Com 80 anos de história e clientes espalhados no mundo inteiro, a Pinheiro Neto Advogados, uma das maiores e mais tradicionais bancas de advogados da América Latina, está cada vez mais conectada com o novo perfil do agronegócio – mais sustentável, tecnológico e que usa ferramentas modernas de financiamento, como o mercado de capitais.

O escritório sempre esteve próximo do agro, desde as transações comerciais tradicionais, passando por fusões e aquisições e operações financeiras. Mas foram os títulos do agronegócio, principalmente, que fizeram o segmento ganhar ainda mais relevância na Pinheiro Neto.

No ranking divulgado pela consultoria Uqbar, sobre os principais envolvidos nas emissões de CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio – a Pinheiro Neto se acostumou a ser líder ou pelo menos ficar entre os três maiores, quando se considera a assessoria jurídica tanto em número de operações, quanto em volumes financeiros envolvidos.

No retrato de dezembro de 2023, por exemplo, ficou em primeiro no número de operações, respondendo por quase 19% do total. Já em montante estava em segundo, com R$ 6,6 bilhões e 18% de participação.

“Estamos falando de uma equipe de quase 20 pessoas dedicadas atualmente ao agronegócio”, disse Tiago Araújo Dias Themudo Lessa, que está há 27 anos na Pinheiro Neto e hoje é considerado um dos profissionais referência para o segmento.

Além de CRAs, estão no radar da área, criada em 2008, outros fundos de investimento que tenham agronegócio nos ativos, como FIDCs e Fiagros, ou operações estruturadas que não envolvam o mercado de capitais.

O trabalho vai além dos financiamentos, já que envolve também padrão de contratos de compra e venda de commodities, transações entre cooperativas, revendas de insumos e produtores rurais, “antes e depois da porteira”, explica Lessa, que apesar de hoje estar no centro financeiro do País, é natural do Paraná e, pelas relações familiares, cresceu em fazendas no estado.

Ele ressaltou que na Pinheiro Neto, ao contrário de outras empresas, quem cuida de CRA não é o mesmo que trata dos CRIs – título semelhante, porém relacionado ao mercado imobiliário.

“Na nossa visão, atuar em operações do agronegócio, não é só a prestação do serviço jurídico em si, a revisão do contrato, a preparação do documento, não há a menor dúvida que isso faz parte da atuação de um advogado, mas nós procuramos nos aprofundar nas questões específicas do setor, por isso temos os times segregados e, por conhecer bem as características do setor, entregamos um trabalho melhor na ponta final”, afirmou.

Neste processo de especialização em agro, um dos destaques foi há pouco mais de dois anos, quando o advogado Rafael José Lopes Gaspar virou sócio da Pinheiro Neto para desenvolver ainda mais a área. É ele que acompanha nas planilhas a movimentação crescente do agronegócio em direção ao mercado de capitais.

“Se considerados os 28 CRAs que fizemos no ano passado e mais algumas operações com outros fundos, totalizamos R$ 7,5 bilhões neste mercado”, destacou Gaspar, contabilizando os números da Pinheiro Neto no setor.

O volume, segundo ele, representa um aumento de 40% em relação ao que havia sido emitido pelo escritório no ano anterior.
Este ano os advogados admitem que o percentual de crescimento talvez não chegue neste nível, porém o volume de operações seguiu avançando de janeiro a abril, na comparação com o mesmo período do ano passado.

“Acho que nunca teve um semestre em que fizemos tantas operações grandes quanto agora, este ano. Pode ser que em volume financeiro seja o nosso melhor semestre”, afirmou Gaspar.

Entre estas “grandes”, o advogado cita como exemplos as emissões de CRAs da Minerva, com R$ 2 bilhões, do Atacadão, de R$ 1 bilhão, da Lar Cooperativa, de cerca de R$ 700 milhões, além da São Salvador Alimentos, com R$ 330 milhões.

Pelos cálculos dos sócios da Pinheiro Neto, nos últimos 13 anos, o escritório quase quintuplicou o número de operações ligadas ao financiamento do agro.

