Ao expandir as operações de seu grupo agrícola em Mato Grosso e Goiás nos últimos anos, o grupo paulista BF Terra, com sede em Orlândia (SP), se viu com dois caminhos ao comprar áreas com vegetação nativa, entre 2019 e 2021.
Um deles era a via mais tradicional, que consiste em abrir novas áreas de terra para plantar grãos. Outra alternativa, menos convencional, era preservar as áreas de floresta, sem avançar a produção agrícola sobre terrenos ocupados por árvores.
"Resolvemos tomar o segundo caminho porque vimos que isso complementava o nosso grupo", explica Waldir Fares Filho, diretor da BF Terra.
"Já produzimos cana, soja, então, eu disse: ‘Vamos fazer algo ambientalmente mais justo, mais correto, deixar essa terra preservada, gerando carbono".
Criado em 1977 por Waldyr Fares, pai de Fares Filho, e Walter Bordignon, o grupo conta hoje com cerca de 41 mil hectares em propriedades localizadas em Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Desse total, cerca de 12 a 13 mil hectares são destinados ao cultivo de soja, cana, girassol, sorgo e milho e também à pecuária.
Os 29,3 mil hectares restantes, quase três quartos do total, correspondem a áreas de floresta que foram preservadas em propriedades localizadas em Mato Grosso e Goiás – sendo 25 mil hectares preservados nas terras mato-grossenses e 4 mil hectares nas propriedades goianas.
De olho em monetizar a preservação das florestas, a BF Terra resolveu dar um passo além desde o ano passado, quando passou a construir um projeto de créditos de carbono com a empresa Greenline Carbonsat, que diz utilizar tecnologia validada e verificada pela consultoria Bureau Veritas.
Fares Filho diz que o monitoramento das fazendas é feito a cada quatro dias, via satélite, com imagens da Agência Espacial Europeia e da NASA. "Achamos uma forma de não desmatarmos e trabalharmos em cima daquelas áreas, gerando renda com preservação ambiental", afirma o diretor da BF Terra.
Assim, o grupo criou dois projetos para geração de mais de 1,35 milhão de créditos de carbono do tipo REDD+, que recompensa financeiramente a conservação de florestas: um em suas terras em Mato Grosso, totalizando um volume de 1,2 milhão de créditos de carbono a serem comercializados; o outro, baseado em suas terras em Goiás, com a ideia de gerar 153,5 mil créditos de carbono.
Cada crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 equivalente evitada ou removida da atmosfera.
Esses créditos foram emitidos no último dia 15 de julho e estão sendo comercializados na B4, uma plataforma de compra e venda de créditos de carbono que se autodenomina "Bolsa de Ação Climática".
Cada um desses créditos – tanto do projeto em Goiás, quanto o de Mato Grosso – custa US$ 14,20 (R$ 76,88, no câmbio do dia 25 de agosto), segundo Fares Filho.
Ou seja, se todos os créditos fossem vendidos de uma só vez, eles renderiam à BF Agro cerca de US$ 19,4 milhões (em torno de R$ 105 milhões, também na mesma cotação).
Por enquanto, a realidade é bem diferente. Isso porque nenhuma venda ainda foi feita, mas Fares Filho afirma à reportagem que está em negociação com três interessados.
Uma bolsa para o carbono
Criada há dois anos, em agosto de 2023, a B4 já recebeu ao longo do último ano aproximadamente 380 projetos para serem listados em sua "bolsa", um marketplace em que empresas que já possuem projetos de crédito de carbono verificados por terceira parte podem comercializá-los com outras empresas que tem interesse em comprar os créditos para abater suas emissões de CO2.
"No fim do dia, o que fazemos é uma ponte, garantindo que tudo o que está ali é 100% legal e auditado", explica Odair Rodrigues, CEO da B4.
Cerca de 10% a 15% dos projetos que já solicitaram listagem, segundo Rodrigues, estão ligados ao agro, em sua maioria, projetos envolvendo florestas em pé. “A gente queria muito que viesse mais do agro, mas a quantidade de hectares é grande”, diz.
Para entrar na plataforma da B4, as empresas que possuem projetos de créditos de carbono preenchem um formulário no site da bolsa, que faz uma análise inicial das informações cadastradas e depois repassa para uma triagem.
“A gente vê se esse crédito está elegível ou não para entrar no fluxo de listagem”, explica Rodrigues.
Projetos que já chegam com uma certificação prévia – a maior e mais famosa certificadora de créditos de carbono é a americana Verra – em tese passam por uma nova auditoria, segundo Rodrigues.
