Juros altos, endividamento e queda na demanda e na produção (no caso da cana) estão fazendo as ações de empresas do agro amargarem um ano ruim na Bolsa de Valores até agora.
A queda média do início de janeiro até 8 de setembro é de 7,08% para 23 papeis direta ou indiretamente ligados ao setor, conforme dados da Economatica, compilados a pedido do AgFeed.
O desempenho contrasta com os recordes que o Ibovespa, o índice oficial do mercado de ações brasileiro, vem batendo, com elevação acumulada de 17,88% no mesmo intervalo.
Das 24 ações, dois terços – 16 no total -- apresentaram queda (confira no quadro). “É um desempenho ruim bem disseminado”, diz Gabriel Cecco, especialista da Valor Investimentos.
Não é para menos, uma vez que existe uma conjunção de fatores desfavoráveis que afetam quase todas as empresas. O maior deles é o endividamento das companhias, reflexo de um movimento iniciado ainda nos tempos da pandemia, em 2020.
Com as cadeias produtivas paralisadas por conta da quarentena mundial, bancos e governo ampliaram a concessão de crédito, primeiro para evitar quebradeira, depois para financiar investimentos em um momento em que preços agrícolas mais altos trouxeram um quadro de margens favoráveis na maioria das culturas.
Os produtores e empresas do setor, assim, contrataram empréstimos e desengavetaram planos de expansão. O problema é que posteriormente surgiram dificuldades -- financeiras e climáticas -- para que eles pudessem quitar essas dívidas.
De lá para cá, por exemplo, a taxa básica de juros brasileira saltou de 2% para os atuais 15% ao ano.
A dívida ficou mais cara e, ao mesmo tempo, o faturamento caiu, por conta das mudanças climáticas.
Nos anos pós pandemia -- ou seja, nas safras de 2022/23 e 2023/24 -- o Brasil enfrentou uma série de problemas: atraso no início das chuvas, índices pluviométricos abaixo do normal ou irregulares, além de altas temperaturas em regiões como Centro-Oeste e Sudeste, que prejudicaram a soja. E também o El Niño, que provocou, por exemplo, as enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado.
A Raízen – segunda a maior queda dentre os ativos em Bolsa do setor – é um eloquente exemplo desse cenário que reúne condições climáticas adversas e endividamento elevado.
“Tivemos um início de safra bastante desafiador para toda a indústria, por três motivos principais que afetaram a produtividade no trimestre: o clima seco e os incêndios no segundo semestre da safra passada, menos chuva do que o histórico e, neste trimestre, um volume pluviométrico acima da média, que atrasou a colheita, aumentando custos”, disse Phillipe Casale, diretor de Relações com Investidores da Raízen, em teleconferência de resultados da empresa, no mês passado.
Os problemas no campo se somaram à alavancagem excessiva, com dívidas contraídas para executar um ambicioso plano de expansão da produção de etanol de segunda geração (E2G).
Com a pressão dos juros, a dívida líquida saltou de R$ 31,6 bilhões em 2024 para R$ 49,2 bilhões. O prejuízo foi de R$ 1,8 bilhão no primeiro trimestre e estar no vermelho não tem sido novidade para a companhia.
Desde a abertura de mercado da Raízen, em agosto de 2021, os papéis registram perdas acumuladas de 80,16% (Economatica). Por isso a empresa tem vendido ativos, como usinas, além de ter desfeito a joint venture com a Femsa que administrava as lojas de conveniência Oxxo no Brasil.
“As adversidades climáticas afetaram a safra de cana, que caiu. Mesmo usando milho para fazer etanol, empresas do setor estão tendo que investir para fazer essa mudança e isso compromete a geração de caixa. Além disso, houve o aumento da adição de etanol na gasolina”, explica Leonardo Alencar, chefe de pesquisas dos setores de Agro, Alimentos e Bebidas da XP.
A safra de cana-de-açúcar encerrou o ciclo 2024/25 com 676,96 milhões de toneladas, redução de 5,1% ao se comparar com 2023/24, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Mas os investidores se preocupam com o futuro e, como a previsão da XP é de que a próxima colheita não passe de 590 milhões de toneladas, além de Raízen, as ações da São Martinho e Cosan caem forte. A Jalles Machado, que tem açúcar orgânico, também é afetada.
Na verdade, toda a cadeia do agro tem sentido. “Os agricultores vêm, por exemplo, comprando menos fertilizantes, menos sementes, menos máquinas agrícolas e investindo menos no plantio. Por isso, as ações da área na Bolsa têm ficado no plano negativo nos últimos meses”, diz Max Bohm, estrategista de ações da Nomos. Entre elas estão Fertilizantes Heringer, a Nutriplant, Vittia e a Kepler Weber.
Estoques
Outro fator que contribuiu para o tombo do agro na Bolsa em 2025 – principalmente de empresas ligadas à produção de grãos, seja na venda de insumos, como Agrogalaxy, ou na operação agrícola, como a BrasilAgro – são os estoques em alta de commodities como a soja.