Desafios atuais e as RJs

Os problemas climáticos na safra de Mato Grosso, a margem mais apertada dos produtores rurais e a calamidade no Rio Grande do Sul são fatos que também estão no radar dos advogados. Apesar disso, eles garantem que não sentem um menor apetite no segmento, em função disso.

“Temos visto crescimento no agro, que, como dizem, não para, mesmo nos momentos em que o mundo e o País atravessam desafios”, disse Lessa.

Rafael Gaspar também pontua que, enquanto há problemas em outras áreas da economia, o agro segue crescendo em número de operações. “Está tendo menos IPO, menos fusões e aquisições, mas acho que o agro se mostra resiliente”.

A “migração” do crédito tradicional do setor para as ferramentas do mercado de capitais é uma tendência que seguirá crescente, na visão dos advogados.

O fato novo para 2024, na visão de Tiago Lessa, é a “adição de novas frentes de trabalho, novas áreas que o setor começa a explorar”. Uma delas está relacionada a novas oportunidades criadas pela “onda da recuperação judicial”, para quem se interesse em buscar caminhos alternativos.

“Os instrumentos de mercado de capital passam também a ser úteis para situações de maior desafio econômico. Acabamos de fazer uma operação de reestruturação de dívida por meio de CRA, isso mostra a força desses mecanismos”, disse o sócio da Pinheiro Neto.

Ele não dá detalhes da operação, diz apenas se tratar de uma empresa e não de um produtor rural. “É extremamente eficiente para empresas que queiram reestruturar sua dívida e reestruturar obviamente de uma forma negociada, de uma forma conversada, discutida com seus credores, sem uma imposição legal, sem algo mais perigoso, mais briguento”, ponderou.

O advogado diz que é natural que alguns estejam em dificuldade financeiro, principalmente em função do El Niño, mas acredita que, nesta situação, há duas escolhas para os afetados pelo problema.

Uma delas seria “o caminho dos remédios judiciais, da recuperação, em que, via de regra, você sabe o início, mas tem dificuldade de ver como é o fim dele”. A outra alternativa seria a “reestruturação de dívida negociada”, já que depois de uma safra ruim pode vir outra boa e, em geral, os credores teriam boa vontade em negociar.

“Esse é um caminho que o setor explorou pouco ainda e que a gente acredita muito nele, na reestruturação conversada, de forma transparente, e aí que é o mais importante, se utilizando de mecanismos de mercado de capitais que são muito bem costurados, que podem muito bem ser utilizados para esse fim”.

Na operação que acabou de fazer, Lessa diz que “houve o reperfilamento e o equacionamento da situação financeira da empresa e assim ela vai, certamente, continuar operando e vai continuar recebendo crédito”.

Em casos assim, a empresa conversa com os credores e uma parte aceita comprar novas operações emitidas por ela, uma forma de renegociação. “O credor dobra a aposta, porque sabe que é uma empresa séria”.

Este tipo de solução, segundo ele, pode ser aplicado para produtores rurais tanto pessoa física quanto jurídica, assim como para qualquer empresa da cadeia do agronegócio. E tende a crescer este ano e em 2025, na visão do advogado.

Perguntados se o investidor não estará mais cautelo em um cenário como esse, eles acreditam que não, à medida que sabem dos problemas reais desta safra e da resiliência do setor. “O investidor pode não investir em alguém que optou por não cumprir a lei, mas de modo geral, o agro é um setor que recorrentemente cresce, inova e dá resultado”.

“Soluções inovadoras”

O assunto que mais empolga Tiago Lessa é o que ele chama de “soluções inovadoras”, uma especialidade da Pinheiro Neto. A maioria está relacionada a atividades de descarbonização ou agricultura de baixo carbono, que podem gerar não apenas os créditos em si, mas também viabilizar financiamentos internacionais estruturados.

