“Brazil first!” Assim, em um inglês com sotaque indiano, Feroz Sheikh, Chief Information e Digital Officer do Grupo Syngenta, resume onde começa a estratégia de lançamentos de agricultura digital da multinacional de insumos agrícolas.

Com o seu principal centro de desenvolvimento global situado em Belo Horizonte – sede da antiga agtech Strider, adquirida pela Syngenta em 2018 –, onde mais de 250 pessoas se dedicam a desenhar e executar que será apresentado no futuro, a companhia cada vez mais fará do País a plataforma de lançamento de suas soluções nessa área.

Nesta semana, por exemplo, Sheikh deslocou-se da Suíça, QG global da Syngenta, para o calor de Ribeirão Preto, onde mostrou pela primeira vez a Balance, uma solução para auxiliar na gestão de propriedades rurais que passa a rodar dentro da Cropwise, a plataforma de agricultura digital da empresa.

Os produtores brasileiros serão os primeiros a ter acesso à ferramenta, que só nos próximos anos será customizada para a realidade de outros países.

Sheikh antecipou ao AgFeed que a ferramenta deve ser integrada, em um futuro breve, com uma solução de fintech, que pode permitir que os dados inseridos na Cropwise Balance contribuam para que o produtor obtenha crédito mais adequado à sua real condição financeira, possibilitando inclusive a oferta, por parte de instituições financeiras, de taxas mais baixas.

Sheikh também veio apresentar, em primeira mão, a Cropwise AI, tecnologia de inteligência artificial que será incorporada à plataforma em breve – e que está em testes inicialmente em propriedades rurais brasileiras e argentinas.

Essa plataforma é integrada ao Insights Engine, sistema digital de recomendações agronômicas da companhia, e utliza o modelo de linguagem da OpenAi, desenvolvedora do ChatGPT, para permitir aos produtores “conversarem” com a base de dados agronômicos da Syngenta e obterem, em tempo real, respostas a suas dúvidas.

No pipeline de Sheikh e seu time de inovação estão ainda, para um prazo não muito longo, uma ferramenta de detecção de anomalias a partir de imagens satelitais. Já há produtores brasileiros testando o produto, que, mais uma vez, será lançado aqui.

Uma versão dedicada á identificação de infestação por nematoides, a Nema Digital, também foi lançada na Agrishow, onde Sheikh concedeu a seguinte entrevista.

A plataforma Cropwise, até agora, tinha foco em recomendações agronômicas. Por que a empresa decidiu criar uma solução para gestão financeira das propriedades?
A CropWise é uma base de dados de gestão das fazendas e tem muita inteligência artificial que ajuda o agricultor a tomar diferentes tipos de decisões. Tivemos um foco muito forte em sementes e proteção de cultivos até agora. Mas uma das coisas que percebemos no ano passado foi que, para ajudar os agricultores a gerar recursos na sua propriedade, eles precisam de algumas ferramentas e capacidades adicionais. Foi aí que a ideia do CropWise Balance nasceu.

Como a solução agrega ao produtor?
O CropWise Balance ajuda os agricultores a gerir todos os recursos o que eles estão comprando, entender quanto tem de inventário, quando eles aplicam esses insumos ou usam suas máquinas. Assim, permite que enxerguem o custo total desses insumos e os benefícios associados a eles.

Ao entender a situação financeira do produtor, esses dados podem ser usados para a análise de risco em operações de crédito? Haverá integração, por exemplo, com a Syde (fintech da própria Syngenta)?
Nós temos isso como parte do roadmap, mas isso não está no lançamento da versão atual. Estamos, ao mesmo tempo, preparando uma solução Fintech. Nós começamos a rodar pilotos com alguns dos agricultores, em que ajudamos a gerar crédito disponível para eles. E a ideia é que, em algum momento, vamos integrar essas duas. Então, o dados da Cropwise poderão ajudar os agricultores a obter acesso a melhor crédito e soluções financeiras.

Quando isso estará disponível?
Provavelmente na versão 2. Mas, antes, queríamos ver a reação dos agricultores, ouvir o seu feedback, se ela soluciona os seus problemas ou não. E, uma vez que nós temos um bom controle sobre os recursos, nós podemos, obviamente, conectá-los aos serviços financeiros e ao crédito.

A Cropwise Balance só está operando no Brasil?
O lançamento global aqui no Brasil e é por isso que estou tão animado. O Brasil é um lugar muito especial para nossa estratégia digital. A Cropwise Balance é um exemplo disso. Aqui na AgriShowjá fizemos algumas assinaturas também. Muitos clientes estavam tão animados que começaram a se inscrever.

