Tempo de supersafra no campo, clima de recuperação na Bolsa. Na sucessão dos ciclos do agronegócio, uma mudança de tendência tem trazido um novo humor para os investidores, que em 2024 ficaram mais avessos aos fundos ligados ao setor.
E eles voltaram. De janeiro até a primeira quinzena de maio, a maior parte dos Fiagros da B3 viu suas cotas recuperarem valor na Bolsa. Ainda longe de seus dias de glória, o setor estancou o sangramento visto ao longo do ano passado e começa a enxergar perspectivas de ganhos significativos em 2025.
Um levantamento feito pelo AgFeed, a partir de dados compilados pela Quantum Finance e pela Grana Capital, mostrou que a maior parte desses fundos viu as cotas valorizarem dois dígitos desde então.
Em universo que considerou os 25 fundos com mais liquidez, 22 viram suas cotas subirem de valor acima de 10% no acumulado do ano, até 14 de maio.
O fundo com maior rendimento no ano é o SFI Investimentos do Agronegócio (IAGR11), com retorno de 48,86% até 14 de maio. Na sequência, vem o XP Crédito Agrícola (XPCA11), que avançou 33,62%, seguido pelo Fiagro da Capitânia (CPTR11), que subiu 27,85%.
O movimento acompanha um bom humor do mercado de renda variável. O Ibovespa, por exemplo, principal índice de ações da B3, fechou acima dos 140 mil pontos nesta semana.
Como o fluxo de crédito para o setor não pode parar, o mercado se ajustou e, além da valorização das cotas dos fundos listados, assiste à criação de fundos privados para financiar o setor, incluindo até agentes governamentais.
E ganhou uma nova perspectiva a partir de uma decisão anunciada esta semana, com uma flexibilização anunciada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que permite que cooperativas agrícolas possam constituir Fiagros.
Com a mudança, os próprios cooperados, além de clientes, fornecedores e funcionários das cooperativas, poderão ser investidores desses fundos.
A medida permite que os Fiagros adquiram títulos emitidos pelos produtores e mantenham a cooperativa como administradora do fluxo de caixa, armazenagem e venda dos produtos para liquidação junto ao fundo.
Na prática, as cooperativas poderão concentrar parte relevante de suas operações via Fiagro, o que garante mais previsibilidade de financiamento e oferta de recursos para os cooperados, explicou a FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), em nota.
Para Octaciano Neto, sócio fundador da Zera.Ag e especialista em operações do mercado de capitais voltadas ao agro, por mais que não seja possível mensurar a demanda de crédito de todas cooperativas do País, a medida pode trazer uma disrupção para o segmento.
“Imagina uma cooperativa montando seu fundo, em que seu cooperado investe o dinheiro e esse recurso é utilizado para investir na própria cooperativa. Isso muda o jogo das corretoras, porque tira o percentual recebido na distribuição por elas”, disse ao AgFeed.
Outro aspecto que pode mudar, segundo Octaciano Neto, é a destinação de recursos desses produtores, que hoje aplicam capital em cooperativas de crédito, e podem aplicar diretamente na cooperativa na qual faz parte.
Animação com o mercado listado
Instituído em 2021, o setor de Fiagros hoje já soma mais de R$ 40 bilhões em patrimônio líquido, segundo dados da Anbima. Porém, o que foi uma euforia nos primeiros anos se mostrou um desafio em 2024.
O cenário de recuperações judiciais no setor, que tem seu caso mais emblemático na RJ da Agrogalaxy em setembro passado, assustou os investidores e os fundos agro listados na B3 viram suas cotas derreterem. Até aqueles que não tiveram problemas de inadimplência no portfólio acompanharam o movimento, que parece ter cedido em 2025.
Então, por que o mercado dos Fiagros listados sobe em 2025? Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset, acredita que o mercado de Fiagros é correlacionado ao momento do agronegócio como um todo.
Isso porque grande parte dos investidores não conhece a fundo o setor agro e, por isso, está sujeita ao cenário superficial das notícias divulgadas a respeito. Portanto, se o que chega sobre o agro à população em geral é positivo, os fundos veem suas cotas subirem.
“A safra foi boa e entregou boas margens aos produtores. Não foi uma megasafra, mas não foi desafiadora como as anteriores e permitiu que os produtores, com fluxo de caixa, se organizassem e colocassem tudo nos trilhos”, diz.
“Isso fez com que a ‘Faria Lima’ e alguns investidores deixassem uma ‘disfuncionalidade’. No ano passado, fundos que não tomaram inadimplência no portfólio caíram 10% e quem tomou caiu 30%”, acrescenta Duarte.
O executivo acredita que mesmo nos fundos que registraram problemas de inadimplência, a queda foi desproporcional. No Fiagro da gestora JGP, por exemplo, que tinha 8% do portfólio exposto à CRAs da Agrogalaxy, a queda chegou a ser de 50%. “8% não é pouco, mas não é 50%”, afirma o diretor da Suno Asset.
