As marcas da AGCO são tradicionais na agricultura global, como Massey Ferguson, Valtra e Fendt. Algumas delas são mais que centenárias.
E tão tradicional quanto seus tratores e colheitadeiras é o caráter cíclico das commodities agrícolas que levam a períodos de alta expressiva nas vendas seguidos de safras em que o preço cai e o produtor rural para de investir.
É nessa premissa que se baseiam os executivos da AGCO, no aguardo de um resultado melhor em 2025, mesmo que não seja ainda aquele que todos desejam.
Durante a Agrishow, em Ribeirão Preto, maior feira de tecnologia agrícola do País, o AgFeed conversou com Rodrigo Junqueira, hoje vice-presidente da Massey Ferguson para a América do Sul e gerente geral da AGCO para a mesma região.
“Felizmente ou infelizmente, a gente já está um tempo nesse mercado, a gente vê esses ciclos. Se você acompanha os últimos 30 anos, você vê sempre algumas reduções, mas a retomada sempre eleva o pico, você vê que a gente está sempre subindo o patamar”, afirmou Junqueira, ao avaliar o período de queda nas vendas no setor de máquinas agrícolas registrado em 2024.
No ano passado, a receita global da AGCO ficou em US$ 11,7 bilhões, um recuo de 19% sober o ano anterior. No primeiro trimestre de 2025, os resultados divulgados no início de maio indicam um novo recuo, agora de 30% ante o mesmo período de 2024, com US$ 2,1 bilhões. Na América do Sul, isoladamente, a queda foi menor, com 15,8%.
Apesar de os preços dos grãos seguirem em patamares ainda abaixo daqueles vistos há dois anos, a colheita de uma safra recorde pode trazer bons ventos para o setor.
“Você começa a ver já agora o que a gente está acostumado a ver: uma retomada. Eu não tenho um bom preço, mas tenho uma boa colheita. Ano passado eu não tinha um bom preço e também não tinha uma boa colheita. Isso traz um otimismo diferente, um nível de confiança diferente. E aí a gente teve um primeiro trimestre onde a gente vê várias intenções de negociação rodando”, disse.
O problema é que o início do ano é marcado por “intenções”, especialmente na Agrishow, ele admite. Alguns meses depois, com o crédito aprovado, é que a empresa realmente transforma tudo isso em faturamento, em vendas efetivas.
Ainda assim, a AGCO já comemora um fenômeno que vem sendo registrado neste início do ano. Houve aumento nas vendas de produtos mais caros. No ano passado, a marca foi a procura por tratores de baixa potência, por exemplo, que geram uma receita menor.
Por esse motivo, embora as vendas em volume no primeiro trimestre mostrem uma certa estabilidade, na receita já há um acréscimo de pelo menos 2% ou 3%, estimou Junqueira, ao AgFeed.
“Você já tem uma retomada em produtos grandes, pulverização, plantio, você já começa a ver algo um pouco diferente”.
Rotas alternativas para financiar
O executivo da AGCO lembra que o desafio para a empresa – o que tem sido repetido por diferentes fabricantes – é a taxa de juros elevada, mas nem tudo está perdido.
“Tivemos uma volta muito grande de produtores buscando financiamento em dólar, que virou uma peça atrativa e a gente vê o consórcio crescendo bastante”, revelou.
Segundo a AGCO, as vendas via consórcio no primeiro trimestre de 2025 aumentaram 30% na comparação com o mesmo período do ano passado. Se considerado o volume de entrega de máquinas por meio dessa ferramenta, a alta foi de 20%. Atualmente, o consórcio nacional Massey Ferguson já representa 20% do total de faturamento da marca.
Outro instrumento que passou a ser mais utilizado - e que nem tem tanta tradição no universo das máquinas - é o barter, quando a compra é feita por uma operação de troca, em que o equipamento é pago em grãos.
No segmento da AGCO, o barter é viabilizado por meio de parcerias com tradings. O volume no trimestre cresceu 50% em relação aos primeiros três meses do ano passado.
