A agricultura sempre foi (e sempre será) uma atividade de risco, vulnerável aos humores do clima. O excesso de chuva faz mal para a colheita. Mas a falta dela atrapalha o plantio.

As mudanças do clima estão potencializando esses riscos, que elevam o custo de crédito e, ao mesmo tempo, fazem com que o produtor rural cada vez mais busque o mercado de seguros quando vê sua lavoura atingida

Percebendo a dificuldade dos produtores em acessar o mercado de seguros convencional, a startup Trag desenvolveu uma plataforma de mensuração de riscos climáticos que utiliza inteligência artificial – e agora vai contar um empurrãozinho financeiro para escalar sua tecnologia, ao fechar uma rodada de investimentos de R$ 2 milhões, liderada pela gestora de venture capital Domo.Vc, com participação de investidores anjo.

Até o momento, a Trag havia feito pilotos em culturas como cana-de-açúcar, café e milho safrinha e, há um pouco mais de um mês, lançou oficialmente sua tecnologia para começar a rodá-la no mercado na safra 2024/25.

A ideia da startup, criada em abril passado, é estimular a análise de risco climático no campo, mitigá-los, e com isso, contribuir para o fomento do mercado de seguros paramétricos, menos conhecido e acessado no Brasil em comparação com o seguro rural.

O seguro paramétrico funciona de forma mais prét-a-porter. Basicamente, como o nome já indica, essa modalidade trabalha com séries históricas de métricas, índices e parâmetros para aferir caso a caso os impactos de extremos climáticos.

Se chover muito em uma região, por exemplo, e os parâmetros de chuva para o período e para aquela localidade forem atingidos – conforme contrato prévio entre seguradora e segurado – a indenização sai de imediato, sem a necessidade de aferir a perda real, ao contrário do seguro rural, que exige a necessidade de verificação in loco nas propriedades antes de liberar a indenização. Na prática, o processo acaba sendo mais barato para a seguradora.

"O seguro tradicional é construído por médias (de produtividade), e não de forma individualizada. E nós sabemos que, no agro, cada produtor tem o seu manejo”, afirma Leonardo Maia, CEO da Trag.

“Cada área tem a sua necessidade hídrica, tem a sua nutrição histórica, propícia para aquela cultura. Não podemos generalizar cada produtor e cada área".

Há 15 anos atuando no mercado de seguros, Maia viu de perto as dificuldades de acesso dos produtores ao seguro rural. Como o seguro rural trabalha com médias gerais, quem produz mais e com melhor tecnologia acaba sendo penalizado pelas limitações do sistema, segundo ele.

"Um produtor, com boa produtividade, que produz 70 sacas de soja por hectare, por exemplo, encontra no mercado apólices que levam em conta a média. E dentro dessa média, o seguro tradicional não cobre 100%, cobrindo apenas 70% desse risco", afirma.

"Por que o produtor vai investir em um seguro em que o máximo que ele vai conseguir se proteger é uma quebra de 35 sacas, sendo que ele produz bem mais que isso?", questiona.

Nos últimos quatro anos, Maia foi CEO da Ceres do Brasil, uma corretora de seguros de Franca (SP), que tem produtos de gestão de riscos agrícolas.

Mais recentemente, há dois anos, vendo as dificuldades dos produtores em acessar o mercado, ele entendeu que precisava agregar tecnologia e inovação ao negócio e, em abril deste ano, lançou a Trag, em parceria com seu primo, Luis Ricci Maia, e mais dois sócios: Rodrigo Gandra, responsável por sales, Adriano Bacha, o diretor tecnológico.

A ideia, segundo ele, é oferecer a tecnologia da startup para que distribuidoras de insumos de grãos possam fazer a mensuração do risco de quem está comprando e possam contratar um seguro para se proteger, ou ainda ofertar o seguro paramétrico para o produtor.

“Nós não vamos querer só resolver a dor, o impacto climático, que é a quebra de produtividade. Nosso objetivo também é ir além, fazendo mensuração de risco e trazer um entendimento de risco climático para toda essa cadeia”, afirma Maia.

A startup quer alcançar principalmente médios distribuidores de insumos agrícolas com presença no Centro-Oeste e no Sudeste e que cubram uma área de mais de 100 mil hectares de seus clientes, com foco em grãos. A intenção é avançar de 20 mil hectares cobertos neste ano para 170 mil hectares em 2026.

O CEO da Trag pondera que as revendas ainda trabalham muito focadas em avaliar se o produtor é um bom pagador, mas deixam de lado o risco climático – que não pode ser desprezado, em sua avaliação.

“Quando chega a inadimplência, o fator clima é muito importante. Com a nossa ferramenta, é possível não ter mais esse tipo de problema ou mitigá-lo ao máximo”, afirma ele.

“Eu trago o conforto de risco climático para o produtor, eu trago um conforto de risco climático para quem está financiando esse produtor. E na terceira ponta, quando a gente fala em transferência de risco ou seguro paramétrico, eu vou conseguir trazer taxas de seguro mais baixas”, complementa Ricci Maia, o diretor de produto da startup.

No momento, sete distribuidoras de insumos estão implementando a plataforma, de acordo com Maia. Parcerias com seguradoras, resseguradores e corretores de seguro também estão no radar da startup, que também negocia a entrada nos mercados do Paraguai e Argentina.

Tecnologia

A plataforma, acessível via desktop, cruza diferentes tipos de dados de solo, planta e atmosfera, reunindo desde informações agronômicas como data de plantio, estrutura da planta e sementes utilizadas até indicadores de séries históricas de precipitação e temperatura. Esses números vão sendo consolidados diariamente.

"O cruzamento desses dados complexos com inteligência artificial faz com que a gente permita definições melhores, podendo customizar a operação e criando um "gêmeo digital" da lavoura", afirma Ricci Maia.

Todos esses dados têm origem em fontes públicas, de órgãos nacionais como a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e de agências da Nasa e da União Europeia.

A Trag se define como uma insurtech, categoria de startups que atuam no mercado de seguros trazendo inovação para o setor, tido como conservador.

A inspiração declarada dos fundadores é a startup americana Arbol, que também trabalha com soluções de risco climático e acaba de levantar US$ 60 milhões numa rodada de investimento de Mubadala Capital, o famoso braço de investimentos do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos.

“Em termos de proposta de valor, de experiência, é uma empresa que a gente tem bastante referência. Nós temos um relacionamento com eles, que se mostraram interessados também na operação”, diz Luiz Maia.

O case de sucesso da Arbol é importante para a Trag entender o seu lugar no mercado – que ainda nem existe e é um desafio para a empresa, na avaliação do diretor de produto da startup.

“Se você olhar, no ano passado, o quanto teve de contratação de seguro paramétrico (no Brasil), é um dado que você praticamente não consegue mensurar. A gente está no cenário onde é preciso ter muitas quebras de paradigmas e criar uma nova categoria de mercado”, afirma ele.

Franco Pontillo, sócio e general partner da gestora Domo.vc, tem uma opinião parecida com a de Maia.

“Acho que o grande desafio é justamente desbravar esse mercado, porque é um seguro novo (e a startup está) no meio do caminho entre os produtores e as seguradoras. Então, tem que fazer esse negócio de fato acontecer, né? Tudo faz tudo sentido, só que a execução e o mercado acontecer de fato (ainda) é um ponto de interrogação”, afirma.