Os dois anos entre a primeira operação de financiamento coletivo em pecuária do Brasil (de R$ 1,350 milhão, feita pela Boi Pec), em maio de 2020, à última, lançada no início de maio (de R$ 2 milhões, pela Luma Agropecuária), parecem ter sido suficientes para acabar com a estranheza do setor com o o termo em inglês crowdfunding.

A captação de recursos para investir na compra de animais tem sido uma alternativa de pecuaristas para driblar juros altos em operações com prazo mais longo de retorno. E as plataformas que viabilizam essas operações acreditam que o potencial da pecuária está apenas se abrindo.

A Bloxs Investimentos, que estruturou tanto a “vaquinha” virtual da Boi Pec quanto a da Luma, mantém a proa nessa categoria, ainda considerada de investimentos alternativos, depois de abrir o mercado para outras empresas entrarem em setores mais de nichos, como captações para startups.

Não é difícil entender por que essas emissões, seja no modelo de dívida seja em equity, estão resultando em cases de sucessos, tanto para as empresas que captam recursos quanto para os tomadores.

Guilherme Danelli, head de Expansão da Bloxs, explica que médias e até pequenas empresas não têm acesso ao mercado de capitais – “projetos de menos de R$ 100 milhões os bancos nem olham” -, e para que cresçam através do crédito bancário a barreira dos juros torna os empreendimentos proibitivos.

“Com bons projetos, garantidos por instrumentos legais da CVM [Comissão de Valores Mobiliários], em setores de rentabilidade, os investidores que procuram diversificar portfólio acabam encontrando boas oportunidades porque também os proventos acabam sendo superiores aos dos papéis tradicionais”, diz o executivo. Além disso, isentos de Imposto de Renda.

No caso da Luma, por exemplo, essa foi a segunda operação de crowdfunding. E, desta vez, pela “pioneira” Cédula de Produto Rural Financeira (CPR-F), que oferece a oportunidade de liquidação financeira pelo valor do aporte do investidor, em caso de problemas do emissor.

A empresa de Montes Claros (MG) foi ao mercado com o propósito anunciado de buscar “sócios” para a compra de 300 vacas angus-nelore para seu negócio de cria. Espera pagar 20,05% a cada seis meses, ou seja, acima do CDI, pelo prazo de cinco anos.

Do total de 75 emissões de investimentos coletivos, a Bloxs já buscou “sócios” para 24% dos projetos do macrossetor agro – o segundo setor em quantidade -, sendo que a pecuária está na liderança, com 10 até o momento.

São as únicas operações de financiamento coletivo em boi que se conhece, informa a casa de investimentos.

Nas contas exatas, a soma dessas captações para a cadeia bovina chegou a R$ 22,757 milhões, completa o head de Expansão do Bloxs Group, atualmente também diversificado em negócios mais tradicionais como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Imobiliários (CRI), entre outros.

Na visão de Guilherme Danelli, o setor pecuário tem despontado na liderança do crowdfunding também porque os projetos acabam envolvendo marcas conhecidas de criadores e já “amarradas” em acordos comerciais com os outros elos da cadeia. Frigoríficos exportadores, com mercado garantidos, entre eles.

O ciclo pecuário é o mais longo do que qualquer outro do agronegócio, à exceção dos de florestas plantadas, daí que com retorno mais aprazado não é bom negócio para o produtor ficar amarrado aos bancos ao sabor de juros voláteis acima da taxa Selic sobre os empréstimos.

Por outro lado, continua Danelli, esse mesmo ciclo longo é interessante para o investidor porque ele assegura rendimentos garantidos por mais tempo com valor de entrada relativamente baixo.

O valor da cota da Luma, por exemplo, é de R$ 5 mil e em pouco tempo de registro na CVM já havia captado R$ 380 mil, informa o diretor do grupo, Thiago Vinícius Lopes. Na primeira emissão da empresa, há dois anos, R$ 1,8 milhão foram arrecadados em cinco dias, complementa.

Apesar das instabilidades do mercado, a exemplo do recente episódio de “vaca louca” que deprimiu os preços com o embargo das exportações a China, ou do excesso de oferta atual, que também está desbancando as cotações, a pecuária ainda é rentável para criadores bem ajustados no setor.

Carlos Pimenta, da Boi Pec, a dona da primeira operação do gênero, e que atua em confinamentos no Mato Grosso, diz que com os R$ 1,305 milhão captados comprou bois magros de 13 arrobas e os vendeu com 20 no mercado a termo, negociados antecipadamente. Já o executivo da Luma diz estar conseguindo ágio atualmente com seus bezerros de R$ 450, vendidos a R$ 2,250 mil cada.