Se a recuperação judicial por si só já era uma preocupação para quem vinha aumentando a concessão de crédito a produtores rurais, um novo elemento está deixando o setor em alerta: decisões judiciais em primeira instância que inviabilizam a execução das garantias.
O assunto foi um dos destaques durante um debate organizadora pela gestora Galapagos Capital, com a presença do vice-presidente da República Geraldo Alckmin, do presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp, Jacyr Costa Filho e do presidente da Cargill, Paulo Sousa.
"Garantias como a CPR, por exemplo, em alguns casos, estão sendo colocadas como integrantes da Recuperação Judicial, sendo que na verdade é um crédito lastreado num contrato de compra e venda. Temos que tomar muito cuidado, porque vai encarecer o crédito, aumenta o risco do financiador, e custa mais caro para todo mundo", afirmou Paulo Sousa, durante o debate.
O presidente da Cargill disse que as associações do setor, como a Abiove, têm buscado levar mais orientação sobre o tema no interior do Brasil, para enfrentar a questão.
Após o evento, o sócio fundador da Galapagos, Carlos Fonseca, explicou aos jornalistas que a maior preocupação no mercado de capitais neste momento é a "insegurança jurídica".
Ele ponderou que, apesar do pedido de recuperação judicial ser um instrumento válido e legal, "muitas vezes o juiz de primeira instância acaba desconstituindo a garantia considerando a essencialidade do bem e, portanto, desconstituindo a alienação fiduciária, que seria uma forma de preservar o credor.
O executivo diz que conversou sobre o tema com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que teria prometido dar atenção ao assunto, para que o governo busque ferramentas que ajudem a "trazer de volta a segurança jurídica e preservar as garantias constituídas".
A expectativa é de que medidas sejam avaliadas junto ao Congresso, o que pode ocorrer reforçando o marco regulatório que já existe.
Carlos Fonseca admitiu que o mercado de capitais está mais cauteloso em relação ao agro, em função da questão jurídica e também do próprio cenário de preços de commodities mais baixos e margens reduzidas na indústria em geral.
"É muito provável que as operações fiquem mais restritivas neste momento ou eventualmente mais curtas e mais caras. Mas sabemos que o agro é muito sólido, temos muito bons produtores, bons empresários dentro do agro, eu acredito que tudo seja resolvido e que num curto espaço de tempo se volte à normalidade", ressaltou.
O sócio da Galapagos acredita que o governo será aliado também pelo fato de que o setor público sozinho já não consegue financiar "o agro do tamanho que ele ficou hoje no Brasil”.
Ele lembrou que o financiamento do setor, de forma mais ampla, vem sendo feito pelo mercado de capitais.
"O que preocupa primariamente não são as recuperações judiciais. Sabemos que no setor do agro você tem que lidar com as oscilações de preços das commodities, mas o que tem nos preocupado são as decisões de primeira instância, dando liminar aos devedores, desconstituindo a garantia e protelando para que a execução ocorra", explicou.
O Fiagro Galapagos Recebíveis do Agronegócio (GCRA11) é um exemplo dos desafios que as gestoras que atuam com estes ativos vêm enfrentando.
"No nosso Fiagro existe um caso de recuperação judicial e duas outras empresas flertando com a RJ. Dessas três, duas estão em negociação avançada para que a gente consiga endereçar. Mas Fiagro é um fundo aberto. Quando algo se concretizar, vamos ter um fato relevante. Não temos hoje condição de afirmar se vai ou não ocorrer. As partes estão abertas para uma conversa, já que temos muita garantia constituída nestas três operações de crédito”, afirmou Carlos Fonseca.
Segundo ele, atualmente 19% das operações de crédito da gestora estão relacionadas ao agronegócio. "A Galapagos tem presença forte no agro, em asset management, prestação de serviços e principalmente crédito".
Um aumento neste percentual, na visão do executivo, também dependerá dos efeitos das mudanças recentes feitas pelo Conselho Monetário Nacional em relação aos CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio.