Belém (PA) - Com a experiência de quem passa o ano viajando por diferentes regiões do planeta e observando de perto o impacto das mudanças do clima sobre agricultores -- e governantes – de países e perfis distintos, o brasileiro Rodrigo Santos, CEO global de Crop Science da companhia alemã Bayer, precisa modular constantemente o discurso e as ações da companhia para os diferentes públicos nos quais atua – tal qual os diplomatas que participam da COP 30, a conferência do clima da ONU que está sendo realizada em Belém.

Não é tarefa simples. Nos Estados Unidos, onde está o quartel-general da divisão Crop Science (mais precisamente em St. Louis, no estado do Missouri), a Bayer lida com um governo que coloca a agenda climática em segundo plano.

Na Alemanha, país de origem da companhia, o cenário é o oposto: políticas ambientais vêm de décadas e são continuamente reforçadas pelos governos – nesse caso, a pressão maior vem dos investidores da empresa na Bolsa de Frankfurt.

Já no Brasil, um dos mais relevantes mercados da divisão agrícola da Bayer, há políticas públicas e projetos inéditos no mundo misturando agricultura e sustentabilidade, mas os produtores reclamam que as metodologias globais para calcular as emissões de CO2 não levam em consideração o jeito brasileiro de produzir, fazendo com que a conta para o setor produtivo fique mais pesada.

Ainda assim, por mais que existam diferenças entre governos, governantes e culturas locais, e que a Bayer precise “equilibrar seus pratos” entre interesses diferentes entre si, Santos salienta que a agricultura precisa de uma linha de tempo mais alongada.

“É evidente que vai haver políticas de curto prazo que vão impactar, mas o agro é um trabalho de médio e longo prazo”, afirma Santos, que conversou com o AgFeed em rápida passagem por Belém (PA) neste início de COP 30.

E é nessa janela mais ampla que a Bayer busca trabalhar: como uma empresa que, globalmente, conecta inovação agrícola e transição climática, e que enxerga os dois temas (e negócios) como interdependentes.

Afinal, o desafio, afirma o executivo, é comum a todos os países: produzir mais e melhor em um contexto de mudanças climáticas. O que varia é a capacidade local de adaptação.

“Todos estão passando por esse desafio. E você tem desafios diferentes dependendo de cada região”, afirma Santos.

“Quando eu vou pra África, a discussão é sobre a necessidade da produção de alimentos, diferente do que se discute na Europa. Ou aqui no Brasil também.”

Nesse sentido, o Brasil destaca-se nesta COP, avaliou Santos, por ser um dos poucos países que consegue ser, ao mesmo tempo, uma potência agrícola e ambiental.

A expectativa de Santos para a conferência segue a linha de outros líderes do agro: a agricultura só avançará na transição climática se for tratada como parte da solução e se houver remuneração clara para quem adota práticas regenerativas.

Santos espera que o debate avance em uma direção concreta: criar mecanismos financeiros globais que paguem pelo serviço ambiental prestado no campo. Para exemplificar, o executivo compara a situação atual do agro com o investimento inicial em energias renováveis, que contou com recursos públicos no princípio.

“Houve um suporte em alguns casos, um subsídio, um financiamento diferenciado de longo prazo, para que essas energias renováveis pudessem ganhar escala no mundo e ganhar. É o paralelo que eu faço com o agro.”

No campo, a Bayer tem tido resultados interessantes que mostram a viabilidade – em termos de produção – que técnicas de agricultura sustentável e regenerativa podem trazer.

Santos cita o exemplo do programa PRO Carbono, que vem sendo desenvolvido pela companhia alemã no Brasil, em parceria com a Embrapa, ao longo dos últimos quatro anos, já envolveu 2 mil produtores e executou 300 mil análises de solo.

O modelo regenerativo conduzido dentro do programa, segundo ele, elevou a produtividade média dos produtores participantes em 11%, reduziu a pegada de carbono entre 50% e 66% e ainda sequestrou duas toneladas de carbono por hectare.

“Com dados significativos e substanciais, podemos dizer ao produtor: ‘Você está produzindo mais, você está reduzindo a pegada de carbono de forma muito significativa, e você está ainda sequestrando carbono no solo, através desse sistema’. É um exemplo claro de que a agricultura pode ser parte da solução”, afirma Santos.

Não se trata de uma iniciativa isolada no Brasil. Nos Estados Unidos, Santos menciona uma parceria entre a Bayer e a companhia de alimentos Purdue para remunerar produtores que fornecem milho destinado a frangos de baixo carbono, com monitoramento digital da Amazon Web Services da lavoura à gôndola.

“Nós ajudamos eles a fazer todo o monitoramento com a Amazon Services, de fazer todo o monitoramento do plantio do agricultor até a compra do supermercado”, explica o executivo, ressaltando que a Bayer mantém parcerias também com outras empresas como Nestlé, Unilever e PepsiCo, para ficar apenas em três grandes nomes da indústria de alimentos.

A inserção da agricultura regenerativa fica ainda urgente em meio a mais um momento global que Santos vê com pressão nos preços das commodities, com redução de margens, levando os agricultores a buscar rentabilidade em um ambiente mais estreito. “E acho que isso não é diferente no Brasil”, afirma.

A competitividade brasileira

Ainda assim, Santos destaca que o país tem conseguido desenvolver novos mercados, como o crescimento acelerado do etanol de milho, hoje visto internacionalmente como um biocombustível sustentável por ser produzido majoritariamente com milho safrinha. “É um dos mercados mais interessantes criados no Brasil nos últimos anos”, diz.

Mesmo com a pressão sobre margens, Santos afirma que a competitividade brasileira permanece em outro patamar quando comparada às demais agriculturas do mundo.

