No dia em que um de seus clientes abria capital na B3, Flavio Souza, CEO do Itaú BBA, recebia em seu telefone celular a foto de um banker da instituição financeira, a bordo de uma picape, sobre uma balsa, cruzando o rio Teles Pires, que cortava uma fazenda em Mato Grosso.

Ali, sob o atento olhar de Souza, os dois mundos se intercalavam: a Faria Lima, com suas operações financeiras, e o agro, que sustenta boa parte do PIB brasileiro, com safras que já chegam a 300 milhões de toneladas.

“Brincamos que os nossos officers do nicho agro não trabalham em home-office, mas sim em caminhonete-office”, diz Souza, ao AgFeed, explicando que buscou profissionais que têm ligação com o agronegócio. Pode parecer um detalhe, mas isso tem sido crucial para o banco conquistar terreno.

“A gente foi escutar os produtores e criamos um segmento de agro para enxergar a cadeia inteira, enxergar os gargalos, as necessidades e falar a língua deles. E somos, por vocação, muito Faria Lima”, afirma Souza. Desde então, os negócios mais que dobraram.

No início de 2019, a equipe dedicada ao agro contava com 30 pessoas. Hoje, são 700 pessoas espalhadas por cidades como Sinope, Lucas do Rio Verde, Sorriso, entre outras. No total, diz Souza, foram criadas mais 36 plataformas de apoio.

A carteira de crédito acompanhou o investimento feito na área. Saiu de R$ 30 bilhões, no início de 2019, para R$ 75 bilhões. “Hoje, o agro se tornou para nós, junto com o setor de energia, o nosso principal segmento em termos de exposição de crédito”, diz Souza.

Na entrevista exclusiva que segue, Souza destrincha a estratégia do banco, fala de novas modalidades de crédito e faz uma análise dos motivos que fazem as empresas de agro ainda terem pouca presença na bolsa comparado ao tamanho do setor.

“É um pouco a história do ovo e a galinha. Mesmo nos bons momentos de mercado, quando a gente ia tentar acessar o mercado, começamos a perceber que os gestores, investidores e as assets não tinham know how”, afirma o CEO do Itaú BBA.

Ele prossegue. “O ovo e a galinha. ‘Não tem empresa na bolsa, não vou investir. Não vou investir, não vou conseguir cobrir as empresas que querem entrar na bolsa’.” Acompanhe os principais trechos da entrevista:

O banco passou a atuar com mais ênfase no agro, em 2019. Hoje, como o Itaú BBA está posicionado?
À princípio, sempre olhamos para o setor de uma maneira mais ampla, tal qual olhamos para os demais setores. Fomos percebendo, numa primeira iniciativa em 2008, que o setor de usinas, de etanol e açúcar, tinha características muito próprias e deveríamos nos especializar. Então, criamos o nicho usinas para atender esse setor. E vimos que no agro, no seu conceito mais amplo, tinham algumas coisas importantes acontecendo.

Quais?
Primeiro que o agro vinha demonstrando uma velocidade de crescimento, uma competitividade e uma relevância que estava menos percebida. Estávamos com o Brasil com uma série de culturas. Tínhamos saído de 100 milhões de toneladas a safra para 200 milhões e estamos chegando a quase 300 milhões nessa safra. Percebemos o crescimento e que, por mais que o funding do crédito rural estivesse crescendo, a velocidade do setor estava mais alta e esse funding seria insuficiente. Percebemos que é uma atividade que precisa de formas alternativas de financiamento e isso era uma grande oportunidade para entrar nesse segmento e fazer o financiamento da agricultura empresarial.

Foi aí que entraram?
Ali, vimos uma oportunidade macro. Com a experiência que tínhamos com as usinas, fomos entendendo que no agro é preciso entender a cadeia. Olhar os insumos, de fertilizantes, os químicos, os equipamentos, os produtores, até chegar na ponta da industrialização e distribuição local e internacional. Começamos a perceber que boa parte do financiamento do agro acontecia intracadeia. Era a empresa de insumo financiando o produtor, era a empresa de equipamento financiando produtor. Fomos escutar os produtores para posicionar o Itaú BBA no agro para valer.

“É uma atividade que precisa de formas alternativas de financiamento”

O que saiu dessas conversas?
O Itaú BBA, tendo como vocação uma área de relacionamento com empresas, não olhava o produtor como um mercado-alvo porque o produtor, muitas vezes, opera como pessoa física, com o CPF dele. A gente começou a perceber que, nessa cadeia, o produtor rural é muito grande e que nós, por mera convenção de achar que nos relacionávamos com CNPJ, não deveríamos nos relacionar com CPF. Só que isso é um detalhe, o que interessa é o perfil e a demanda de consumo de serviços e de produto. Tinha produtores com demandas de operações de derivativos, de hedge, típicas de empresas de médio e grande portes.

