Em 2023, os países produtores devem colher cerca de 370 milhões de toneladas de soja – o Brasil, maior produtor, será responsável por 30% desse total. Mas apenas algo em torno de 6,8 milhões, ou menos de 2%, receberam, em 2022, um selo da principal certificadora de sustentabilidade e rastreabilidade da cultura, a Associação Internacional de Soja Responsável, conhecida pela sigla RTRS.

O Brasil lidera com folga também a produção da chamada “soja responsável”. Do total certificado, 5,5 milhões de toneladas saíram de nossas lavouras. A questão é que isso corresponde a apenas 1,5 milhão de hectares cobertos pela RTRS, de um total de mais de 40 milhões plantados com a oleaginosa.

A pergunta que fica no ar é: são os produtores que certificam pouco ou não há demanda por mais soja responsável? Segundo Cid Ferreira Sanches, consultor externo e principal porta-voz da RTRS no Brasil, as duas pontas andam juntas e, desde o ano passado, após alguns anos de estagnação, o volume global da oleaginosa certificada pela RTRS disparou 46,5%.

E deve seguir nessa toada. Por trás desse crescimento está justamente o aumento das exigências do consumidor europeu. Quase todo o volume de soja que passa pelo processo a RTRS é destinado a esse mercado, com potencial para aumentar muito com a entrada em vigor do chamado “Green Deal”, legislação que cria regras ainda mais rigorosas para a importação, pelos países do continente, de produtos agropecuários.

Segundo Sanches, a Europa importa anualmente 18 milhões de toneladas de grãos e farelo do Brasil, o que demonstra o quanto a venda de soja responsável ainda pode crescer.

"(Soja certificada) ainda é um nicho da Europa, por pressão de consumidores e de questões ESG. A cadeia é complexa e a soja troca de mãos por muitos players até chegar ao produto final", afirma Sanches.

"Há quatro anos, o mercado (europeu) era restrito à Holanda, Bélgica, e países nórdicos, mas hoje temos Inglaterra, Itália e França e potencial para crescer".

Como avançar em outros mercados produtores e consumidores é o primeiro dilema da RTRS. A organização, com mais 200 membros de toda a cadeia da oleaginosa em 32 países, registrou aumento, do lado da oferta, na Índia e Argentina.

No Brasil, os volumes avançam também, embora produtores se queixem que os prêmios pagos pela certificação nem sempre compensam os custos necessários para obtê-la.

Do lado da demanda, na Ásia e América Latina, essa originada principalmente por companhias de pescados do Chile, Peru e Equador.

"No Brasil, as empresas globais estão com quase 100% do óleo de soja certificada, mas a cadeia de alimentos, principalmente a animal, ainda tem potencial para crescer", afirmou consultor da RTRS.

Na avaliação de Sanches, crescer com a "soja responsável" na China, maior mercado consumidor global, exige "maturação", o que deve ocorrer apenas no final da década.

Para isso, a associação dispõe, desde 2021, de um representante no país asiático. A demanda da Ásia vem de empresas de Cingapura e Japão, de alimentos à base de soja e pescados.

“China demandando por soja certificada em grande volume ainda demorará alguns anos, mas não é inviável", avalia.

Concorrência dos clientes

Outro dilema da associação, esse mais recente, é a concorrência criada por tradings gigantes. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, em 21 de junho, a criação de uma joint venture para desenvolver e operar uma nova plataforma de certificação na cadeia de suprimentos alimentares.

Essa plataforma, ainda sem nome ou detalhes de como irá operar, tem como sócias ADM, Cargill e Louis Dreyfus Company (LDC), três associadas (e clientes) da RTRS, além da SustainIt.

Procurados pelo AgFeed, representantes da parceria informaram apenas, por meio de uma assessoria de comunicação, não estarem “prontos para enviar informações" e que se manifestarão assim que puder.

Ao Cade, a parceria entre as gigantes relatou que seu objetivo "é desenvolver uma plataforma que habilite empresas atuantes na cadeia de suprimentos alimentícios e agrícolas a medir o impacto gerado em temas relativos à sustentabilidade".

Informaram ainda que pretendem "padronizar as metodologias de medição de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos agrícolas e alimentícios para permitir que os fornecedores mostrem seu desempenho conforme essas metodologias para seus clientes em uma plataforma de multi-stakeholder que pertence a diferentes players da indústria de alimentação e agricultura."

Para Sanches, da RTRS, a joint venture das associadas é mais uma das várias iniciativas de companhias que promovem rastreabilidade e sustentabilidade. Ele acredita que a nova certificadora é uma forma que as tradings encontraram de ampliar o atendimento ao mercado europeu.

"As companhias que atuam e compram a soja - alimentos, supermercados e restaurantes - muito dificilmente vão parar de nos demandar. A RTRS está um nível acima da exigência, são 108 indicadores, e é difícil voltar atrás", afirmou.

Projeção e mudanças

Independente da possível concorrência, a RTRS projeta superar 7 milhões e chegar a até 8 milhões de toneladas de soja certificada globalmente em 2023. Além disso, a associação projeta crescer e consolidar a certificação de milho, cujo projeto embrionário começou em 2022 com 650 mil toneladas.

Além disso, a RTRS, de acordo com Sanches, se organiza para que a indústria certificada remodele a cadeia de custódia e tenha novas ferramentas. Os detalhes dessa mudança serão apresentados no fórum global da associação, em outubro, em São Paulo.