A COP30 se aproxima e, finalmente, o tema começa a ocupar o lugar que merece nas pautas dos setores produtivo, ambiental e político no Brasil.
Mais do que um evento de clima, ela representa uma oportunidade única de reposicionamento global — especialmente para o Agro, que é hoje um dos setores mais estratégicos da economia brasileira.
Temas como carbono, mudanças climáticas, biodiversidade. práticas regenerativas, restauração ambiental, bioinsumos e geopolítica comercial saem do plano abstrato e ganham contornos reais de oportunidade e, também, de risco. O País precisa decidir que tipo de liderança quer exercer: a da retórica ou a da ação concreta.
O carbono como oportunidade (ou risco)
Com a aprovação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) em 2024, o Brasil iniciou a construção de seu mercado regulado de carbono, em que o Agro ficou fora. Mas aprovar a lei foi apenas o começo. Agora, o desafio é definir como esse mercado será operado na prática — e fazer isso enquanto o mundo inteiro volta os olhos para o Brasil, anfitrião da próxima cúpula climática da ONU.
É imprescindível que o governo federal estabeleça um framework claro e robusto para o funcionamento do mercado de carbono. Isso significa definir o papel de cada instrumento disponível — mercado voluntário, SBCE e mecanismos do Artigo 6 do Acordo de Paris — no cumprimento da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira.
Também é preciso garantir a criação de políticas públicas complementares, que assegurem integridade ambiental, previsibilidade jurídica e eficiência econômica.
Sem clareza, estabilidade e confiança, o capital privado — nacional e internacional — não virá na escala necessária. Com elas, podemos acelerar investimentos em atividades de mitigação e adaptação (emissoes x remocoes), impulsionando um ciclo virtuoso que alia desenvolvimento econômico e responsabilidade climática.
O mercado voluntário e o Artigo 6 como pontes imediatas
Enquanto o SBCE ainda está em fase de implementação, com previsão de operacionalização apenas em 2026 (se assim permitir o calendário eleitoral), o Brasil tem uma vantagem comparativa que não pode ser desperdiçada: a capacidade de atrair investimentos imediatos via mercado voluntário e os dispositivos de cooperação internacional do Artigo 6.
Ambos são mecanismos válidos e complementares, desde que bem regulamentados. O CORSIA, programa da aviação internacional que demanda créditos de carbono com alto padrão (ja temos aqui o RenovaBio), já é uma fonte concreta de recursos. A responsabilidade do país é criar as regras que garantam que essa demanda externa fortaleça — e não fragilize — nem que os ajustes correspondentes comprometam o cumprimento da nossa própria NDC.
Se o Brasil deseja ser visto como líder climático global, precisa ser ambicioso e coerente. Não basta assinar acordos: é preciso implementar ações concretas que mostrem aos outros países como crescer de forma sustentável.
O desafio da agricultura regenerativa: protagonismo ou dependência?
Outro campo estratégico é o da agricultura regenerativa. Hoje, boa parte dos referenciais técnicos nessa área está sendo produzida por grandes consultorias ou grupos de trabalhos internacionais, sem participação significativa de quem vive e faz a agropecuária tropical no dia a dia.
Pior: em alguns estudos, não há sequer um único pesquisador brasileiro ou latino.
Isso é inaceitável. O Brasil possui centros de excelência como a FDC-Agroambiental, Insper Agro, FGV-Agro, Agroicone, CCarbon/Esalq, Embrapa, Ipam e tantos outros que produzem conhecimento técnico de alta qualidade sobre o Agro tropical.
É hora de confiar na ciência que fazemos aqui, com quem conhece nossas condições edafoclimáticas, nossos desafios socioeconômicos e nossa realidade de campo.
Não se trata de rejeitar colaborações internacionais, mas de assumir o protagonismo intelectual e científico que já conquistamos na prática. Isso significa criar nossas próprias plataformas, metodologias e narrativas validadas — em vez de apenas reagir às dos outros.
A verdadeira transição: do discurso à prática
Não precisamos de uma nova revolucao agrícola. Precisamos, sim, de uma revolucao evolutiva nas práticas de uso da terra, na valorização dos serviços ecossistêmicos e na integração produtiva com conservação ambiental.
Isso inclui acelerar o uso de bioinsumos, biofertilizantes e bioenergia; implementar de forma urgente os conceitos agroambientais; e reconhecer o papel das florestas na saúde da produção agrícola e do planeta . Tudo isso com base em ciência, tecnologia e políticas públicas eficientes — e não por imposição externa ou modismos desconectados da realidade rural brasileira.
O papel da Embrapa e o futuro que queremos
Finalizo com as palavras do ex-ministro Cirne Lima, aos 92 anos, em recente evento, ao apontar os três focos que a EMBRAPA deveria ter nos próximos anos:
1. Defesa vegetal, com ênfase em defensivos biológicos ambientalmente seguros;
2. Nutrição vegetal, com base em biofertilizantes para reduzir a dependência de importações;
3. Bioma amazônico, com uma política específica para desenvolvimento sustentável.
Essas diretrizes apontam para um modelo de Agro tropical moderno, competitivo, responsável e com identidade própria — algo que o Brasil já tem condições de consolidar e exportar como referência global.
A COP30 não será apenas um evento diplomático. Ela pode ser o ponto de virada para o Brasil assumir o papel de liderança que lhe cabe no século XXI: como potência agroambiental, científica e climática.
As COPortunidades existem, mas só se transformarão em resultados se houver coragem para fazer escolhas estratégicas — e confiança no que o Brasil já é capaz de produzir, pensar e implementar.