Assim como acontece desde o primeiro dia que esse mecanismo foi criado, a indústria dos Fiagros (fundos de investimento em cadeias agroindustriais) deve continuar a crescer em 2024, dando continuidade ao movimento visto esse ano, tanto em número de investidores, quanto em patrimônio líquido.
Em 2023, esses fundos ligados ao agro ultrapassaram os 453 mil investidores, com cerca de R$ 10 bilhões em estoque. Tudo isso em 31 Fiagros listados.
Na prática, o interesse do mercado quase triplicou já que em novembro de 2022 eram 160 mil investidores. Em volume financeiro, o desempenho também representa quase o dobro – eram R$ 5,8 bilhões em estoque na época, com 25 Fiagros.
Somado a isso, segundo o boletim trimestral da CVM publicado no mês passado, entre junho e setembro de 2023 o patrimônio líquido total dos Fiagros subiu de R$ 14,7 bilhões para R$ 18,7 bilhões, o que representa um avanço de 27%. Na comparação com dezembro de 2022, quando foi divulgado o primeiro boletim CVM de agronegócio, os Fiagros cresceram 78%.
Ao comentar o boletim ao AgFeed, o superintendente de agronegócio e securitização da CVM, Bruno Gomes, viu um crescimento interessante nos Fiagros, e ainda projetou um bom ano de 2024 para esses fundos.
"O que mais nos chamou a atenção foi o crescimento do Fiagro, que subiu de R$ 10 bilhões para R$ 18 bilhões (patrimônio líquido) num mercado que cresceu em média 7%, quer dizer, o mercado teve só uma correção monetária praticamente, enquanto o Fiagro realmente cresceu", destacou, em entrevista feita em novembro.
No ano que vem, analistas de mercado projetam mais crescimento, acompanhando o movimento dos últimos anos, mas com alguns temperos a mais nessa equação. Primeiro porque em 2024, os Fiagros devem ganhar sua regulamentação definitiva pela CVM, o que ajudará a trazer mais variedade de escolha no investimento.
Octaciano Neto, diretor de agronegócio do grupo Suno, comenta que a nova regulamentação democratizará ainda mais o acesso do agro ao mercado de capitais, por conta da possibilidade de incorporar CPRs financeiras nos fundos. “O custo para emitir uma CPR é muito mais barato do que de um CRA”, afirma.
Outro ponto da regulamentação que agrada o diretor é a possibilidade de criar novos arranjos nos portfólios desses fundos. O texto final da CVM, que está em processo de consulta pública até o final de janeiro de 2024, abre uma oportunidade para que fundos de Venture Capital (VC) recebam investimentos do varejo.
“Hoje os fundos de VC só captam de family offices ou de fundos de investimento de grandes empresas, ou do aporte direto dessas empresas como Bayer, BASF e Syngenta. A possibilidade de colocar via fundos abre uma nova avenida de crescimento”, disse Octaciano Neto.
Eça Correia, co-head da área de Agro da EQI Asset, acredita que a nova instrução deve ser implementada até o final do primeiro trimestre, consolidando o que ele chama de “multimercado do agronegócio”. “Com esse racional na mesa, a CVM contribui ainda mais com a segurança de operações do mercado de capitais”, diz.
Otimista com o crescimento desse mercado, Correia também vê um ano de diversificação nos Fiagros, o que também deve fazer com que os fundos deixem de ser, em sua maioria, compradores de crédito.
A ideia é tornar os Fiagros como uma plataforma de investimentos mais completa, complementando a estrutura de Venture Capital. “Um produtor que queira comprar o vizinho, ou um que queira fazer uma operação de investimento de R$ 25 milhões, num cheque de oito anos. Devemos ver essas estruturas mais sofisticadas”, exemplifica.
Apesar disso, ele vê que esse tipo de operação de mais longo prazo deve ser mais atraente para investidores com um perfil mais institucional, ou gestoras. “Tem também dinheiro estrangeiro vindo para cá de olho nessas oportunidades”, acrescenta.
Fiagros de terra
Uma modalidade de Fiagros que deve ganhar destaque em 2024 é a dos Fiagros de terra. Na prática, o fundo, que tem um viés imobiliário, compra terras e investe na sua valorização, podendo arrendar a grandes grupos.
Octaciano Neto, da Suno, considera essa modalidade a “nova fronteira dos Fiagros”. “A indústria começou com o crédito, que é a maior dor, mas o mercado de terra é de sete a 10 vezes maior que o mercado de terras. Ele vai crescer mais devagar, mas deve ganhar escala”, comentou.
Segundo estimativas da gestora 051 Capital, que possui três Fiagros imobiliários nessa modalidade, a imensidão de áreas propícias ao cultivo ou à pecuária no País tem um valor total próximo a R$ 6 trilhões.
No fundo mais antigo da gestora, o ativo é a Fazenda Xingu, localizada no município de Balsas, no Maranhão.
Com uma área superior a 5 mil hectares produtivos, a Xingu foi comprada pela 051 por cerca de R$ 150 milhões, segundo avaliação de junho de 2022. Em abril deste ano, de acordo com o primeiro relatório do Fiagro FZDA11, a propriedade já valia mais de R$ 370 milhões, uma valorização de quase 150% em menos de um ano.