“Na pandemia, os preços da soja subiram muito e, pensando em aproveitar, os produtores aumentaram a área de plantio”, explica Enilson Nogueira, analista da Céleres Consultoria.
“O problema é que, em seguida, tanto soja, quanto milho, tiveram uma super oferta e o preço caiu, diminuindo as margens das empresas do setor”.
No mês passado, por exemplo, a soja atingiu a menor cotação desde dezembro de 2024.
Bom momento das carnes
Por outro lado, esse movimento foi bom para os frigoríficos. “Isso barateia o custo de alimentação dos animais, melhorando a margem de lucro das companhias”, explica Danilo Coelho, economista e especialista em finanças.
Boa parte delas também conseguiu mitigar os efeitos do tarifaço, uma vez que muitas têm operação dentro dos Estados Unidos. A Marfrig, por exemplo, atua em solo americano por meio da controlada National Beef. Além disso, as fábricas da empresa no Uruguai e na Argentina oferecem proteção, reduzindo a dependência das vendas originadas no território brasileiro.
A BRF, por sua vez, não atua no segmento de carne bovina para os Estados Unidos e, portanto, não sofre impacto direto das tarifas.
É por isso que Minerva e Marfrig estão entre os melhores resultados do ano. No caso desta última, as sinergias que a fusão com a BRF podem causar também ajudam na valorização do preço da ação.
Em maio, quando as duas anunciaram a decisão de se unir na MBRF, também divulgaram uma economia de R$ 800 milhões ao ano, o que acaba se refletindo em melhora de margens e faz o preço da ação subir.
Quais ações podem continuar subindo?
As empresas de carne ainda podem se valorizar no curto prazo. Outro fator internacional deve continuar ajudando o setor: o rebanho bovino dos EUA está, por conta de questões climáticas, no menor nível desde a década de 1970.
“O reflexo disso é o preço da carne em alta, o que abre espaço para exportação do Brasil”, diz Cecco, da Valor.
Mesmo com as exportações brasileiras de carne bovina para os EUA despencando 48,5% de julho para agosto, o setor bateu recordes de vendas externas. Foram 2,08 milhões de toneladas de janeiro a agosto de 2025, crescimento de 15% em relação ao mesmo período de 2024, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Assim, segundo Lucas Barbosa, analista da Ativa, o cenário pode ser positivo para essas ações.
No geral, entretanto, é difícil prever como será o impacto do tarifaço, da variação do dólar e de novas possíveis sanções no comércio externo em outras divisões do agro.
Alguns setores mais endividados -- como o de papel e celulose -- podem se beneficiar, no ano que vem, com a possibilidade de queda nos juros e acabam de receber a boa notícia de que o governo dos Estados Unidos colocou seus produtos na lista de exceções, eliminando a incidência de tarifas adicionais.
“Mas é muito cedo ainda para falar”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa.
Um aumento da demanda por exportações pela China também pode ajudar o agro como um todo. “Os maiores produtores, os listados em Bolsa, estão numa situação bem melhor, já vêm se recuperando”, diz Bohm, da Nomos.
A BrasilAgro, por exemplo, estima produção total de grãos e de algodão de 443 mil toneladas na safra 2025/2026, alta de 21% em relação ao dado realizado da safra anterior, de 366 mil toneladas. O clima mais estável no decorrer deste ano tem ajudado.
“Então, a tendência para o agro é de uma melhora gradual, aos poucos a situação financeira tende a avançar positivamente”, diz Bohm.
Uma ação que chama atenção é a da 3tentos, com alta de 4,33% no ano. Ela é apontada como a preferida do BTG Pactual entre as companhias agrícolas. Quatro anos após abrir o capital, a companhia gaúcha que atua da agroindústria à distribuição de insumos triplicou a receita e projeta mais uma expansão com a nova usina de etanol de milho, prevista para 2026.
A Hidrovias do Brasil, de logística hidroviária, também é apontada como uma boa aposta entre as que têm parte relevante de seus negócios relacionados ao agronegócio - no caso, o transporte de grãos.
A companhia, cuja ação apresenta um desempenho positivo de 35% no ano, saiu de um prejuízo de R$ 63 milhões no segundo trimestre de 2024 para um lucro líquido de R$ 81 milhões entre abril, maio e junho deste ano – uma recuperação significativa para o segmento.
Outra que está no time das positivas é a Boa Safra, com valorização de 5,16% no ano. Mas não é vista com o mesmo entusiasmo do mercado para os próximos meses.
Embora a empresa de sementes tenha reportado alta de 43% na receita do segundo trimestre deste ano, a queima de caixa, o aumento das provisões e a baixa transparência sobre o crescimento futuro, são os pontos que impedem a recomendação da ação, segundo a Nord Investimentos.
Resumo
- Dois terços das ações ligadas ao agro recuam em 2025, afetadas por endividamento, juros altos e estoques elevados
- Empresas como Raízen, São Martinho e Cosan sofrem com dívidas e impactos climáticos; perdas acumuladas superam 80%
- Frigoríficos como Marfrig e Minerva se valorizam, impulsionados por margens melhores e alta nas exportações de carne