O primeiro bilhão nenhuma empresa esquece. Mesmo que ela fala parte de um grupo acostumado a cifras com dez dígitos ou mais.

É o caso do banco AL5, criado há quase sete anos pela família Maggi, dona do grupo Amaggi, um dos maiores conglomerados agroindustriais brasileiros. Neste mês de dezembro, a instituição deve atingir a marca bilionária na sua carteira de crédito, dobrando em um ano o volume de operações realizadas com produtores rurais.

A celebração será discreta, como foi a troca do CEO do banco. Tarcisio Hubner, que liderou a primeira etapa de crescimento, deixou o posto há cerca de dois meses. Em seu lugar, assumiu Rafael Alessi, que havia sido recrutado no início do ano como diretor comercial, já como uma espécie de “treinamento” para ocupar a principal cadeira da instituição.

“Quando cheguei aqui, no início do segundo trimestre, o Tarcísio já havia anunciado internamente, seu plano de saída”, conta Alessi em entrevista ao AgFeed, sua primeira desde que assumiu o banco.

“Eu já vim para esse processo de sucessão, para que ele pudesse conduzir essa transição de uma maneira mais planejada”.

Assim como seu antecessor, o novo CEO fez carreira no Banco do Brasil, onde atuou em vária áreas e em diferentes estados por 24 anos, até chegar à posição de superintendente. Ele e Hubner nunca chegaram a trabalhar diretamente juntos dentro do banco estatal, mas suas trajetórias se cruzaram justamente em um período em que ambos estavam locados no Mato Grosso, estado sede da Amaggi e do AL5.

“Rodei bastante o país e pude sentir uma dinâmica diferente nas regiões que têm um agronegócio mais forte”, afirma o executivo. “A transformação é muito mais acelerada e o desenvolvimento, também”.

Trocar a estabilidade de uma carreira do BB pelo desafio de um banco privado não é um roteiro costumeiro entre seus pares. Alessi diz que sua decisão foi motivada pelo risco de certa forma controlado, já que seguiu para um grupo com perfil de solidez, com 47 anos de história no agro, mais de 360 mil hectares cultivados, cerca de R$ 40 bilhões em receitas e apetite de crescimento.

O planejamento da Amaggi para o AL5, conforme Hubner havia revelado ao AgFeed em entrevista em maio de 2023, é chegar aos R$ 10 bilhões na carteira ainda nesta década. E isso não mudou com a sucessão.

O antigo CEO fechou o ano passado com R$ 500 milhões e dobrou em um ano. O novo tem como objetivo dobrar novamente em dois anos.

“O Tarcísio conversou algumas vezes comigo para eu vir para o banco, até que me convenceu. Ele falou: ‘Olha, lá a gente tem um grande potencial, precisa de alguém para tocar a operação, com uma perspectiva de mais longo prazo’”.

Alessi comprou a ideia e encampou o discurso. “O AL5 é um banco pequeno ainda para o tamanho do potencial que tem”, afirma. “A gente espera concretizar isso. Você sabe bem como é o planejamento, a gente tem que desdobrá-lo, ter a disciplina para executar e fazer com que ele dê resultado”.

Os caminhos para acelerar nos próximo anos estão desenhados na estratégia do grupo. A expansão deve se manter, por enquanto, dentro do que eles chamam de “ecossistema Amaggi”. Ou seja, entre o universo de empresas e produtores que gravitam em torno da grupo fundado por André Maggi nos anos 1970.

O banco AL5 foi criado para fornecer créditos a funcionários e fornecedores da Amaggi. Nos últimos anos, passou a mirar um contingente de cerca de 6 mil produtores rurais que negociam seus grãos com a trading ou compram insumos na plataforma de varejo do grupo.

“O nosso plano continua apontando para uma atuação de expansão, especialmente no ecossistema da margem, que é onde a gente tem mais conhecimento, mais acesso e a condição de entregar valor de uma forma mais efetiva como instituição financeira”, diz o CEO.

Cerca de 80% das transações efetuadas pelo banco estão relacionadas a financiamento do custeio das operações agrícolas desses produtores. A estratégia para ampliar os negócios tem sido apostar na estruturação de operações mais personalizadas, que vão além do simples crédito, aumentando o relacionamento com esse contingente.

Um exemplo disso é a combinação do crédito tradicional com operações de consórcio, realizadas junto a parceiros como a Ademicon ou o próprio BB. Com isso, a ideia, segundo Alessi, é desenhar estruturas financeiras que permitam aos produtores fazerem investimentos maiores, com mais prazo para pagamento,

“É importante a atuação do banco, porque você viabiliza uma estrutura em que você tem uma alta probabilidade de ter uma contemplação para aquele valor que o produtor precisa realizar o investimento”, diz Alessi. Assim, o AL5 financia o lance e o parceiro adminsitra o consórcio.