O fundo que ele gere, o SNAG11, não teve nenhum caso de inadimplência e, mesmo assim, viu suas cotas saírem de R$ 9,96 no primeiro dia de outubro para R$ 9,01 no último pregão de 2024, uma baixa de 10%. De janeiro até o meio de maio, a cota do fundo valorizou quase 5%.
“O mercado vai se corrigindo. O investidor desesperado já saiu lá atrás e quem ficou foi quem teve sangue frio ou estava desinformado. Hoje a indústria está em recuperação, mas as cotas ainda não bateram o auge de 2024, quando a maior parte negociava com ágio. O mercado ‘despiorou’”, avalia Vitor Duarte.
Marcio Takaya, gestor da Sparta, analisa que as dificuldades do agro entre 2023 e 2024 foram vistas principalmente nos produtores de grãos, situação que melhorou em 2025. “Vimos margens melhores e uma produção sem quebras de safra em áreas importantes”.
Segundo ele, essas notícias melhores interferem não só no ânimo dos produtores, mas em toda a cadeia do agro, como revendas e fornecedores.
Acontece que, além do agro, o cenário macroeconômico impacta o mercado financeiro, e consequentemente, os Fiagros.
“Começamos 2024 projetando juros abaixo de 10% e terminamos acima de 12%, com uma trajetória de alta persistindo na Selic. Para o investidor que olha os retornos, é maravilhoso, mas isso implica em riscos maiores”, afirma Takaya, da Sparta.
Na Sparta, a estratégia é mais conservadora, explica o gestor, argumentando que num momento em que o custo do dinheiro está mais alto, pode fazer sentido para o investidor.
“Somos uma casa de crédito privado high grade. Mesmo sem ofertar uma maior remuneração, trazemos um risco de crédito menor, o que não é diferente no nosso Fiagro. Enquanto alguns perseguem no mercado uma remuneração de CDI +5%, nosso retorno ronda o CDI +2%”, acrescenta.
Na gestora, o fundo CRAA11 sobe 5,40% no ano. Apesar da melhora no setor de Fiagros como um todo, ainda há cautela.
A própria Sparta chegou a anunciar um follow-on de R$ 200 milhões para seu fundo em novembro do ano passado, mas voltou atrás com o mercado mais desafiador. “Fizemos a oferta, e no momento que anunciamos, o mercado piorou. Já revogamos o follow-on”, diz.
Um gestor de um Fiagro listado na B3 disse ao AgFeed que não vislumbra nenhum follow-on ou IPO de um novo fundo nos próximos meses. Para ele, isso deve acontecer no momento em que a cota negociada na Bolsa se equipare ao valor da cota patrimonial.
No mercado de capitais, uma forma de avaliar se uma ação ou cota de fundo está cara ou barata, é dividir o valor negociado em Bolsa do ativo pelo seu VPA, o valor do patrimônio líquido da empresa (ou de um fundo) dividido pela quantidade de ações (ou cotas) que possui.
Dessa forma, se a divisão resultar num número maior que 1, significa que o fundo está sendo negociado por um preço acima do seu valor patrimonial. Se estiver igual a 1, significa que está num "preço justo", negociando exatamente no mesmo valor de seu patrimônio.
Se estiver abaixo de um, significa que a cota está "descontada" frente ao que o fundo vale. É nesse último cenário que a maior parte dos Fiagros está.
No levantamento realizado pelo AgFeed, os 25 fundos estão com esse deságio. O maior deles fica com o Fiagro da Galápagos, que vê sua cota valer 41% menos do que “deveria”.
Na sequência, os maiores deságios ficam com o Fiagro da SFI Invest, que mesmo com a alta na cota, ainda está 38% descontado, e com o fundo agro da gestora JGP, com deságio de 34%.
Os fundos com menor deságio do levantamento, ou seja, aqueles que negociam próximo ao valor justo, são os dois fundos da gestora Kinea (KNCA11 e KOPA11) e o SNAG11, da Suno. Os três Fiagros possuem um desconto de cerca de 4% em relação ao valor patrimonial.
Aposta em fundos fechados
Fora do balcão de negócios na B3, Fiagros ou FIDCs focados no agro continuam a ganhar espaço. Bruce Phillips, head de agro da Fator, disse ao AgFeed no final de 2024 que 2025 seria marcado por “arranjos criativos” no mercado de Fiagros neste ano.
Ele apostava que, com o investidor pessoa física deixando de destinar recursos a fundos do agro listados na Bolsa, dado o cenário de baixa que eles enfrentam, o foco pode ser direcionado aos investidores profissionais.
Algumas casas, de fato, apostaram nesse caminho. O banco BTG Pactual, por exemplo, captou R$ 500 milhões em um Fiagro-FIDC, mostrando uma demanda aquecida, já que a oferta inicial era de R$ 400 milhões.
O fundo, que foi anunciado em janeiro, tem duas subdivisões, compostas por ativos de crédito em múltiplos setores de toda cadeia produtiva do agronegócio como CPR, CRA, CCE, CDCA e CDA/WA.
