Uma bomba com potencial para abalar conquistas ambientais e promover alterações importantes no Código Florestal Brasileiro passou quase quatro anos adormecida na Câmara dos Deputados, mas pode ser acionada a qualquer momento.

O projeto de lei (PL) 36/2021, de autoria do deputado Zé Vitor (PL-MG), ficou sem tramitação relevante nos últimos três anos e quatro meses, até ser encaminhado em regime de urgência para ser votado em plenário, sem qualquer parecer de comissões.

O último movimento relevante no PL havia sido a aprovação do substitutivo do ex-deputado Marcelo Brum (Republicanos-RS) na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, em dezembro de 2021.

Entre o projeto original e o substitutivo, as mudanças foram abissais. Enquanto a proposta do deputado Zé Vitor alterava prazos para pequenos agricultores apresentarem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) previstos no Código Florestal, as mudanças de Brum modificam de forma mais sensível a lei de 2012, considerada marco do diálogo entre agronegócio e meio ambiente.

A relatoria do projeto foi dada à deputada federal Caroline De Toni (PL-SC), outra representante da bancada ruralista, assim como seus dois colegas.

Diferentemente do que é comum nesses casos – que o relatório seja apresentado durante a sessão de votação dos projetos, no plenário da Câmara –, no entanto, ainda não se sabe qual o teor do texto a ser defendido por ela.

“O projeto está na pauta do plenário e pode ser votado, só que a gente não conhece o relatório e a deputada não compartilhou ainda o parecer dela. Aí é onde mora o perigo, porque o substitutivo do Marcelo Brum já é muito ruim”, resumiu Beto Mesquita, porta-voz e membro do grupo estratégico da Coalizão Brasil, Florestas, Clima e Agricultura.

Segundo ele, o que eram simples mudanças de prazos para o CAR propostas por Zé Vitor, se transformaram em uma liberação geral dos prazos de regularização e recuperação das áreas desmatadas além do percentual mínimo de reserva legal.

Pelo Código Florestal aprovado em 2012, as áreas de reserva legal deveriam ser recompostas ou compensadas a partir do cenário de cada região em 2008, no percentual que varia de 20% a 80%. Além disso, o desmatamento é proibido acima desses percentuais.

“O que o substitutivo do (ex) deputado Marcelo Brum fez? Trouxe essa linha de corte de 2008 para 2020. Ou seja, quem foi multado ou desmatou irregularmente seria perdoado”, disse Mesquita. “Na prática é como se o Código Florestal Brasileiro fosse aprovado agora”.

De acordo com o ambientalista, o substitutivo tem outros dois pontos “muito críticos”: um deles acaba com o prazo de 20 anos para a regularização da reserva legal nas propriedades.

“E o último, que é também muito perigoso porque a gente consegue dimensionar o tamanho do impacto que teria, é o que torna flexível os critérios de utilidade pública para atividades em áreas de preservação permanente (APPs)”, completou Mesquita.

De acordo com o porta-voz da Coalizão Brasil, Florestas, Clima e Agricultura, além da incerteza sobre que virá de um novo parecer, no caso da deputada Caroline De Toni, a urgência e a colocação em pauta de projeto que não caminhou desde dezembro de 2021 só podem ser explicadas como uma forma de pressão ao governo.

“É óbvio que, se esse projeto for aprovado, ele vai ser judicializado. E aí, de novo, mais uma judicialização em cima do Código Florestal e ninguém ganha com isso”, concluiu.

Em nota conjunta, o Observatório do Clima, a Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação e a Frente Parlamentar Mista Ambientalista ecoaram a posição da Coalizão Brasil, Florestas, Clima e Agricultura e pediram a rejeição da proposta caso vá a votação.

Segundo as entidades, o PL 36 altera “profundamente” o Código Florestal “sem diálogo com a sociedade”, além de colocar em risco conquistas ambientais históricas e agravar os impactos da crise climática que já afetam a população brasileira.

“Sem ter sido pauta em qualquer audiência pública, o PL 36/2021 é uma afronta à população brasileira, que depende da proteção da vegetação nativa e dos serviços ecossistêmicos por ela garantidos. A proposta, que avança sem debate democrático, flexibiliza importantes regras ambientais, premia infratores e coloca em risco a proteção ambiental do país”, informaram as entidades.

“Sua aprovação significaria um dos maiores retrocessos na política ambiental dos últimos tempos”, completaram.

O AgFeed procurou o ex-deputado Marcelo Brum, mas não obteve retorno.

Por meio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a deputada Caroline De Toni informou que iria retirar a urgência do projeto provavelmente esta semana.

Segundo a FPA, a parlamentar foi alertada das várias mudanças que o projeto teria e ela decidiu pela retirada da urgência. As alterações propostas pela parlamentar seriam, de acordo com ela, relacionadas às faixas de fronteira previstas no projeto atual.

Resumo

  • Proposta que altera regras de lei de 2012 teria sido "desfigurada" na tramitação e volta à pauta da Câmara com nova relatora, que promete retirar pedido de pauta
  • Projeto nasceu para alterar prazos na apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e foi alterado significativamente na primeira relatoria e fiou adormecido até ganhar urgência neste ano
  • Criticado por entidades e frente ambientais, texto libera prazos para regularização e de recuperação das áreas desmatadas além do porcentual mínimo de reserva legal