É uma solução aberta a qualquer produtor?
Não, ela é parte da nossa oferta digital como um todo.

A Syngenta está apresentando também uma solução de inteligência artificial. O que ela traz para o produtor?
É algo que estamos apresentando pela primeira vez no Brasil. E é aqui que nós vamos lançá-lo. O que mostramos agora é só um teaser para mostrar o que está vindo. O Cropise AI é basicamente um modelo de linguagem natural com inteligência artificial. Você pode fazer perguntas e ele dá respostas, conectado na base de dados
Insights Engine, que tem toda a capacidade de aprendizagem de máquinas.

Que tipo de perguntas ele consegue responder?
E ele me dá respostas, por exemplo, sobre qual produto, qual variedade, qual é a melhor solução disponível. Esta é uma versão beta ainda limitada a questões agronômicas. Estamos começando a experimentar e a apresentar a alguns agricultores. Mas depois deste ano, vamos lançá-lo no mercado. E, novamente, nosso alvo é o mercado brasileiro antes de lançá-lo em qualquer lugar. Estou muito animado por isso, acho que isso pode ser um divisor de águas.

A ferramenta de IA é proprietário ou você tem uma parceria com outras já pópulares, como o ChatGPT?
Esta é uma parceria. O modelo de linguagem natural é da OpenAI (criadora do ChatGPT). Temos uma parceria com a OpenAI. E os insights vêm da Cropwise.

O que mais está em seu pipeline de lançamentos? O que veremos em um o futuro próximo, além disso?
O outro novo módulo do Cropwise que estamos experimentando é a detecção de anomalias. O que essa ferramenta faz é usar imagem satelital para olhar o campo. E, em um nível de pixel, ela pode detectar o que está acontecendo. Então ela pode alertar o agricultor com esses problemas, dizendo, por exemplo, o que parece ser uma infestação de nematódes, uma infecção fungal ou qualquer outro tipo de anomalia. E isso é parte do próximo lançamento que temos.

Já há um produto voltado para nematoides, não?
Lançamos recentemente o Nema Digital, que é a detecção do nematóides com a imagem satelital. Ela usa essas imagens e vai para trás, por muitos anos, para olhar a comparação histórica e desenvolver uma previsão de que parte do campo tem infestação. E, assim, ela pode criar uma prescrição de valor variável para ajudar os agricultores a lidar com esse problema.

Essas soluções estão integradas com as máquinas agrícolas?
Sim, temos integrações da Cropwise com muitas grandes empresas de maquinaria e continuamos adicionando mais. Recentemente anunciamos a integração com a Case New Holland. Em algumas partes do mundo, nós temos integração com a John Deere e estamos trabalhando para fazê-la disponível globalmente. No Brasil, nós já temos.

Qual a área já coberta pela plataforma?
Globalmente, nós temos 100 milhões de hectares. Isso inclui o Cropwise, mas também outras soluções do grupo Syngenta, como as que nós temos na China.

E no Brasil?
No Brasil, especificamente, são 8 milhões de hectares.

No ano passado, a estrela do Cropwise na Agrishow foi a exposição de um robô agrícola da Mineral (empresa de agricutlura digital da Alphabet, holding dona do Google) foi um robô de minerais. Essa parceria evoluiu?
O robô que foi mostrado era um aparelho que nos ajuda a coletar imagens. Esse robô tem câmeras dentro dele. Então, quando o robô anda sobre um campo de milho ou de soja, ele faz imagens da câmera. Mas ele não é a solução final. Nós usamos os dados e as imagens que ele colhia para desenvolver a inteligência artificial que pode reconhecer o que é soja, por exemplo, e o que é uma planta daninha.

Esse trabalho contuinua sendo feito?
Nós já coletamos a quantidade suficiente de dados. Nós temos, eu acho, mais de 20 terabytes de dados. Agora, estamos usando isso para desenvolver a inteligência artificial. É esse trabalho que continua em progresso. Nós ainda não estamos prontos para lançar o produto resultante dele ainda, porque treinar esses modelos em diferentes geografias leva tempo. Esperamos que, em breve, nós alcançaremos um nível de confiança e acurácia que nos permita trazer como parte das soluções Cropwise e outras ofertas no mercado.

A ideia é usar o robô para fazer a detecção de daninhas, por exemplo?
Eventualmente, sim. Mas poderíamos fazer isso com um drone ou um celular. No final do dia, o que estamos falando é sobre desenvolver essa rede neurônica que pode ajudar a identificar soluções para problemas no campo. Se um agricultor for a campó e tira uma foto ou fizer um vídeo, poderemos mostrar onde a daninha está.