“A base é baixa se comparada às outras fontes de financiamento, mas o crescimento é expressivo, disse a empresa. Um dos motivos para a ferramenta avançar aos poucos é o fato de que financiamento de máquina costuma ser feito no longo prazo, até 10 anos, em alguns casos. No barter da AGCO, segundo Junqueira, já está sendo possível fazer até dois anos e meio de prazo.
“Uma coisa que tem ajudado é que às vezes reduz também o tamanho do financiamento. Você faz um barter com 40% e financia 60%. A aprovação de crédito fica mais fácil”, explicou. Até mesmo a venda à vista “cresceu um pouquinho”, segundo ele.
Na Agrishow do ano passado, a AGCO diz que muitas intenções de venda não se concretizaram. Desta vez, há um clima de otimismo de que essa conversão será maior.
“O que a gente vê hoje é um preparo maior. O agricultor já veio com a pré-aprovação que o ano passado não veio, ou ele já veio com uma estratégia melhor, que é a do (financiamento em) dólar, mais moldada a ele”.
Outra característica do atual momento é que a equipe da AGCO precisa “conversar mais” com os bancos, para auxiliar na negociação e viabilizar vendas para clientes que já têm história com a marca. Isso seria um reflexo dos tempos de crédito mais restritivo.
Crescimento em 2025
Para o ano de 2025 como um todo a AGCO também espera que esse “mix melhor”, com a retomada em produtos de médio e grande porte, ajude a garantir um aumento na receita da América do Sul, que deve ficar em 5%, segundo Junqueira.
Além da safra recorde no Brasil, também contribui para um cenário positivo um mercado mais firme na Argentina, que estaria combinando um mix melhor com um volume maior este ano. “Mas a Argentina é um Mato Grosso”, comparou ele, em função de volume de grãos produzidos ser muito similar.
De outro lado, o Paraguai sofreu um pouco mais com a seca e está segurando alguns negócios, assim como o Uruguai. No Chile, uma mudança nas regras que envolvem a motorização no país teria provocado a desistência de última hora por parte dos clientes. “Um país acelera e outro desacelera e ficamos nessa situação que estamos prevendo”.
Como 65% do mercado em que atua a AGCO costuma “rodar” no segundo semestre, a empresa aguarda os próximos meses para ter certeza de qual será o nível de recuperação.
Isso também será importante na tomada de decisão sobre os níveis de produção nas fábricas. Globalmente, o grupo anunciou demissões de funcionários em 2024 devido à fraca demanda. No Brasil, houve uma paralisação das atividades na fábrica de Santa Rosa (RS) a partir de março do ano passado.
“A gente tem que definir um ritmo para não ter que parar esse ano. Primeiro, o foco foi reduzir estoque da rede, para que concessionário esteja forte e saudável financeiramente. Todos fizeram isso. O segundo é como deixar a fábrica rodando”, disse o VP da Massey Ferguson, ao AgFeed.
Ele diz que, este ano, a empresa “conseguiu se programar melhor em todas as fábricas”. Quanto ao nível de capacidade que está sendo usado, afirma que está melhor que no ano passado, mas ainda abaixo dos picos registrados entre 2021 e 2022.
Em paralelo, o executivo garante que a empresa seguirá fazendo investimentos no Brasil. Há cerca de dois meses foi inaugurado em Jundiaí (SP) um centro de treinamento para concessionários e clientes, ampliando uma atuação que antes ficava em uma unidade menor, em Campinas.
Também em Jundiaí foi inaugurado um centro de remanufatura (Reman) de transmissões. O investimento foi de R$ 19 milhões.
“Para o cliente é fantástico, já vai lá troca quando transmissão der problema, com componentes originais, garantia de fábrica e custo bem menor”, destacou.
Já havia um Reman de motores em Mogi das Cruzes. Esse de Jundiaí tem mais foco em transmissões. Segundo Junqueira, a AGCO só tinha um centro de Reman do tipo no mundo, que fica na Europa, e passou a ter esse segundo, no Brasil.
Efeito Trump
No turbulento período das tarifas do presidente americano Donald Trump, a AGCO também passou por um susto inicial.
