Uma das principais bandeiras do agro (e do próprio governo brasileiro) durante a COP 28, o ambicioso programa que propõe a conversão de mais de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, tem uma condição essencial para dar certo: a viabilidade prática das operações de financiamento aos produtores rurais.

O que ainda pode ser um desafio para instituições financeiras, no caso da agfintech Traive já está sendo considerado um negócio, com chances de desembolsar, ainda em 2024, um total de R$ 2 bilhões em crédito para produtores que queiram transformar pastos em lavouras ou simplesmente recuperar a área degradada, obtendo pastagens de alta qualidade.

Em entrevista ao AgFeed, o diretor de riscos da Traive, Luís Lapo, contou que desde julho de 2022, quando ninguém ainda falava do assunto, a empresa se dedicou ao desenvolvimento de um modelo específico para este tipo de operação.

"Desenvolvemos uma modelagem de risco de crédito para conversão de áreas degradadas e não é trivial fazer isso. Afinal, é um investimento de pelo menos sete anos, com dois anos de carência", explica Lapo.

O executivo da Traive diz que a operação chega a ser similar ao crédito imobiliário, quando uma obra vai sendo realizada e o dinheiro liberado. "Fizemos a mesma coisa, com a modelagem econômico-financeira da Traive. Nesses projetos, coloca-se condições de como o produtor precisa obter os recursos, como vai alocar ao longo do tempo e como ele pagará por isso".

No caso da conversão de pastagens degradadas em lavouras, a operação é ainda mais complexa, segundo ele.

"O produtor fica recebendo por dois anos até ter a primeira receita. Faz a limpeza da área, preparo do solo, planta o capim, porque não dá para plantar soja de imediato. Somente no segundo ano vem com alguma cultura e, ainda assim, com produtividade baixa. Ele precisa receber do financiador os recursos com fluxo de caixa e juros adequados", diz Lapo.

Na outra ponta está o investidor, que não está dando dinheiro a fundo perdido. "É um banco asiático ou americano. Ele quer receber o dinheiro de volta e aí começa a complicar. É onde entra o nosso papel: encontrar bons produtores do ponto de vista do risco de crédito. Produtores que já estejam em compliance com a legislação brasileira, sem nenhum embargo, por exemplo”, explicou o diretor da Traive.

No caso da transformação de áreas degradadas em pastos produtivos, o investimento necessário é menor, se comparado ao que envolve a agricultura. Apesar de a operação ser mais fácil, segundo a Traive, o risco socioambiental é maior na pecuária.

"A legislação não é tão sofisticada e a rastreabilidade do rebanho, por exemplo, ainda não é exigida por lei no Brasil, como ocorre em países como Austrália e Uruguai".

A Traive tem entre os investidores a Minerva Venture Capital, que identificou como um dos desafios na pecuária a dificuldade de comprovar que o boi não passou por áreas embargadas ou indígenas, nem por fazendas com desmatamento ilegal.

"Essa é uma adicionalidade que a Traive trouxe", destaca Luís Lapo. A empresa trabalha com uma consultoria especializada que ajuda o pecuarista a implantar a rastreabilidade e, assim, ficar apto a obter o financiamento.

Financiamento em dólar

A Traive já está financiando a conversão de áreas degradadas em propriedades rurais da região Centro-Oeste, para produtores com área a partir de 500 hectares.

As linhas de financiamento oferecem dois anos de carência e mais cinco anos para pagar. As taxas de juros, segundo Lapo, estão em cerca de 11% ao ano, em dólar.

"São mais caras porque realmente é um piloto, mas a tendência é diminuir esse custo, principalmente quando as operações ganharem escala", ressalta.

O parâmetro para concessão dos financiamentos em dólar é a chamada taxa SOFR, referência internacional para os juros, que até 2022, estava mais baixa e chegou a viabilizar operações com 6% ao ano, mas que no final de 2023 estava mais alta.

Até agora foram liberados cerca de R$ 50 milhões nas operações “piloto”, mas a expectativa é de aumento significativo este ano.

"Esperamos que em 2024 possamos chegar, com operações atreladas a financiamentos de pecuaristas com rastreabilidade, a R$ 2 bilhões. O mercado, como um todo, deve movimentar R$ 50 bilhões em projetos específicos para esse fim, incluindo lavoura e pasto", prevê Lapo.

O programa nacional de conversão de pastagens degradadas, lançado pelo Ministério da Agricultura durante a COP 28, tem meta de recuperar 40 milhões de hectares. Desde o ano passado, o AgFeed tem destacado iniciativas do governo para tentar atrair grupos internacionais que ajudem a conceder financiamentos subsidiados aos produtores que tiverem interesse nesses projetos de conversão.

Lapo estima que o investimento para converter pasto degradado em lavoura seja, em média, de R$ 16 mil por hectare, mas diz que em alguns casos já em andamento o custo chegou a R$ 20 mil. "Portanto, um produtor que queira converter 1 mil hectares precisaria de R$ 16 milhões, é um investimento alto”.

Na opinião de Lapo, o governo tem um papel importante para criar um ambiente institucional propício para a vinda destes investimentos, mostrando que é possível dobrar a produção de alimentos com a recuperação destas áreas.

"Mas, para virar realidade, é necessário que as empresas no Brasil tenham capacidade de execução deste projeto. Nós conseguimos fazer a análise de crédito, acompanhar a rastreabilidade e ter um papel consultivo”, diz.

A expectativa é de que pequenos e médios produtores rurais também possam ter acesso aos recursos, segundo a Traive.

"Neste caso, estamos nos preparando para atender em larga escala, por conta do uso de tecnologia. Em minutos já é possível avaliar um CPF, um grupo econômico, ter um primeiro cheiro do risco de crédito dele. É muito mais rápido", afirma.

Alguns bancos já vêm oferecendo linhas de crédito específicas para a conversão de pastagens degradadas. Porém, segundo Lapo, muitos ainda enfrentam esta dificuldade na mensuração do risco, o que deixa o financiamento muito caro ou então exclui produtores que, na prática, estariam aptos a tomar o recurso.

A recomendação aos produtores rurais interessados é de que procurem suas revendas de insumos, que operam a modalidade com a Traive, uma empresa B2B que não tem as fazendas como clientes. Mais adiante, é possível que instituições bancárias também passem a oferecer linhas semelhantes em real, mas o projeto ainda é considerado muito novo, com poucas informações disponíveis nos bancos tradicionais.

Nos projetos de pecuária, a rastreabilidade é obrigatória. "Nós acreditamos que este financiamento mais competitivo vai servir de catalisador para promover mudanças, condicionando a liberação do dinheiro para quem já tem as melhores práticas”.

Ele afirma que para rastrear 1 mil bois, são necessários R$ 20 mil de investimento. "Mas com esse rebanho ele consegue acessar R$ 1 milhão em crédito, ou seja, economiza em juros e tem menos dor de cabeça”, defende o executivo da Traive.