O escritório foi responsável, por exemplo, pelas primeiras três operações de securitização internacional mediante o registro de CRAs em bolsa europeia. “Estamos em todas as operações, não foram tantas ainda, que existiram no mercado, são três operações de securitizaçao via CRA”, disse.

O AgFeed mostrou uma destas operações no ano passado. Foram US$ 47 milhões em financiamento para a produção de soja de baixo carbono em 122 propriedades rurais, por meio de “CRAs verdes”, ou seja, atrelados a critérios de sustentabilidade, com diversas instituições envolvidas, incluindo Rabobank e Santander.

Lessa conta que até agora o “local de destino” foi a Europa, mas que já trabalham em projetos para outras regiões do mundo. “Isso mostra que, na verdade, o setor está conseguindo se posicionar já de forma direta, frente a investidores fora do País”, ressaltou. “Veremos um grande crescimento nestas operações este ano, em 2025 e 2026”.

Na visão de Lessa, o produtor rural “está agora percebendo o quanto que ele pode explorar tudo aquilo que ele já faz nas últimas décadas em termos de preservação, com tecnologias de menor impacto ambiental”, o que está também no radar dos investidores.

“O bacana dessa operação é permitir que investidores internacionais, interessados no agronegócio brasileiro, mas que não querem ter que se submeter às burocracias brasileiras de controle cambial, possam conseguir investir no Brasil, utilizando essa estrutura”, afirmou.

Os títulos colocados no exterior, segundo ele, são basicamente de série A. “Nessas que fizemos os CRAs estão registrados na Bolsa de Viena, na Europa”.

Segundo a Pinheiro Neto, a primeira operação foi com a Ecoagro, no final de 2022, no montante de US$ 5 milhões, também na Bolsa de Viena. As outras duas envolveram quatro supermercados ingleses que nunca tinham investido no Brasil. “No segundo ano fizemos um upsize em que Santander e Rabobank entraram na operação”.

Com escritórios em três estados brasileiros, além de Estados Unidos e Japão, a Pinheiro Neto já está avaliando novas operações na Bolsa de Luxemburgo e em outras regiões do mundo, que por enquanto, não revela.

“Há crescimento porque o investidor lá no exterior, institucional, resiliente, o típico investidor de longo prazo, não está motivado por incentivo tributário, porque ele não tem incentivo tributário para comprar o CRA. Ele está, na verdade, incentivado em dar crédito e investir no agronegócio brasileiro. E agora consegue fazer essa compra lá fora, lá mesmo no mercado onde ele está”, explica.

Na lógica do time da Pinheiro Neto, “ao invés de fazer o investidor vir até nós, a gente vai até ele”, o que seria o principal diferencial.

Tiago Lessa lembra que, historicamente, pelos controles cambiais brasileiros, era necessário atrair o investidor para vir para o País. “Acho que é um erro que não se comete mais depois que essa legislação foi alterada”.

“É o contrário. Nós disputamos o dinheiro do mundo. Nós estamos disputando o dinheiro do investidor institucional com a Argentina, com o Peru, com outros países, com os Estados Unidos, com a própria Europa, com os próprios tomadores de recursos na Europa, com a Ásia”.

O advogado diz que as vezes são poucas pessoas com bilhões de dólares para investir que “não têm tempo para ficar mergulhando no detalhe da burocracia brasileira.

“Por isso a colocação do CRA no exterior está crescendo. As operações que a gente está trabalhando estão crescendo ano a ano. E mais investidores estão entrando na operação. E novos mercados estão se interessando”.

No modelo, a securitizadora lida com as questões de registro cambial e de obtenção de aprovação com o Banco Central. “Quando o investidor vai e compra o CRA, já está tudo resolvido para ele do ponto de vista de controle cambial”.

A operação com os supermercados ingleses já recebeu, inclusive, um prêmio internacional. Foi vencedora do Environmental Finance Awards, em 2023, como operação de securitização do ano em financiamento verde.

As operações que estão por vir, segundo Lessa, “terão tickets bem maiores”. No começo os valores foram menores porque o mercado ainda estaria testando o modelo.