Logo que foram anunciadas as mudanças, a empresa anunciou que estava suspendendo o envio de máquinas produzidas no Brasil e em outros países para os Estados Unidos.
A paralisação, porém, foi curta e temporário, segundo o executivo, durando somente “3 ou 4 dias”.
“Aquilo lá foi um comunicado naquele momento, que a AGCO se posicionou. Hoje a gente não tem nada parado. Mandamos tudo para fora”, garantiu.
Até entender melhor a situação, ver se seria necessário pagar alguma tarifa na chegada das máquinas aos EUA, houve essa parada estratégia, mas os fluxos estariam normalizados, ele disse.
Atualmente 20% do total de máquinas fabricas no Brasil tem como destino a exportação, na AGCO. A empresa exporta produtos como tratores e pulverizadores para mais de 80 países, a partir do Brasil. Países da Europa, da África, Estados Unidos e México estariam entre os principais compradores.
Quanto a possíveis efeitos do tarifaço para o desempenho da empresa, Junqueira disse que hoje é impossível medir, por isso o grupo seguirá com foco no negócio e seguindo sua estratégia. Também garante que, em relação ao custo da matéria-prima, não houve nada que não estivesse dentro do planejado pelo grupo.
E pode haver chance de exportar mais? O executivo, por enquanto, diz que está tudo igual.
“Nada mudou, a gente continua com a mesma estratégia, exportando os mesmos volumes. Mesmo porque, nesse momento, a retomada que está acontecendo aqui já está tomando um pouquinho da nossa capacidade adicional que a gente tinha. O foco é atender aquilo que a gente tem e trabalhar com o que a gente tem, que é o que a gente tem certeza”.
Novas tecnologias
Na Agrishow 2025 uma das prioridades da AGCO foi consolidar a marca PTX Trimble, resultado de uma joint venture do grupo com a Trimble, reforçando soluções em agricultura digital.
Na edição passada da feira, a JV tinha sido recém aprovada pelos órgãos legais no mundo, por isso as duas marcas ainda estavam separadas.
“Agora, um ano depois, a gente colocou essas empresas embaixo de um guarda-chuva chamado PTX, que é Precision Technology, crescendo de forma exponencial”, afirmou Rodrigo Junqueira.
Para o executivo, o principal diferencial é a oferta de uma “tecnologia aberta”, em que o cliente pode adaptar a diferentes marcas de maquinário, não somente para aquelas que pertencem à AGCO.
Ele avalia que as duas empresas originais são complementares, tanto na estratégia de autônomos quanto em soluções voltadas a sustentabilidade ou mesmo na cobertura. “Hoje a gente cobre 95% do Brasil com Trimble”.
Entre as prioridades está seguir com o foco na agricultura de precisão e, junto, acelerar o lançamento de máquinas autônomas. Na linha dessas máquinas que “trabalham sozinhas”, o executivo diz que muito vem sendo testado nos EUA, principalmente com a marca Fendt, e que espera “que isso venha logo”.
Por outro lado, ele diz que nem todos os clientes priorizam isso. “Tem cliente que fala, olha, o meu trabalho, eu sou o dono aqui, a minha alegria é operar a minha máquina”. Já outros estariam animados com a ideia, em função do problema comum no Brasil que é falta de mão de obra no campo.
Em outra frente, a AGCO trabalha para trazer máquinas com motores movidos a etanol e biometano, que poderão chegar ao mercado “em 1 ou 2 anos”.
Os testes estariam bem avançados nas usinas com o biogás, enquanto a empresa também trabalha para que os motores a diesel estejam mais adaptados a legislação brasileira para reduzir a emissão de poluentes.
Resumo
- Dona de marcas como Massey Ferguson e Valtra, enfrenta um momento de queda nas vendas de máquinas agrícolas em 2024, mas espera recuperação em 2025
- Apesar da retração, há aumento na venda de máquinas de maior valor e expectativa de crescimento na receita na América do Sul
- Com juros elevados, a AGCO observa crescimento de alternativas como consórcio (30% de alta nas vendas) e barter (crescimento de 50%), além de maior uso de financiamento em dólar.