Quando o uruguaio Antonio Carrere assumiu o comando da John Deere no Brasil, em 2022, a soja alcançava quase R$ 200 por saca e as vendas de tratores e colheitadeiras cresciam junto com o entusiasmo do produtor.

Hoje o preço da soja dificilmente passa de R$ 130 nas principais regiões do País e o desempenho do setor de máquinas agrícolas entra no segundo ano de queda, com chance de recuar mais 18% em 2024.

Há dois anos, Carrere assumiu uma posição que foi ocupada por pelo menos uma década por Paulo Hermann, figura conhecida entre os produtores que era quase um “influenciador” no segmento.

O cargo englobava o papel de “presidente da John Deere Brasil” ou simplesmente “CEO”, quando uma só pessoa era a referência das decisões da empresa para a América Latina.

Com a mudança do ciclo, commodities agrícolas em baixa e vendas da indústria também, a gigante mundial de tratores e colheitadeiras vem fazendo ajustes e chegou a anunciar, globalmente, que demissões estão a caminho.

No Brasil, houve uma suspensão das atividades na fábrica de Horizontina (RS), no chamado layoff, no primeiro semestre, em acordo com o sindicato para minimizar demissões.

“O ajuste do quadro de pessoas, é uma decisão muito difícil de fazer, mas nós fazemos para assegurar que empresa esteja melhor em posicionada em 2025”, afirmou Antonio Carrere, em conversa com o AgFeed, durante a Expointer, que terminou neste domingo.

Antes líder para Brasil e América Latina, agora o executivo tem mais dois pares nesse comando, cada um na sua área. Carrere ocupa o cargo de vice-presidente de vendas e marketing da John Deere para a América Latina. Seus pares são Cristiano Correia, vice-presidente de sistemas de produção da companhia para a América Latina e Joaquin Fernández, vice-presidente da manufatura da John Deere na América do Sul.

Perguntado sobre qual seria o motivo para o Brasil não ter mais um “CEO” para chamar de seu, Carrere respondeu que a mudança tem a ver com o fato de que, a partir de agora, a John Deere passar a contar com novas áreas de engenharia e desenvolvimento, localmente.

“Até agora era uma organização muito focada na área comercial e trazíamos produtos das engenharias da Alemanha ou dos Estados Unidos e aqui adaptávamos, tropicalizávamos, se customizava para o Brasil, por exemplo”, explicou o executivo.

Faz parte desta mudança, por exemplo, a inauguração de um Centro Brasileiro de Desenvolvimento de Tecnologia, em Indaiatuba-SP, prevista para dezembro, que vai contar com engenheiros brasileiros.

Na visão de Carrere, “foi criado um círculo virtuoso que nunca existiu”. Ele lembra que só há um CEO global e alguns presidentes também mundiais para a John Deere. “Por isso usamos na região essa terminologia de vice-presidente. Antes aqui tínhamos um, agora temos 3”.

No médio e longo prazos, ordem é investir

Antes da conversa com o AgFeed, vimos Antonio Carrere circular pelo estande da empresa na Expointer, em Esteio-RS, e parar para conversar a todo o momento com os clientes.

Para uma edição marcada pela “reconstrução” do estado gaúcho, fortemente afetado pelas enchentes no primeiro semestre, a boa movimentação trazia ânimo aos expositores. A previsão era razoavelmente otimista, como mostrou o AgFeed, em reportagem recente.

“Gosto de recordar que a história da John Deere no Brasil começa no Rio Grande do Sul. É nossa casa, temos quatro unidades diferentes de manufatura aqui, por isso é importante que o produtor nos sinta perto, saiba que estamos preparados para apoia-los na próxima safra”, afirmou.

O VP da John Deere admite que a situação global ainda é de ajuste. “É um mundo cíclico. Tivemos momentos extraordinários, agora temos o momento de ajuste. Vamos voltar a ter momentos extraordinários mais a frente”.