“Vamos ver de onde veio esse crédito, qual a região dele, que tipo de metodologia foi inserida ali, quem desenvolveu o projeto e aí a gente vai escolher qual empresa homologada na B4 que pode prestar esse serviço de verificar se esse crédito está ok dentro dos padrões”, afirma o CEO da B4, que, no entanto, alegando “critérios de confidencialidade”, prefere não dizer com quais seriam as empresas certificadoras a B4 trabalha.
Na prática, essa segunda checagem hoje está sendo feita em poucos casos, afirma Rodrigues.
“Todo o processo é muito novo. Às vezes, a gente homologa a empresa só para atender um tipo de crédito que está chegando. O Brasil é muito grande, os estados são muito grandes e os créditos que chegam para a gente são de diversas regiões e de diversos tipos. Às vezes, a gente não tem empresa suficiente para prestar esse serviço”, diz o CEO da B4.
Ele salienta ainda que, mesmo após essa auditoria ser feita, há um “olhar muito crítico” em relação às informações dos créditos.
Depois que os projetos são listados, a cada negócio, segundo Rodrigues, a B4 fica com 1,5% de taxas na negociação, tanto na compra quanto na venda, e mais 0,5%, taxa destinada a projetos de sustentabilidade da bolsa.
Todas as transações ficam armazenadas em um sistema blockchain – livro-razão digital, descentralizado e imutável que organiza dados em blocos interligados e protegidos por criptografia – para evitar duplicidade nas vendas.
A B4 está inserida em um mercado hoje questionado. É que, apesar do hype em torno do assunto nos últimos anos e de estimativas que chegam a apontar que o mercado de carbono poderia chegar a US$ 50 bilhões já em 2030, segundo cálculo da consultoria McKinsey, a realidade é menos alvissareira.
Sob esse mercado, especialmente nos casos de projetos REDD+, paira bastante desconfiança em relação à lisura dos títulos, reforçada por episódios como a Operação Greenwashing, deflagrada pela Polícia Federal no ano passado, que desarticulou uma organização criminosa suspeita de vender cerca de R$ 180 milhões em crédito de carbono de áreas da União invadidas ilegalmente na Amazônia.
O principal envolvido nessa operação foi o Grupo Ituxi, que havia conseguido certificar projetos na região com a certificadora Verra e era comandado pelo médico Ricardo Stoppe Júnior, conhecido como o maior vendedor individual de créditos de carbono do Brasil e que teria faturado pelo menos R$ 180 milhões com os projetos.
Assim que foi deflagrada a operação, a Verra suspendeu os projetos de carbono que havia certificado.
Além disso, o mercado segue passando por um processo de regulação no Brasil – ou seja, ainda é voluntário.
Dessa forma, a definição do preço e o volume dos créditos variam conforme o projeto e a empresa que os originou. “Ainda está uma bagunça. Ninguém sabe precificar esse negócio ainda, infelizmente”, admite Rodrigues, o CEO da B4.
Agricultura regenerativa e esmagadora
Enquanto comercializa seus primeiros créditos na B4, a BF Terras também está se preparando para fazer o balanço de emissões de carbono de suas áreas produtivas para, em um segundo momento, adotar práticas de agricultura regenerativa na propriedade.
Segundo Fares Filho, o grupo já adota algumas técnicas em suas lavouras, como o plantio direto, que podem ser consideradas de agricultura regenerativa, mas ainda estuda a melhor forma de acelerar as práticas sustentáveis no campo. “Ainda é uma coisa nova para a gente”, resume o diretor do grupo.
Em paralelo, a empresa também começou a industrializar sua produção agrícola. No ano passado, começou a operar, em Maurilândia (GO), uma esmagadora de grãos e sementes de pequeno porte.
Utilizando prensagem mecânica, a estrutura é capaz de processar 100 toneladas de sementes de girassol por dia, gerando óleo bruto, que é vendido para outras empresas para ser depois refinado.
“Ela também pode processar soja, mas estamos focando mais no girassol, porque é uma cultura com que a gente tem mais facilidade para trabalhar no mercado”, diz Fares Filho.
“Hoje o mercado de soja, apesar de ser muito grande, já tem muitas empresas trabalhando. E o nosso processo é mais ecológico, vamos dizer, porque é um processo mecânico, que não usa derivado de petróleo, então, não usa extração química.”
Resumo
- BF Terra preservou 29,3 mil hectares de florestas em MT e GO e lançou projetos REDD+ para gerar 1,35 milhão de créditos de carbono, listados na B4
- Empresa já está negociando créditos com interessados; se fossem vendidos de uma vez só, renderiam mais de R$ 100 milhões à BF Terra
- Grupo também pretende investir em práticas de agricultura regenerativa e inaugurou no ano passado uma esmagadora de girassol em Goiás