“Com isso, o prazo médio dessa operação fica bastante alongado e o custo financeiro reduz muito, pode chegar a 0,5% de taxa ao mês. No contexto atual de taxa de juros do país, isso é bastante atrativo”.

Outra regra de ouro do AL5 é manter uma estrutura enxuta e transportar toda a operação para o ambiente digital. Segundo Alessi, o banco vai manter o posicionamento de instituição high-tech, simplificando as interfaces para o produtor rural, mas mantendo uma tecnologia robusta nos bastidores, “apoiando o processo, a entrega da solução”.

Isso, entretanto, sem perder o contato direto com o produtor. Nesse sentido, ao invés de pensar na abertura de agências, o banco se apoia na presença e no relacionamento das outras empresas do grupo.

A originação dos clientes e das operações é feita por consultores, que atuam em um modelo semelhante ao de correspondentes bancários e que conhecem de perto os produtores e as características de cada região.

Além disso, o banco possui hoje 11 escritórios regionais. Para o próximo ano, segundo Alessi, o número de escritórios deve chegar a 20. “São estruturas mais leves, que aproveitam a presença física da Amaggi, principalmente no Mato Grosso e em Rondônia, e uma presença de unidades comerciais mais forte também no Pará, Goiás e até Minas Gerais, aí com algumas parcerias que permitem ampliar essa capilaridade.

Dentro dessa estratégia, o escritório mais recente foi aberto em Uberlândia. O próximo será no município de Rio Verde, maior produtor agrícola goiano.

Do ponto de vista de produtos, um dos focos da nova gestão do banco será ampliar o portfolio, trazendo para a prateleira do AL5 alternativas que os produtores já encontram em instituições maiores.

Um dos primeiros modelos em estruturação no banco é o de metas, em que a instituição faz uma pré-aprovação de limites de créditos para os produtores para mais de uma safra, de modo a que eles tenham acesso rápido aos recursos no momento em que precisarem.

“Nosso objetivo é sempre ter agilidade, essa tempestividade na entrega, com a simplicidade para o produtor. É uma operação digital, mas que no relacionamento é pessoal”.

Hoje, a maior parte do crédito concedido é lastreado por CPR-Fs. A captação é quase que integralmente feita através da emissão de LCAs.

Dentro do roadmap de Alessi está também passar a acessar e oferecer a seus clientes linhas com recursos do BNDES, como Moderfrota, para o financiamento de máquinas, equipamentos, implementos. “São investimentos com prazo mais alongado”, diz o executivo.

“Outra possibilidade que a gente está discutindo agora é viabilizar estruturas em que a possamos ter uma operação lastreada, de alguma maneira, em moeda estrangeira”, afirma, lembrando entretanto, que isso é um projeto para um prazo um pouco maior dentro do banco.

Mercado não está em retração

Crescer em um ambiente de margens menores no campo é um desafio que Alessi encara sem sobressaltos. Ele diz que, embora o discurso e a percepção de muitos seja de que está havendo uma retração no crédito rural, com recursos mais escassos, uma análise mais fria do quadro mostra que a realidade é um pouco diferentes.

“Quando você observa o que os grandes bancos estão falando, vê que eles se posicionam com estratégias de expansão”, afirma. E cita os movimentos dos gigantes privados: “o Bradesco se aproximando da John Deere para buscar acesso ao produtor, como a gente tem na Amaggi; o Itaú BBA anunciando um apetite de crescimento e projetando que a participação do agro na carteira vai sair de 8% para 20%; o Santander, que se posicionou fisicamente numa estratégia de lojas agro e fala em crescer a base”....

Para Alessi, esses movimentos mostram um apetite maior do mercado financeiro pelo segmento e vê o AL5, embora ainda pequeno, bem posicionado para abocanhar pequenos nacos desse mercado, sobretudo em função da atuação da Amaggi.

“A gente consegue ter essa visão um pouco mais longa, saber que teve uma safra muito desafiadora, mas conseguir enxergar um pouco mais para a frente”, afirma.

Alesse também tem uma visão única da questão dos juros. Embora saiba que taxdas altas são ruins para o mercado como um todo, inclusive para o sistema financeiro, ele gosta de lembrar que o País já enfrentou momentos ainda mais difíceis nessa área.

“Vale um olhar um pouco para trás nesse aspecto”, diz. “Se a gente observar os patamares no final de 2023, quando os custos para a safra de 2024 estavam sendo construídos, caminhávamos, até outubro, com uma selic de 12,75%. Este ano, vamos finalizar com 11,75%”, aponta.

“Taxas mais elevadas penalizam todos, inclusive a nossa captação, mas eu diria que a gente já teve momentos mais desafiadores, que talvez esse não seja o grande aspecto que deva preocupar para o futuro”.