodera os produtores brasileiros para adotarem as fundamentais práticas de agricultura regenerativa”.

O que o texto, obviamente, não diz é que a Exata, eventual marca a ser usada na consolidação, é apenas a primeira de uma série de aquisições a serem feitas nos próximos meses. Executivos do Aqua têm viajado o Brasil prospectando outras empresas com perfil semelhante e avaliado possíveis alvos para novas ofertas.

O AgFeed apurou que, dos 10 principais laboratórios brasileiros de análise de solo, pelo menos oito ainda estão no radar. E até cinco negócios podem ser fechados, com prioridade para cobertura em áreas estratégicas do Centro Oeste, Sul e Minas Gerais.

Procurado para falar sobre a aquisição e a estratégia, o Aqua informou por sua assessoria de imprensa que não faria comentários nesse momento.

Mercado em transformação

A prospecção no universo dos laboratórios de análise de solo exige uma lupa diferente da usada pelo Aqua no varejo de insumos. As empresas do setor são, geralmente, de pequeno a médio porte e de atuação bastante regionalizada. Isso indica cheques menores, mas mais trabalho para quem precisa identificar os alvos e avaliá-los.

Praticamente não há marcas de renome nacional – a própria Exata, reconhecida pelo aparato tecnológico e qualidade das análises, tem alcance limitado. Alguns poucos nomes, como o Ibra, de Campinas (SP), o Campo, de Paracatu (MG), o Laborsolo, de Londrina (PR) e o Solo Certo, de Nova Mutum (MT), foram citados por mais de duas fontes como referências.

Isso acontece pela própria forma com que esse segmento foi sendo construído ao longo dos anos, segundo explicou ao AgFeed o executivo que conhece a fundo os principais mercados de insumos e serviços agrícolas.

“Por ser, historicamente, um setor com baixa barreira de entrada, as empresas eram em geral constituídas por consultores agronômicos, que montavam laboratórios para atender demanda de seus clientes e acabavam atendendo a demanda regional”, diz.

Hoje, na visão desse especialista, a tese do Aqua “faz todo o sentido”. “É um mercado que está se sofisticando, exigindo análises mais precisas, em maior escala e com o uso de novas tecnologias digitais, como o georreferenciamento das análises e a entrega de resultados em menor tempo, na palma da mão do produtor”.

Para quem investe na busca de dados de qualidade sobre a produção agrícola, diz o executivo, é um segmento com potencial de valorização.

A transformação é sentida por quem está no mercado há décadas. O AgFeed conversou com o dono de uma empresa com mais de 30 anos de atuação no Triângulo Mineiro, que, pedindo anonimato, revelou ter repassado a gestão da companhia a um “grupo de fora”, por entender que “o jogo está mudando”.

“Eu já não tenho mais como acompanhar”, disse. “Cada dia é preciso investir mais em automação, em ganhar escala, há mais pressão por preços e prazos”.

O grande desafio de uma “AgroGalaxy das análises”, segundo o especialista ouvido pelo AgFeed, estaria na logística, que exigiria o investimento em tecnologia para coleta de amostras e na descentralização dos laboratórios para fornecer resultados em tempo cada vez mais curto. “Teria de ser uma coisa mais como um ‘Mercado Livre das análises’”, compara.

Por isso, além de avaliar laboratórios nacionais, o Aqua também estuda a evolução de tecnologias relacionadas à análise de solos em diferentes mercados. Elas têm merecido atenção especial de empresas de venture capital em vários mercados, sobretudo as que desenvolvem soluções com base em análise genômica do solo, como a americana Trace Genomics.

Essas tecnologias buscam automatizar e agilizar processos de sequenciamento do DNA de microorganismos presentes no solo, fazendo uma análise quantitativa e qualitativa deles e usando inteligência artificial para indicar ações ao produtor, relacionando-as sobretudo com a aplicação de bioinsumos.

Além da análise

Conhecer o solo, assim, é só a base no projeto da plataforma de agricultura regenerativa do Aqua. Os gestores do fundo entendem que, a partir do conhecimento obtido nas análises, os produtores serão cada vez mais seletivos nas decisões agronômicas e demandarão novas categorias de produtos capazes de potencializar a recuperação desses solos.

É aí que entra a Solubio. A onda da agricultura regenerativa deve ampliar a perspectiva de uso de insumos biológicos e biofertilizantes, áreas em que a empresa goiana tem se posicionado nos últimos meses.

Outras tecnologias a despertar atenção do Aqua são a análise genômica de solos e plantas e soluções para melhor uso de água e fixação de nutrientes nas plantas. O fundo tem avaliado startups com potencial nesses segmentos, que conversam diretamente com as boas práticas de agricultura regenerativa.

Outro movimento do Aqua tem sido o recrutamento de executivos com larga experiência no mercado para liderarem o projeto. Eles agregariam mais expertise a uma equipe já com profundo conhecimento do segmento de biológicos, por exemplo.

Há duas semana, o Aqua realizou uma das mais bem-sucedidas transações do setor, com a venda da Biotrop para a belga Biobest por R$ 2,8 bilhões. O case, já referência entre os investimentos de private equity no agronegócio, além de capitalizar o fundo, indicou o apetite em torno de negócios nessa área.

O perfil do Aqua indica também capacidade para realizar a tarefa da consolidação. O exemplo do AgroGalaxy gerou aprendizados e experiência na integração de empresas. Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo setor de distribuição de insumos em 2023, a atuação do Aqua na empresa tem sido bem avaliada por quem é do mercado.

“Até por ser uma empresa aberta, a AgroGalaxy tem sido mais exposta, mas sabemos que o momento foi difícil para muitos”, disse ao AgFeed um profissional do primeiro escalão de uma indústria de insumos. “Eles estão fazendo a gestão de forma transparente e isso merece respeito”.

Uma possível conexão de AgroGalaxy com a plataforma Exata pode ser um passo futuro, utilizando a capilaridade e a força de venda da distribuidora de vendas para ganhar mercado.

Agregar serviços às redes de distribuição é um modelo que ganha força no Brasil, mas já é tradicional nos Estados Unidos, por exemplo. O próprio Aqua adquiriu há pouco mais de um mês a NovusAg, distribuidora de insumos nos Estados Unidos que tem boa parte de sua receita associada a serviços prestados aos clientes.

Aqui no Brasil, a ideia de incorporar análise de solo ao mix das revendas também já está na estratégia da Lavoro, rede de distribuição controlada pelo fundo Pátria Investimentos. Em junho passado, a empresa anunciou uma parceria com a startup alemã Stenon para oferecer no Brasil um serviço de análise feita em tempo real, com o uso de um “laboratório digital portátil”.

A Lavoro também tem acordo com a startup americana Pattern Ag para trazer ao país tecnologia de análise genômica. A concorrência entre os dois grupos, portanto, pode ganhar um novo terreno.