E quais eram as reclamações deles?
Ouvimos que os bancos não entendiam a língua deles, tratavam como uma empresa, não entendiam a cadeia e que o agro tem ciclos como os climáticos que interferem. Pediam um parceiro que estivesse nos maus e bons ciclos. Ouvindo isso, de 2018 para 2019, criamos um segmento de agro para enxergar a cadeia inteira, enxergar os gargalos, as necessidades e falar a língua deles. E somos, por vocação, muito Faria Lima.

Como o banco resolveu essa questão?
Para falar a língua do produtor, não adiantava comprar um par de botinas, um chapéu e dizer para o nosso pessoal ir ao campo. Precisávamos de gente do mundo agro. Trouxemos gente da nossa própria equipe, com toda a experiência financeira, que tivesse proximidade com o agro; contratamos nas principais universidades do Brasil dedicadas a formação das pessoas no agro como Esalq, Lavras e etc; gente de tradings; de revendas e profissionais de outros bancos que atuavam no agro. Fizemos um pot-porri de formação de modo que a gente efetivamente desenvolvesse aqui o conhecimento, a linguagem, o entendimento de agro para o mercado financeiro.

Mas ainda baseados na Faria Lima?
Na operação do Itaú BBA, para o atendimento dos nossos clientes, estamos espalhados pelo Brasil. Mas, na parte que atendia as empresas do agro, percebemos que precisávamos ir para cidades em que o PIB agro é muito relevante. Então abrimos 36 plataformas em cidades como Lucas do Rio Verde, Sinope, Sorriso, em cidades do interior da região Sul. Brincamos que o escritório do officer do nosso time de agro é a caminhonete.

Picapes usadas pela equipe do Itaú BBA cruzando o rio Teles Pires, em Mato Grosso (Foto: Divulgação)

“Brincamos que o escritório do officer do nosso time de agro é a caminhonete”

Por quê?
Quando a gente contrata, eles recebem uma caminhonete e essa turma roda cerca de 1 mil quilômetros por semana. Não é o home-office, é o caminhonete-office. Aí entra algo que vamos percebendo no mundo agro. A relação com o cliente é diferente do que acontece aqui na Faria Lima, que é um almoço ou um café, em que você sai do seu escritório e encontra ele.

Qual a diferença?
Você chega na fazenda do cliente, ele vai te receber no café da manhã naquelas mesas enormes e fartas, passa o dia rodando a fazenda com ele, ver o que está fazendo, às vezes pernoita na fazenda. A relação tem uma própria dinâmica. Mas não adiantava só manter essa relação na ponta e, por conta disso, desenvolvemos um quarto pilar.

Qual?
Uma estrutura de suporte para o agro aqui na Faria Lima. Times que olham mesas, cash management, serviços, derivativos e operações.

Na prática, como isso funciona?
Vou te dar um exemplo. O cliente nos fala: ‘pô, estou na fazenda. Não me fala para passar no seu escritório para assinar contrato’. Em muitos lugares não tem wi-fi. Percebemos que precisávamos digitalizar muitas jornadas e trabalhar com um apetite de risco diferente.

De que forma o apetite de risco é diferente?
No agro, tem eventualmente algumas operações que você tem de fazer em que o cliente vai te dar a confirmação, mas a documentação vai vir depois. E passamos a atender pessoas físicas que têm demandas de empresas, produtores rurais que têm faturamento acima de R$ 30 milhões. O Itaú BBA está desenhado e estruturado para se relacionar com aqueles clientes que têm demandas mais sofisticadas e elaboradas, que precisam acessar mercado de capitais, demandas de serviços, financiamentos de longo prazo. Se isso é um CPF ou CNPJ, é irrelevante. Hoje, já atendemos 3,6 mil produtores rurais na pessoa física e nossa ambição é ampliar essa base em 1 mil nomes por ano.

“No agro, tem eventualmente algumas operações que você tem de fazer em que o cliente vai te dar a confirmação, mas a documentação vai vir depois"

Do ponto de vista de negócio, quanto isso representa?
Saímos de uma carteira de crédito de R$ 30 bilhões no início de 2019 para quase R$ 75 bilhões no setor. Hoje, o agro se tornou para nós, junto com o setor de energia, o nosso principal segmento em termos de exposição de crédito. Desses R$ 75 bilhões, algo como R$ 10 bilhões é crédito rural. O restante, quase a maioria, é carteira de Fiagro, CRA, financiamento bancário de longo prazo, financiamento para aquisição de terra. Isso é muito relevante.

