Ainda buscando mais arrecadação federal e depois de uma proposta mal recebida pelo mundo financeiro em taxar o IOF, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs, neste domingo, 8 de junho, recalibrar o decreto inicial. E, depois de se reunir com líderes partidários e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, trouxe uma nova polêmica para o debate.
A alternativa proposta pelo ministro envolve aumentar a tributação do faturamento das chamadas bets, casas de apostas online, além de cobrar 5% em cima do rendimento que investidores arrecadam com Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI). Hoje, ambos são isentos no imposto de renda.
De imediato, a proposta repercutiu mal com setores políticos e financeiros ligados ao agro, que veem com preocupação a proposta e acreditam que tributar um veículo que leva crédito ao setor pode resultar na diminuição do fluxo de captação para os produtores.
As LCAs se consolidaram, nos últimos anos, como um dos principais instrumentos usados pelo mercado para robustecer a oferta de crédito agrícola. José Carlos de Lima Júnior, sócio da consultoria Markestrat, que atua com inteligência de mercado e educação corporativa para o mercado agro, cita que as carteiras rurais dos bancos dependem da LCA, com 40% do funding dessas carteiras vindo desse tipo de letra de crédito.
Com isso, a taxação em 5%, mesmo que relativamente pequena, pode fazer com que o investidor exija um retorno adicional para alocar capital nesse ativo.
Já que os bancos provavelmente não vão reduzir suas margens, já que concorrem com outras captações que já pagam impostos, a saída deve ser uma taxa maior ao investidor, repassando o custo nos juros do crédito rural, acredita Júnior.
“Com uma Selic a 14,75% ao ano somada a uma dívida pública elevada e agora, 5% na LCA, é pouco provável que o agronegócio brasileiro venha a ter juros atrativos no Plano Safra 2025/26”, disse o sócio da Markestrat em publicação no seu Linkedin.
Ele calcula que um aumento efetivo de um ponto percentual a dois pontos percentuais no custo de captação pode virar de 0,5 a 1,5 ponto percentual no custo final do produtor, a depender do mix de prazos.
Em vídeo enviado ao AgFeed, o deputado federal Arnaldo Jardim, vice-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) na Câmara dos Deputados, se posicionou “totalmente contrário à taxação das LCAs”.
Segundo ele, a medida faz o custo do capital crescer, assim como o do investimento, o que pode trazer inclusive uma alta na inflação dos alimentos, implicando diretamente nos custos de produção.
“O anúncio é um equívoco. Isso não é rever isenção tributária, é comprometer uma fonte de financiamento diferenciada, e que tem produzido um efeito sistêmico importante na economia”, acrescentou Jardim. A FPA já tem entre suas principais pautas derrubar o veto do presidente Lula ao trecho da lei da reforma tribuária que confirmava a isenção aos rendimentos de investimentos nos Fiagros, outro instrumento alternativo para finaciamento do setor.
Júnior, da Markestrat, calcula que na safra 2023/2024, as LCAs foram a principal fonte privada de recursos para o crédito rural, financiando R$ 158 bilhões no setor.
Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) mostram que até abril deste ano, o estoque de LCAs era de R$ 559 bilhões. O título é o maior em termos absolutos, acima dos CRAs, com R$ 155 bilhões, e das CPRs, com R$ 499 bilhões.
De abril de 2021 até o mesmo mês neste ano, o estoque de LCAs subiu 378%. De um ano pra cá, a alta é de 19%.
O avanço em porcentagem só não é maior do que das CPRs, que em 2021 somavam R$ 37 bilhões. Naquela época, já eram R$ 117 bilhões estocados em LCAs.
Octaciano Neto, sócio-fundador da Zera.Ag e especialista em mercado de capitais, vê o governo federal cometendo uma “sequência de erros na condução da política econômica”, o que tem pressionado o custo de crédito e reduzindo a previsibilidade para alguns setores, incluindo o agronegócio.
“Acabar com a isenção de LCI e LCA, o governo eleva os juros justamente para os setores que mais geram empregos no país: o agronegócio e a construção civil”, disse.
Resumo
- Proposta de Haddad de taxar LCAs e LCIs em 5% preocupa setor agro, que teme encarecimento do crédito rural e também influência na inflação de alimentos
- LCAs representaram R$ 158 bilhões em crédito ao agro na safra 2023/2024. Estoque atual do título supera R$ 559 bilhões
- Carteiras rurais dos bancos dependem da LCA, com 40% do funding dessas carteiras vindo desse tipo de letra de crédito