Na visão de Correia, da EQI Asset, a questão de terras ainda dialoga com o tema da sustentabilidade, que pode atrair investimentos “verdes”.” Como a terra é finita, existe uma pressão de conservação ecológica, sem desmatamento. O Brasil terá de produzir mais na mesma quantidade de terra. Esse financiamento vindo dos Fiagros, pode ajudar os produtores a investir em mais tecnologias”, acrescenta.
Fiagros mais verdes
O tom mais verde nos fundos do agro também é visto como algo promissor. Há algumas semanas, o AgFeed conversou com Carlos Takahashi, vice-presidente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e atual CEO da gestora BlackRock no Brasil, e na entrevista, ele enfatizou o tema.
Segundo ele, o ano de 2024 pode ser muito favorável para a emissão de títulos de crédito no agro relacionados à agenda ESG. Takahashi ainda disse que o setor pode contribuir na agenda ESG global e que instrumentos como os CRAs, as LCAs e os Fiagros podem ter um apelo interessante para investidores interessados no assunto.
"Esse é um tema que deve crescer muito no Brasil. O País cada vez mais está tendo consciência do protagonismo que tem e vendo que pode gerar uma série de oportunidades de trazer investimentos para cá através da agenda ESG. O agronegócio está muito conectado com isso", avaliou Takahashi.
Para o executivo, os Fiagros devem ser os protagonistas desse movimento no ano que vem, e continuarem a ser os instrumentos de crédito no agro mais populares no mercado de capitais.
Problemas com inadimplência
Mesmo com a perspectiva de crescimento iminente, alguns solavancos podem ser encontrados no caminho. Em 2023, alguns Fiagros reportaram inadimplências dentro de suas carteiras, e além disso, algumas empresas do agro têm entrado em recuperação judicial (RJ).
A Serasa Experian detalhou em primeira mão ao AgFeed seu primeiro levantamento com foco em pedidos de RJ no agronegócio. Segundo a empresa, as RJ dos produtores pessoas físicas, que representam a maioria dos produtores rurais no Brasil, tiveram um avanço de 300% considerando janeiro a setembro deste ano, na comparação com os 12 meses de 2022.
Frederico Poleto, Head de Ciência de Dados Agro da Serasa, vê que o problema está relacionado, principalmente, com a questão dos arrendatários. “A participação deles no maior número de pedidos até supera bastante os grandes proprietários", destacou.
Eça Correia, da EQI, analisa que apesar das notícias de RJ e inadimplência em Fiagros, o problema dos produtores não envolve patrimônio, e sim liquidez. Ele conta que a EQI se debruçou sobre alguns casos recentes de RJ no agro, e que constatou que o patrimônio desses produtores é, pelo menos, cinco vezes maior que a dívida contida no processo de recuperação judicial.
“Ele tem patrimônio para pagar as dívidas, mas não quer vender a propriedade ou uma parte dela. Ele quer renegociar e usa a RJ como instrumento para isso. Apesar da visão de muita RJ no agro, vejo que a indústria tem mais inadimplência”, diz.
Octaciano Neto não vê que os casos de inadimplência e dívidas tragam uma “quebradeira” no agro. “A agricultura não quebra, quem quebra é o agricultor. O El Niño que vivemos acelera e expõe mais casos e deixa a margem mais apertada, mas a maior parte dos produtores está num nível sadio de alavancagem”, comenta o diretor da Suno.
Mais transparência
O diretor da Suno acredita ainda que, daqui para frente, os Fiagros devem passar por um processo de aumento na transparência. Na prática, ele espera que os relatórios gerenciais dos fundos tenham mais detalhe do portfólio incorporado no produto, de forma a dar mais segurança a quem investe, que saberá com mais detalhes quem está recebendo seu capital.
“Nos relatórios de alguns Fiagros do mercado, é citado no portfólio que a carteira contém um ‘produtor rural de algodão em uma região X’, ou então, ‘empresa Y’. Você não sabe o risco de crédito dessa empresa que recebe seu dinheiro”, explica.
Neto aposta que o exemplo feito “dentro de casa”, na Suno, pode empurrar esse mercado. Desde novembro, o Fiagro da empresa passou a ter informações da Serasa Experian em seus relatórios gerenciais.
A iniciativa, de acordo com um comunicado oficial da empresa, busca “aumentar o ‘leque’ de informações importantes sobre os investimentos”
Octaciano revelou que a Suno contratou a Serasa de maneira independente para ela trazer as informações de risco de crédito da carteira. “Queremos uma radicalização da transparência, subir a régua da indústria”. A escolha pela Serasa se deu, segundo o diretor, pela credibilidade internacional que a empresa tem.
Eça Correia, da EQI, acredita que esse processo de aumento de transparência é algo que deve acontecer nos próximos anos de forma intensa, e que no fim das contas, serve para melhorar a governança das empresas do agro.
Ele vê que o agro, principalmente o do Centro-Oeste, passa por uma troca de geração dos produtores originais que desbravaram a área nos anos 1970 e 1980.
Os filhos, já com uma bagagem acadêmica maior que os pais, estão assumindo o bastão, e já tem outra cabeça para o negócio. “Alguns produtores que atendo possuem 30 anos e já contrataram CFO e profissionais para lidar com gestão de caixa e toda a parte operacional, um processo de governança que não existia”.
Segundo ele, esse processo deve demorar de 15 a 20 anos para ser concluído. A partir disso, ele acredita que “acabará a assimetria de informação”. “Falaremos de um produtor rural A ou B como falamos de empresas listadas”, conclui.