O executivo diz não ter dúvidas de que o sistema agrícola brasileiro reúne vantagens únicas e que elas não se limitam ao clima ou à escala. No contexto brasileiro, um dos pilares que mais chama a atenção de Santos é o modelo de cooperativismo praticado no Sul do Brasil, que considera “um dos modelos mais eficientes do mundo” para pequenos e médios produtores.

Não à toa, o executivo levou o CEO global da Bayer, Bill Anderson, que fez uma breve passagem pelo Brasil antes dos momentos iniciais da COP 30, para conhecer cooperativas agrícolas do Paraná como Coamo, a maior do Brasil, entre outras.

Santos relata que Anderson – conhecido pelo seu gosto por inovação, como provam as mudanças que fez desde que assumiu o comando da Bayer, em 2023 – ficou “impressionado” com o modelo praticado pelos produtores rurais do Sul.

“Eu até brinco com o pessoal da Coamo, da Cooperalfa, da Coopavel, das diferentes cooperativas que a gente tem, que os cooperados não têm a noção do benefício que eles têm de fazer parte de um sistema como esse”, afirma.

O executivo afirma que foi questionado recentemente por uma pessoa se a adoção do modelo de cooperativismo praticado no Brasil faz sentido para ser aplicado a pequenos produtores na Ásia, ao que respondeu: “Não tenho dúvida”.

Mas claro que também há desafios no caminho. “O sistema de cooperativas como temos hoje no Brasil teve um processo de maturação de 50 a 60 anos. Algumas cooperativas sobressaíram nesse processo e foram se consolidando. Hoje, o que temos é algo extremamente profissional. São grandes empresas.”

Balanço e litígios

Santos evitou comentários sobre o momento atual de vendas e da companhia como um todo, que estava em período de silêncio no momento em que a entrevista foi realizada.

O balanço da companhia foi divulgado na manhã desta quarta-feira, 12 de novembro. Logo cedo, em seu perfil na rede social LinkedIn, o executivo brasileiro comentou os resultados.

“No terceiro trimestre, alcançamos vendas de € 3,9 bilhões – um aumento de 1% em relação ao ano anterior, impulsionado pela demanda contínua de milho, o que ajudou a equilibrar os ventos contrários contínuos em soja, algodão e inseticidas”, escreveu.

Santos celebrou a margem Ebitda de 4,5% obtida em um “trimestre sazonalmente baixo”. Para ele, “isso reflete o impacto dos ganhos de eficiência, disciplina de custos e nosso modelo operacional ágil”.

Nos últimos anos, sob o comando de Anderson, a Bayer segue promovendo alterações internas, que envolvem um processo de reestruturação interna chamado Dynamic Shared Ownership (DSO), implantado desde o início do ano passado, que busca reduzir hierarquias e custos.

Até o momento, cerca de 10 mil cargos foram cortados e o nível hierárquico foi reduzido pela metade em grande parte da companhia.

O programa DSO deve perdurar ainda por mais tempo e Santos afirma, na postagem, que sua divisão está comprometida em “executar nossa estrutura de cinco anos, que nos posiciona para um crescimento lucrativo, expansão de margem e fluxo de caixa mais forte até 2030”.

O resultado do terceiro trimestre, segundo ele, permite manter o guidance divulgado em agosto passado, na apresentação dos números do segundo trimestre. Na ocasião, a companhia elevou sua projeção de vendas (considerando Crop Science e demais áreas) ao longo de 2025 para uma faixa entre 46 e 48 bilhões de euros – a projeção anterior era de uma faixa que ia de 45 a 47 bilhões de euros.

Um dos pontos centrais na estratégia de Anderson e que diz respeito direto aos negócios da fivisão Crop Science é a herança trazida da incorporação da Monsanto pela companhia alemã em 2017.

Neste ano, a Bayer sofreu novos revéses em processos envolvendo o herbicida Roundup, alvo de disputas na Justiça americana há anos. Dessa forma, a companhia teve de fazer, somente ao longo do segundo trimestre, uma provisão adicional de 1,2 bilhão de euros para questões envolvendo o glifosato e de aproximadamente 530 milhões de euros para disputas envolvendo PCBs, outro produto que era vendido pela Monsanto no passado

Assim, a companhia reservou, para o ano, 1,7 bilhão de euros em provisões para as disputas judiciais nos Estados Unidos e reforçou que pretende conter os prejuízos que os processos têm trazido à companhia nos últimos anos.

“Afirmamos nosso objetivo de conter significativamente o risco de litígios até o final de 2026”, disse o CEO da Bayer, Bill Anderson.

Econômico nos detalhes, Santos repetiu o discurso de Anderson quando questionado pelo AgFeed sobre o assunto.

“O que eu posso dizer é o seguinte: a gente tem trabalhado muito e anunciamos no nosso último Capital Market Day que tínhamos como grande objetivo de, quanto antes melhor, mas até o final de 2026, de trabalhamos com “sustainably contained litigation” [em português, litígios contidos de forma sustentável], diz Santos.

“Esse é o grande objetivo que a gente tem para o litigation. Estamos caminhando nesse plano, com várias iniciativas em diferentes fronts para obter esse objetivo que a gente tem, para que a gente possa voltar a focar no que a gente faz de melhor, que é inovação em ciência e tudo mais.”

Resumo

  • Rodrigo Santos defende que a agricultura precisa de visão de longo prazo para equilibrar produtividade, inovação e transição climática em diferentes mercados
  • O Brasil se destaca como potência agrícola e ambiental, com o programa PRO Carbono da Bayer elevando produtividade e reduzindo emissões
  • CEO global de Crop Science Mesmo com desafios judiciais e reestruturação global, a Bayer também destaca modelo cooperativo brasileiro como modelo que pode ser replicado