O agronegócio é conhecido por ter índices de inadimplência ou de pedidos de Recuperação Judicial historicamente muito baixos. Mas depois do período de bonança entre 2021 e 2022, o ano de 2023 foi marcado pela “tempestade” que atingiu o setor e piorou bastante o cenário.
Levantamento feito pela Serasa Experian e divulgado nesta quinta-feira, 7 de fevereiro, mostra que os produtores rurais que atuam como pessoas físicas foram responsáveis por um total de 127 pedidos de recuperação judicial no ano passado. O número é mais de seis vezes maior que as 19 solicitações feitas em 2022.
A primeira edição desse estudo, publicada em primeira mão pelo AgFeed em dezembro passado, já mostrava a tendência de crescimento. Os dados reunidos de janeiro a setembro de 2023 indicavam, já naquele momento, um aumento de 300% nos pedidos de RJ.
Somente o primeiro trimestre do ano praticamente havia superado 2022 inteiro, com 17 pedidos. Mas no último trimestre do ano passado, período em que foram registradas fortes ondas de calor e chuvas abaixo da média histórica em regiões importantes do agronegócio brasileiro, houve uma aceleração nas solicitações de proteção dos devedores junto à Justiça, sendo o que teve maior número de pedidos em todo o ano.
Foram 47 pedidos de RJ entre outubro e dezembro do ano passado, contra 29 do terceiro trimestre, uma alta de 62% na comparação entre os dois.
Para Marcelo Pimenta, head de agronegócios da Serasa Experian, essa piora nos números de recuperações judiciais no agro já era esperada.
“Quando relativizamos a quantidade de recuperações judiciais solicitadas versus as milhões de pessoas que exercem atividade ligada ao agro, o número parece pequeno. Mas a velocidade em que essas solicitações vêm crescendo trimestre a trimestre é preocupante”, afirma Pimenta.
O levantamento da Serasa mostra que os produtores que mais solicitaram recuperação judicial foram aqueles que tinham maiores áreas com plantio de soja via análises de sensoriamento remoto. Depois vieram os pecuaristas e cafeicultores.
O perfil dos produtores que pediram recuperação mostra que os problemas atingiram todos os segmentos da cadeia. Os arrendatários, aqueles que não possuem propriedades rurais, tiveram o maior número, com 44 solicitações.
Mas esse perfil não ficou muito à frente dos grandes proprietários, que registraram 35 pedidos de recuperação judicial em 2023. Os médios proprietários tiveram 25 solicitações, e os pequenos registraram 23.
No que diz respeito à localização, a distribuição é mais previsível, com a concetração maior de pedidos de RJ nas áreas em que os efeitos do clima adverso foram mais sentidos. Assim, Mato Grosso e Goiás responderam, somados, por mais de 60% do volume total de pedidos de recuperação judicial em 2023, com 43 e 36, respectivamente. O cenário em Goiás é mais curioso, já que o estado registrou somente uma solicitação entre 2021 e 2022.
“Além das questões climáticas, que têm ocasionado as quedas de safra em diversas regiões e aumentado os desafios de manejo, o cenário econômico, tanto nacional como internacional, não contribuiu para a criação de uma estabilidade financeira no campo”, explica Pimenta.
Ele ressalta que o setor precisa de estímulos para regularizar seus compromissos financeiros, em um cenário de juros ainda altos e perspectiva de continuidade dos baixos preços dos grãos.
“Ainda assim, apesar do aumento, vemos que a maior parte do agro brasileiro tem conseguido superar barreiras e se manter produtiva sem arriscar sua reputação de crédito no mercado”, afirma o executivo da Serasa.
Assim como já havia ressaltado na divulgação da primeira edição do levantamento, Pimenta lembra que os indícios de piora do quadro financeiro dos produtores rurais que solicitaram RJ já poderiam ter sido notados pelos credores há mais tempo.
Segundo ele, a acompanhamento do Agro Score, ferramenta que monitora a capacidade de pagamento desses devedores, vinha se deteriorando, mas parece ter sido ignorada pelos credores.
“Identificamos que a maior parte dos pedidos de recuperação judicial é proveniente de decisões de crédito mal avaliadas nos últimos três anos”, afirma Pimenta. “Ou seja, quem solicitou recuperações judiciais em 2023 já apresentava um perfil mais arriscado do que a média da população rural desde 2020”.