Com a integração ao Cropwise, isso geraria recomendações de uso de defensivos ou herbicidas?
Sim. Nós estamos desenvolvendo a solução que pode detectar a semente e que pode, então, ajudar os agricultores a decidirem o que fazer com ela. Em termos de aplicação de herbicidas, isso pode levar a uma prescrição de taxa variável. Existem outras empresas, como John Deere ou GreenEye, que estão desenvolvendo uma aplicação em tempo real. Esse não é o alvo para nós.

Como é a contribuição do Brasil no desenvolvimento e testes dessas novas tecnologias?
O nosso maior time de inovação digital está aqui no Brasil. Aqui, em Belo Horizonte, nós temos mais de 250 pessoas. As pessoas que vieram do Strider e um pouco mais. Vemos o Brasil como um grande mercado e uma das populações mais inovadoras de agricultura. Na Agrishow, tive a oportunidade de interagir com muitos dos nossos clientes e algumas das associações de negócios também. E eles estão todos muito avançados. Eles estão procurando adotar novas tecnologias. Então, faz sentido para nós ter o nosso maior centro digital no Brasil. É aqui que nós tentamos novas tecnologias, incubamos e depois levamos para o resto do mundo. Claro, nós temos outros times nos Estados Unidos, bem como na Europa e na Índia. Mas é o Brasil primeiro.

O desenvolvimento é feito para as nossas condições e depois adaptado às condições de outros países?
Nós recebemos muitas inovações que nós desenvolvemos aqui para o mercado brasileiro. Cropwise Balance e Cropwise AI são exemplos do foco no mercado brasileiro.

O conceito é de que o Brasil tem um ambiente mais complexo, então se funciona aqui, funciona em todos os lugares?
Sim. Aqui existe complexidade, existe tamanho. E o que acontece é que essa escala nos permite realmente maturar e aperfeiçoar as tecnologias. Quando você vai a mercados pequenos, você não tem essas mesmas condições. O tamanho e o nível tecnológico do agro no Brasil nos ajuda a melhorar a tecnologia.

Como eu disse, para nós muito disso é o Brasil primeiro. A inovação que nós fazemos, os lançamentos que nós fazemos, nós fazemos primeiro aqui. E qualquer coisa que nós desenvolvemos globalmente, também trazemos para o Brasil.

No Cropwise Balance, a plataforma foi construída com base nas nossas especificações, na forma como nossos produtores operam, e depois será adaptada ao modelo de produção em outros locais?
Sim, quando nós levamos o produto para outro país, então, obviamente, temos que adaptá-lo para as práticas locais. Uma coisa que nós sabemos muito claramente é que um tamanho não cabe para tudo. Se nós tivéssemos apenas um jeito no qual o Cropwise funciona e levássemos para diferentes mercados, isso nunca funcionaria.

A segunda coisa importante é que não são apenas as práticas, mas a agronomia também é diferente. Enquanto eu estava vindo para a AgriShow, eu olhei para algumas das terras nesta área. É aquela terra com cores vermelhas lindas. De onde eu venho, na Índia, é outro solo único, preto, muito fértil e muito bom. Precisamos garantir que, quando levamos nossos modelos de AI para lá, nós calibremos nossos modelos de aprendizado de máquinas e inteligência artificial para trabalhar com aqueles solos, aquele clima, as variedades que estão no mercado.

Vocês estão trabalhando em modelos para análise de solo?
Sim. Na agricultura, obviamente, tudo depende do solo. Toda a fertilidade, rentabilidade do produtor e as práticas de gestão dependem da qualidade do solo. Tomamos uma decisão estratégica de ajudar a regenerar os solos, com programas como o Reverte, no Brasil. Temos novos estudos nessa área em nosso laboratório de pesquisa na Suíça, onde nossos cientistas estão desenvolvendo novos produtos para medir o microbioma da terra e as propriedades físicas e químicas da terra e usando imagem satelital para identificar essas propriedades, a umidade do solo e assim por diante.

Seria uma ferramenta digital com uso com imagen de satélites?
Usando imagem satelital, além de dados sensoriais. Temos integrações com muitos sensores de solo, que nos dão dados de grande granularidade, usados para fazer aprendizagem de máquinas similares. Desenvolvemos várias análises importantes sobre a fertilidade do solo.

Isso já está disponível ou em desenvolvimento?
Isso está em desenvolvimento. Estamos rodando pilotos atualmente em áreas de teste no Brasil e na Argentina e, uma vez que esteja pronta a aprendizagem de máquinas, vamos integrá-la à plataforma Cropwise. Talvez ano que vem, quando eu vier aqui novamente, possamos apresentar a solução de saúde do solo da Cropwise.