Pedra Preta (MT) - No painel de controle de quem lidera uma propriedade rural sempre estiveram os ponteiros do câmbio e do clima, fatores que determinam o sucesso – ou o fracasso – a cada safra.
Na temporada 2025/2026 um novo fator começa a ser monitorado diariamente: o cenário geopolítico, ou seja, notícias sobre guerras ou ações intempestivas como as que tem sido adotadas pelo presidente americano Donald Trump, capazes de sacudir o comercio global.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, a CEO do Rabobank Brasil, Fabiana Alves, destacou que esse será um fator chave na safra que está começando.
Ela ponderou que há uma visão positiva, para as principais culturas que o banco atua, como grãos e fibras, principalmente pela perspectiva de um clima favorável que pode trazer novos recordes de produção. A dificuldade estaria, no entanto, no sobe e desce do mercado.
“A volatilidade de preço, hoje em dia, é esperada que seja muito maior por causa das questões geopolíticas”, afirmou Fabiana.
“As tensões dos Estados Unidos e da China, às vezes, podem levar favorecimento para o Brasil, mas agora tem as questões tarifárias. Então, acho que a nova geopolítica trouxe um nível de incerteza adicional ao que a gente sempre esteve acostumado”.
Fabiana Alves conversou com o AgFeed durante evento da Girassol Agrícola, empresa de Gilberto Goellner, que é líder em sementes de algodão. Segundo ela, o Rabobank tem como clientes 80% dos produtores de algodão do País e essa cultura, pelo menos até agora, está com boas perspectivas para safra 2025/2026, apesar da geopolítica.
“O aumento do preço do petróleo talvez,melhore um pouco, por exemplo, a demanda por algodão. Então, talvez a gente enxergue aí a possibilidade de um aumento de 1%. Mas a gente não espera que isso mexa muito no preço, por enquanto”, avaliou.
A expectativa é de uma produção recorde de algodão na safra que está sendo colhida. A maior parte do volume de crédito do Rabobank Brasil ainda é contratada para as lavouras de grãos, como soja e milho, que enfrentam um cenário mais desafiador.
Sobre uma eventual confirmação de 50% de tarifa por parte dos EUA aos produtos brasileiros, a CEO do Rabobank diz que a situação mais preocupante está no café e na laranja.
“No café é um cenário complicado, a gente vê aí uma questão de estoques pressionados, que teriam de ser redirecionados”, lembrou.
A consequência de mais essa incerteza, segundo ela, também será vista na concessão de crédito ao agronegócio.
“De uma maneira geral, na avaliação de risco, a gente tem que levar em consideração todas essas questões. Eu não acredito que, necessariamente, o volume total de crédito diminua. O que eu acredito é que ele fica mais seletivo. Acho que as instituições financeiras vão dar preferência para aquelas operações agrícolas e aquelas empresas que, a gente sabe, têm mais resiliência para lidar com a volatilidade”, explicou.
Para Fabiana Alves, ter resiliência significa apresentar três características principais. A primeira é fazer uma gestão de risco adequada e a segunda é “não especular com a moeda e não especular com o preço”.
O terceiro ponto atenção é a alavancagem. Produtores que no período de preços altos fizeram grandes investimentos, acima da sua capacidade, tendem a ter um resultado financeiro pressionado, o que não é visto pelos bancos como um sinal favorável ao crédito.
Ela cita como um bom exemplo de gestão a própria Girassol, que seria cliente do banco holandês desde o início das operações no Brasil. “A Girassol hoje é uma referência em termos de governança e nós passamos juntos pelos bons e pelos maus momentos”.
A “imoralidade” das RJs
A CEO do Rabobank voltou a criticar o excesso de recuperações judiciais entre produtores rurais, defendendo uma mobilização do setor em relação ao tema.
“O cenário piorou. A gente vê uma indústria absolutamente imoral, oportunista, promovida por uma venda inadequada de RJ como solução ou como produto”, afirmou Fabiana.
A executiva critica ainda “a inconsistência nas decisões judiciais”, que estão “colocando em xeque as garantias”. Desta forma, bancos, tradings e fornecedores em geral não estariam conseguindo recuperar o crédito conforme seria o previsto nas garantias.
No balanço referente a 2024, por exemplo, o banco registrou uma queda expressiva do seu lucro líquido – de R$ 813 milhões obtidos em 2023 para R$ 343 milhões no ano passado – “em razão da provisão para perdas com crédito no exercício”, segundo apontado no documento.
“Essa inconsistência nas decisões legais traz uma insegurança muito grande. E isso reprime o crédito, com certeza”, ressaltou Fabiana Alves. “Temos visto muito oportunismo e muitas RJs absolutamente questionáveis do ponto de vista técnico e sendo aceitas”.
Para a executiva, “o setor precisa levantar essa bandeira”. Isso porque o prejuízo não estaria ocorrendo apenas para os bancos, mas também para “os produtores sérios, aqueles que controlaram o seu crescimento para poder garantir a sua sustentabilidade financeira”.
Mais crédito verde e crescimento na carteira
O Rabobank diz que está negociando com os produtores sempre que possível, para evitar a RJ. Além disso, Alves destaca que “os bons são em muito maior número do que os que estão se aproveitando dessa situação”.
Neste cenário, a CEO prevê que o banco mais uma vez aumente a carteira de crédito no agro, que deve avançar pelo menos 5% este ano, “crescendo no mesmo passo do setor”.
O Rabobank Brasil fechou 2024 com uma carteira de R$ 36,3 bilhões, um aumento de 32% dobre os R$ 27,6 bilhões registrados em dezembro de 2023.
Uma das frentes de crescimento, que deve avançar “dois dígitos”, são as transações ligadas a indicadores de sustentabilidade.
Entre as prioridades está o financiamento de produtores que queira crescer em produtividade dentro das próprias áreas ou que estejam investindo na conversão de áreas de pastagem.
“A gente dá mais preferência a esse crescimento do que o crescimento de abertura de novas áreas. Porque a gente acredita que a manutenção das áreas de reserva legal traz resiliência climática. Nos garantem a manutenção do regime de chuva que permite safra dupla e traz mais resiliência climática para as fazendas. A gente tem acompanhado experimentos de campo práticos que demonstram muito isso”, ressaltou Alves.
A executiva contou ao AgFeed que outro produto que o banco está trazendo ao mercado são linhas de “prazo bem mais longo” para quem tem déficit de reserva legal e quer antecipar compromissos assumidos por meio dos chamados TACs, que vem sendo estabelecidos entre produtores e Ministério Público, com foco na regularização ambiental.
“Eles vão ter benefícios muito grandes para fazer isso. Juros diferenciados e prazos bem longos, bem maiores do que os prazos normais”, afirmou.
Resumo
- Para a CEO do Rabobank, crescente volatilidade geopolítica e aumento das RJs levarão bancos a serem ainda mais criteriosos na concessão de crédito
- Fabiana Alves classificou como “imoral” o uso oportunista das RJs por alguns produtores, alertando que decisões judiciais inconsistentes estão comprometendo a recuperação de crédito
- Apesar das incertezas, prevê crescimento de pelo menos 5% na carteira de crédito em 2025, com destaque para operações sustentáveis