A conta do passado chegou para as sementeiras, que atravessam dificuldades com estoques cheios e margens de lucro apertadas.

Como era de se esperar, em meio à crise, a Boa Safra Sementes, uma das maiores sementeiras do Brasil, não abandonou sua convicção de que o setor caminha para uma consolidação inevitável.

Desde que a companhia fez seu IPO, em abril de 2021, vem pregando que o mercado é muito pulverizado e que a união de negócios diferentes é apenas questão de tempo, em muitos casos. Na crise, então, nem se fala.

"Acho que os momentos de crise podem estar acentuando esses movimentos de ter uma consolidação, porque todo mundo tem que buscar ser mais eficiente no final do dia. E quem não é tão eficiente vai, de alguma forma, sair do sistema", avalia Felipe Marques, CFO da companhia, em entrevista ao AgFeed.

Mas o momento também não é de abrir o caixa e sair comprando. Se, no passado, a sensação que os executivos da Boa Safra deixavam era de que viria sempre uma nova aquisição ou aporte a ser anunciado logo mais, isso parece ter ficado no passado.

Embora a empresa dos irmãos Marino e Camila Colpo esteja em uma posição financeira sólida, Marques afirma que a Boa Safra tem redobrado a cautela neste momento.

Diante do ambiente macroeconômico adverso, do mercado ainda pressionado e do custo de capital elevado, todas as propostas – que continuam chegando – são analisadas com rigor.

"Como a gente é a número um do setor, naturalmente acaba batendo na nossa porta quem está interessado em fazer algum tipo de transação. Estamos olhando aqui e vendo se alguma dessas operações faria sentido para a gente no fim do dia. Mas estamos sendo bem seletivos", diz Marques.

Um indício disso é que o último M&A que a Boa Safra fez foi no início do ano, quando anunciou a criação de uma joint-venture, com participação da Semembrás e Sementes Nobre, formando a SBS Green Seeds, especializada em sementes para culturas forrageiras, com foco em agricultura regenerativa.

No acordo, a empresa dos Colpo aportou R$ 45 milhões e ficou com 30% do negócio, podendo ampliar sua participação para 60% em dois anos.

Mas, de lá para cá, a Boa Safra não fez novos anúncios – antes disso, era praticamente um M&A por um ano: depois de ter aberto seu capital na B3, em 2021, a empresa fez aquisição da Bestway Seeds do Brasil, em 2022, e da Dasoja, em 2023.

"Dado a atual situação do mercado e do custo do dinheiro, a gente realmente tem que ser bem criterioso no uso dos recursos dos nossos acionistas", complementa o CFO.

Isso mesmo em um momento no qual a companhia está atuando em diferentes regiões do país.

“A gente entende que crescer muito rápido e inorganicamente também é uma estratégia às vezes um pouco perigosa. A gente gosta de ter algo assim, sem muita velocidade, mas com consistência, desde que tenha aderência com a nossa estratégia da companhia”, diz Marques.

O interessante é que a estratégia da Boa Safra coincide com um momento de solidez financeira para a companhia.

A companhia fechou o terceiro trimestre com R$ 1,2 bilhão em caixa e dívida líquida de apenas R$ 75 milhões. Segundo Marques, mais de 90% das obrigações financeiras vencem depois de 12 meses, o que garante conforto e previsibilidade ao balanço.

“Estamos em um nível de liquidez que nunca tivemos na história. Hoje, somos, de longe, uma das empresas mais líquidas do agro”, afirma o CFO.

O reforço de caixa obtido desde o IPO, aliado à disciplina de endividamento, funcionou como uma espécie de escudo, avalia o CFO.

Marques menciona algumas estratégias bem sucedidas, como um follow-on feito pela companhia no primeiro semestre do ano passado, que adicionou R$ 300 milhões ao caixa, somado à emissão de R$ 1 bilhão em dois CRAs com prazos longos, trazendo mais fôlego ao caixa da companhia.

Essa preparação foi crucial num momento em que bancos reduziram drasticamente a disposição para emprestar ao setor. Segundo o CFO, apenas empresas consideradas “AAA” pelas instituições financeiras conseguiram manter acesso natural ao crédito.

A diversificação dos negócios da companhia é um outro ponto relevante, sempre mencionado pelos executivos, para trazer mais hedge à operação.

Quando a Boa Safra abriu seu capital em 2021, a companhia era 100% dedicada à soja. Isso ficou no passado. Ainda que representem, por enquanto, uma pequena fração do todo, sementes de outras culturas como milho, trigo, sorgo, feijão e forrageiras, têm ganhado força dentro do faturamento.

Há pouco mais de um ano atrás, no fim de 2024, o faturamento com esses produtos (sementes de milho, sorgo, feijão, trigo e forrageira), somava R$ 28 milhões e uma carteira para o quarto trimestre de R$ 33 milhões.

Já neste ano, as vendas no segmento somaram R$ 109 milhões no terceiro trimestre, alta de 279% em um ano, e a carteira para os três últimos meses do ano soma outros R$ 101 milhões. As oleaginosas, no entanto, ainda continuam como o carro-chefe, com vendas de R$ 941 milhões no terceiro trimestre.

“Isso diminui a sazonalidade da companhia. Os outros negócios da companhia já representam 17% das receitas e vêm crescendo em uma velocidade muito superior ao nosso crescimento em sementes de soja”, avalia Marques.

“A gente brinca que ganhávamos o título da empresa mais sazonal da Bolsa e agora estamos tentando perder esse título”, conclui.

Resumo

  • Sementeiras operam com estoques elevados, margens comprimidas e maior pressão por eficiência, enquanto a Boa Safra mantém a convicção de que a consolidação do setor é inevitável
  • Mesmo financeiramente sólida, a empresa dos irmãos Colpo adota cautela em novos M&As, com custo de capital elevado impondo rigor na análise de novas operações de fusões e aquisições
  • Companhia declara ter caixa de R$ 1,2 bilhão, dívida líquida de R$ 75 milhões e perfil alongado de obrigações