O banco de André Esteves ainda se uniu com o Banco do Nordeste (BNB) para um Fiagro de R$ 500 milhões. O veículo entra como uma alternativa ao banco estatal, que opera principalmente com linhas de crédito incentivadas.
Ainda no primeiro trimestre do ano, o Banco Daycoval e a Möbius Capital anunciaram o início da oferta pública primária de um Fiagro Imobiliário de até R$ 170 milhões, também com foco em investidores profissionais.
No começo do ano, Paulo Fleury, sócio da gestora eB Capital, revelou ao AgFeed que a empresa deve seguir essa estratégia dos fundos privados, sem negociação em Bolsa.
"Migra-se do Fiagro de 'cota única', listado em bolsa, para outros tipos, indo mais pro FIDC, que é estruturado e conta com outras garantias", afirmou Fleury na entrevista ao AgFeed.
"É para essa linha que estamos migrando. Sou um super defensor do setor e da indústria de Fiagros e acho que tem muita coisa boa no mercado".
Diferente da "cota única", que define o modelo de Fiagro listado em Bolsa, onde todos os investidores têm os mesmos direitos e compartilham igualmente os riscos e os lucros, de forma simples e direta, os FIDCs permitem arranjos com com cotas seniores, mezaninos, subordinadas, diluindo o risco e garantindo o crédito na ponta final. Ao mesmo tempo, atrai investidores de perfis variados.
Foi nessa estratégia que governos estaduais também estrearam seus veículos do tipo em 2025, mesclando capital de investidores privados e recursos do caixa do Estado. Nas terras paranaenses, o fundo agro nasceu com R$ 350 milhões, na expectativa de alavancar R$ 2 bilhões no mercado.
No lançamento do Fiagro paranaense na B3, no início de abril, o governador Ratinho Júnior ainda acenou com mais quatro Fiagros com o mesmo formato, que podem levar, segundo estimativas de sua equipe, R$ 14 bilhões ao setor agropecuário paranaense. Por lá, a ideia é financiar o agro local com recursos destinados somente para Capex, privilegiando a indústria paranaense.
Na prática, os recursos fomentam empresas locais que atuam com máquinas agrícolas, caminhões, silos e pivôs de irrigação, por exemplo.
Já em São Paulo foram lançados 2 FIDCs, que segundo Guilherme Piai, secretário de agricultura do estado, podem trazer R$ 600 milhões ao agro paulista.
"Serão R$ 600 milhões distribuídos entre dois FIDCs, um para biocombustíveis e outro para logística rural, somando R$ 115 milhões. A Desenvolve São Paulo entra com R$ 50 milhões para os programas Agromáquinas SP, com juros muito acessíveis, abaixo do mercado", afirmou ao AgFeed no início do mês.
Também estão no pacote R$ 100 milhões destinados ao seguro rural, que representaria um volume recorde para o estado, segundo o secretário. "No ano passado a gente alcançou 21 mil produtores com esse valor e 85% dos municípios do estado".
Vitor Duarte, da Suno, acredita que quando um canal está “impedido”, se referindo aos fundos listados, os investidores migram o capital para esses outros tipos de fundo. Esse impedimento inclui principalmente o deságio dos fundos listados.
Para ele, seja um Fiagro listado, cetipado (aquele que negocia suas cotas num balcão organizado na B3 e não no pregão tradicional) ou exclusivo, o fluxo de recursos para o agro continua.
“É bem verdade que o montante diminuiu. Os Fiagros captaram muitos bilhões de reais muito rápido e agora isso desacelerou. Na medida em que os juros se estabilizarem, e acredito que estamos perto disso, e o sentimento sobre o agro se acalmar, os Fiagros vão voltar a fazer novas emissões”, projeta.
Ensinando o agro à Faria Lima
Questionado se existe um espaço para a sazonalidade do agro não respingar com tanta intensidade no setor de Fiagros, Duarte, da Suno, acredita que não é possível descorrelacionar, mas mudar a sensibilidade do investidor.
“O investidor ainda tem um perfil urbano. Ele olha um prédio na cidade, que faz parte do portfólio de um FII, e como vê que não há incêndio e que o edifício está de pé, é mais fácil de tangibilizar o risco”, diz, relacionando o setor de Fiagros com o de fundos imobiliários.
Ele acredita que a Faria Lima precisa “fechar o gap informacional” que existe entre o que é o agro, o que é um problema sazonal, o que é um problema estrutural, e o investimento de longo prazo que os fundos se propõe a levar aos cotistas.
“Sou do Espírito Santo, e estou acostumado com pequenos produtores e a lógica rural de anos bons e ruins se alternando”, diz, projetando que, com o tempo, o investidor vai conseguir ter essa tranquilidade também no agro.
Resumo
- Notícias de “supersafra” e melhora no ambiente financeiro do agro animam investidores da Faria Lima, que voltaram a comprar cotas de Fiagros
- Apesar da melhora da percepção do setor, alta de juros ainda freia recuperação completa e novas emissões devem ficar para depois
- Instituído em 2021, o setor de Fiagros hoje já soma mais de R$ 40 bilhões em patrimônio líquido, segundo dados da Anbima.