Trator "colorido" para representar as novas tecnologias para serem adaptadas em diversas marcas

Nesse cenário, a mensagem que a empresa procurou passar ao mercado é que segue “investindo muito forte no Brasil”, recomendando que o produtor faça o mesmo, aproveitando o período de baixa, para que já esteja preparado na hora da retomada do mercado.

“Em Montenegro, na fábrica de tratores, estamos investindo milhões de dólares, para ampliar a fábrica, prepará-la para trazer novas tecnologias. Construímos um novo almoxarifado, o mesmo em Horizontina, investindo milhões de dólares, para assegurar de que estamos trazendo as melhores tecnologias”, destacou.

Carrere não deu detalhes sobre esse investimento em Horizontina. O último anunciado para a fábrica foi em 2023, de R$ 145 milhões. Já na fábrica de Montenegro, este ano a empresa anunciou que aplicaria R$ 230 milhões até 2026, em novas linhas de produção para localização de componentes, ampliação de área de armazenagem, assim como áreas internas.

O executivo também lembrou que o projeto de Indaiatuba, que vai ser inaugurado em dezembro, consiste no “primeiro centro de desenvolvimento de tecnologia do Hemisfério Sul”. Lá, estão sendo investidos R$ 180 milhões.

Outro anúncio recente foi o aporte de R$ 700 milhões na fábrica de Catalão, em Goiás, para passar a produzir no Brasil pulverizadores com tecnologia de inteligência artificial já acoplada.

“Os investimentos que fazemos são a longo prazo, em fábricas, que estarão aqui nos próximos 10, 20, 50 anos”, disse Carrere.
Ele explica que investimento em capacidade e corte de despesas são feitos em paralelo. “Como está no momento de baixa, estamos ajustando os custos que vão impactar no curto prazo”.

O VP da John Deere acredita que a demanda por máquinas, em 2025, seguirá “similar” ao que vem ocorrendo este ano. “Mas estamos nos preparando para quando exista o momento da demanda maior. Seja em 2026 ou 2027, já vamos estar preparados. Não pode fazer o movimento quando mercado retoma, precisamos fazer antes”.

Carrere, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, e os times dos dois parceiros: sociedade para ampliar crédito para o setor

Enquanto isso, para seguir superando os desafios do momento, a John Deere vai buscando estratégias. Uma delas foi a venda via consórcio com cartas já contempladas na Expointer. A outra foi mostrar o “trator colorido”, dizendo que seu sistema tecnológico é compatível com equipamentos de outras marcas.

No panorama de expectativa com maior oferta de crédito está também o recente negócio fechado entre Banco John Deere e Bradesco, disse o diretor de vendas da John Deere Brasil, Horácio Meza. “Esperamos maior volume e mais capilaridade, mas por enquanto nada mudou, esperamos a aprovação do Cade”.

O executivo é mais um que mudou de posição nos últimos meses. Ele substituiu Marcelo Lopes, que agora é diretor de Dealer Development da John Deere para a América Latina.

O presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, e uma equipe do banco chegaram a fazer uma visita presencial ao estande da John Deere na Expointer, na quarta-feira da última semana.

Se somados os investimentos nas fábricas e no centro de Indaiatuba, o valor a ser aplicado pela John Deere no Brasil seria de R$ 1,25 bilhão.

“Mas além das estruturas fabris, temos outros investimentos acontecendo que tem a ver com conectividade, 190 antenas esse ano no campo, atingindo 4 mihões de hectares, além do acordo com a Starlink”, lembrou Meza, sem revelar valores.

Para Antonio Carrere, o sentimento que fica nesta Expointer é a “resiliência do produtor sul-americano”. “Eles confirmam que vão plantar soja, milho, projeções de clima nesse momento são positivas. Não investem na mesma quantidade, mas seguem investindo. Isso traz energia pra continuarmos”.