Por quê?
Se o setor ficasse mais limitado ao seu crescimento no Brasil em função do funding do crédito rural, o setor seria menor. Foi justamente essa percepção que fez a gente se posicionar e desenvolver esse projeto.

“Hoje, o agro se tornou para nós, junto com o setor de energia, o nosso principal segmento em termos de exposição de crédito”

O agro é grande, movimenta bilhões, mas tem pouca relevância no mercado de capitais. Poucas empresas estão na bolsa. Como mudar isso?
É um pouco a história do ovo e a galinha. Mesmo nos bons momentos de mercado, quando a gente ia tentar acessar o mercado, começamos a perceber que os gestores, investidores e as assets não tinham know how. O ovo e a galinha. ‘Não tem empresa na bolsa, não vou investir. Não vou investir, não vou conseguir cobrir as empresas que querem entrar na bolsa’.

Como resolver isso?
Decidimos que dentro do nosso time de research, tínhamos que ter um analista dedicado ao setor semeando, criando cultura, educando os investidores, trazendo o tema. Dentro do nosso time do banco de investimentos, destacamos profissionais dedicados para fazer a cobertura do setor agro. Com isso, o mercado vai se desenvolvendo ao longo do tempo.

E da parte do produtor?
Ele passou a ter acesso ao mercado de capitais via dívida. O mercado de CRAs começou a ganhar uma dimensão muito maior e o movimento mais recente são os Fiagros, que é uma indústria que está no estágio inicial. Hoje, eles são lastreados mais em dívida. Se a gente fizer um paralelo com o que aconteceu com os fundos imobiliários, em termos de potencial, vamos pelo mesmo caminho. O agro é o segmento do Brasil que deu certo, que somos competitivos globalmente, o país líder de culturas.

"O agro é o segmento do Brasil que deu certo, que somos competitivos globalmente, o país líder de culturas"

Os bancos mais conhecidos no setor de agro são Banco do Brasil, Bradesco e Santander. O Itaú demorou para mergulhar nesse setor?
A gente já tinha uma carteira relevante de R$ 30 bilhões, mas talvez o que tenha demorado para a gente, e não vemos os competidores se posicionando nessa forma, é o entendimento que deveríamos olhar o agro na perspectiva do cliente e não de produto. Em vez de eu ter um especialista de produto sentado na Faria Lima, temos uma operação inteira voltada ao cliente do agro. Atuávamos de uma maneira mais tradicional e entendemos que a oportunidade era muito maior do que estávamos capturando por conta de como estávamos organizados.

O Banco do Brasil tem mais poder de distribuição por conta da capilaridade das agências. Como alcançar eles?
Um caminho é ter parcerias que me permitam chegar, junto com os parceiros, na ponta.

Que parceiros?
Por exemplo, compramos uma participação no maior marketplace de agro do Brasil que se chama Orbia. É um marketplace com 250 mil produtores transacionando ali. Hoje, na Orbia, há produtores de um porte que a minha estrutura não está desenhada para atender. O que estamos fazendo é aportando toda a nossa experiência e inteligência de crédito para desenvolver jornadas digitais em parceria com os parceiros. Quando o produtor estiver comprando um insumo, ele poderá, eventualmente, fazer o financiamento com o Itaú.

O racional da compra da participação foi chegar no produtor de menor porte?
Sim, essa foi a ideia. Descer mais um degrau e ampliar a boca do funil.

Hoje, os bancos são cobrados para financiar projetos ESG e também para não dar crédito para projetos que vão na contramão da sustentabilidade. No agro, há um grande potencial e também produtores que andam fora da linha. Como resolver isso?
Esse é um tema que o Itaú BBA está se posicionando e seremos o banco que vai apoiar a transição para a economia de baixo carbono, isso independentemente do setor. Naturalmente, para um país com o perfil do Brasil a transição para o baixo carbono passa pelo agro. Pelos estudos feitos hoje, 70% das emissões no Brasil estão, de alguma maneira, associadas ao uso de terra e uma parte associada a atividade agropecuária. Então, a recuperação de terras é uma agenda associada com uma transição para uma economia de baixo carbono.

Mas como o banco está atuando?
Temos uma parceria com a Syngenta em um programa que se chama Reverte. A finalidade é fazer a recuperação de terras degradadas. A Syngenta nos apresenta produtores que tenham interesse de recuperar as terras degradadas para serem utilizadas para plantio e nós financiamos isso. Em dois anos de programa, foram recuperados 60 mil hectares. Essa é uma maneira de ampliarmos o nosso alcance por meio de parceiros.