Não é comum ouvir o nome Rabobank associado a pequenos produtores. A cooperativa financeira holandesa se expandiu pelo mundo financiando grandes projetos agropecuários e, no Brasil, costuma atuar junto a um grupo seleto de empresas e produtores.

Mas há um braço da instituição buscando mudar essa imagem. Um exemplo é um anúncio que deve ser feito nesta quarta-feira, 5 de julho, no Brasil. A Rabo Foundation, fundação do banco voltada para investimentos de impacto, vai destinar R$ 1,6 milhão (o equivalente a 300 mil euros) para financiar 10 propriedades em um projeto de conservação hídrica.

Trata-se de um investimento com características únicas na trajetória da fundação. Ela terá como parceiros o Consórcio Cerrado das Águas, organização que tem trabalhado junto a pequenos e médios produtores de café do Cerrado Mineiro, e a trading chinesa Cofco, que atuará como garantidora da compra do café dos produtores envolvidos.

Mas, sobretudo, é o maior cheque já destinado pela fundação no País e também o primeiro a atuar com propriedades de porte médio (com até 160 hectares de área consolidada com produção) e com foco em resiliência hídrica.

“Desta vez, atuaremos mais com impacto ambiental do que social”, afirma, em entrevista ao AgFeed, a economista Lygia Freire César, gerente de projetos da Rabo Foundation para a América Latina.

Baseada na Holanda, sede do banco, Lygia é a primeira brasileira a liderar a área. Sua chegada ao posto, em 2019, marcou uma guinada no olhar para o Brasil, que até então contava com poucos recursos da instituição.

Em 2020, por exemplo, foram apenas 100 mil euros destinados ao país. No ano passado, já eram cinco vezes maiores e, em 2023, a expectativa é de 800 mil euros, já incluindo o projeto no Cerrado Mineiro.

Mas pode ser ainda maior caso um projeto para financiamento de sistemas agroflorestal no Mato Grosso do Sul, estimado em 1 milhão de euros e em fase de avaliação final, seja aprovado.

“Nosso objetivo é justamente fazer a carteira crescer e tornar esse trabalho mais visível”, diz Lygia. “O Brasil nunca teve tradição na fundação, muito por conta da falta de conhecimento do nosso mercado, sempre associado a produção em larga escala”.

Pouco conhecida por aqui, a Rabo Foundation completa 50 anos em 2024 e atua em 22 países, sendo sete na América Latina. No ano passado, investiu 48 milhões e a região de Lygia recebeu 13 milhões de euros.

Cerca de 70% desses recursos têm sido destinados a projetos associados a café e cacau produzidos por agricultores familiares, com pouca qualificação e baixo acesso ao mercado. “è essa realidade que nos propomos a mudar”, afirma a executiva.

Através de uma rede de parceiros espalhada pelo mundo, a fundação busca identificar organizações com capacidade de utilizar comunidades em que valores nem sempre vultosos gerem uma melhoria nos sistemas de produção e, consequentemente, na qualidade de vida dos produtores.

O ticket médio dos projetos fica em torno de 300 mil euros para serem aplicados em conjunto com organizações e cooperativas capazes de atingir grupos de até 600 propriedades com agricultura familiar.

Se o investimento parece pequeno, a relevância da presença da marca Rabobank muitas vezes faz diferença. A influente rede de contatos do banco é acionada para ajudar a levar assistência técnica e oportunidades de mercado para esses produtores.

Assim, além do crédito agrícola – com taxas um pouco inferiores ao mercado – os programas da fundação costuma associar a área de trade finance.

Lygia César, gerente de projetos da Rabo Foundation para a América Latina

No Brasil, a Rabo Foundation tem atualmente sete projetos em andamento, com foco maior em transição agroecológica e conversão de pastagens para cultivo de grãos.

Esse é caso, por exemplo, de uma ação feita em parceria com a Raiar, empresa especializada na produção de ovos orgânicos, para auxiliar cerca de 50 pequenos produtores (com cerca de 10 hectares cultivados cada) a se tornarem fornecedores de grãos orgânicos. “É um projeto piloto, que se der certo pode ser estendido”, diz Lygia.

Com uma das principais compradoras de café da Alemanha, por sua vez, a parceria prevê investimentos em treinamento de produtores para a redução do uso de insumos químicos. Cerca de 4 mil produtores podem ser impactados numa primeira fase, que recebeu investimentos de 250 mil euros.

No Mato Grosso do Sul, a Apoms (associação de produtores de orgânicos do estado) coordena um projeto para levar crédito (cerca de R$ 20 mil pro propriedade) para irrigação e produção agroecológica.

Segundo Lygia, um dos desafios enfrentados em projetos assim é a relação dos produtores com o crédito. “Eles têm medo de se endividar”, conta. Por isso, vários deles possuem um componente de educação financeira.

Mais vulneráveis, os produtores envolvidos nos projetos da Rabo Foundation têm perfil de maior risco. Por isso, afirma Lygia, a instituição trabalha com mais flexibilidade na estruturação de operações, que vão além da cartilha do banco.

Ainda assim, diz, nem sempre é fácil encontrar projetos que atendam ao perfil desejado pela fundação. “É difícil alocar tudo o que temos disponível”, diz. Com mais visibilidade, inclusive no Brasil, ela espera mudar esse quadro.