Quarta-feira, 6 de novembro. Se o mundo ansiava que essa data trouxesse a resposta para uma das principais incógnitas sobre como será o cenário global nos próximos anos, uma parte dela está dada.

Com o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos definido em poucas horas - diferente do que aconteceu no pleito de 2020 - desde o início da manhã já se podia bancar: Donald Trump estará de volta à Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2025.

A vitória selada deu espaço a uma nova série de perguntas a serem respondidas: a Era Trump II será mesmo ainda mais conservadora do que o primeiro mandato do bilionário? Ele avançará nas medidas protecionistas que anunciou na campanha? A polarização econômica com a China será ainda mais acirrada?

É difícil cravar respostas, sobretudo diante da inaplicabilidade (de acordo com as atuais normas vigentes nos EUA atualmente) de algumas promessas – e, em alguns casos, ameaças – de Trump.

Mas o certo é que, no novo mandato, ele deve ter condições de impor uma gestão ainda mais afeita ao seu estilo. Isso porque a vitória republicana, em 2024, foi mais expressiva que a obtida em 2016, quando Trump venceu sua primeira corrida presidencial.

Se há oito anos ele derrotou Hillary Clinton no colégio eleitoral, mas teve menos votos no total do eleitorado americano, desta vez superou a oponente Kamala Harris também na preferência popular – o que, se não faz diferença para a decisão de quem vai governar o país, amplia, de certa forma, o cacife político.

Além disso, diferentemente do que aconteceu com John Biden, o Partido Republicano obteve maioria nas duas casas legislativas, tendo recuperado agora o controle do Senado.

O impacto da escolha do eleitorado americano deve começar a ser percebido nos próximos dias, a partir das manifestações do agora presidente eleito. Em relação ao Brasil – e, mais especificamente, o agronegócio –, deve-se perceber uma mudança de tom no âmbito político e muita torcida no econômico.

No campo diplomático, Trump tende a manter distância do governo Lula, já que jogam em campos ideológicos opostos. Entretanto, como as relações entre os dois países são razoavelmente estáveis, independente de quem os comande, não se espera nenhum movimento mais radical em ambos os lados.

Já no terreno econômico, as decisões de Trump têm potencial de promover transformações importantes no humor dos mercados, afetando sobretudo os setores exportadores – e então o agro, como principal fonte de divisas externas do País, estará no centro do furacão.

Para setores como os de grãos e algodão, por exemplo, a expectativa é positiva. Produtores e empresas do segmento trazem na memória os efeitos da política protecionista de Trump em seu primeiro mandato.

“A última gestão de Trump foi boa para o Brasil, incluindo para o agronegócio, pois abriu espaço para a ampliação do comércio com a China”, comentou o coordenador do centro de estudos Insper Global Agro, Marcos Jank, em conversa recente com o AgFeed.

Ao impor tarifas à importação de produtos chineses e iniciar uma guerra comercial com a potência asiática, Trump pavimentou o caminho para uma maior demanda da China por produtos brasileiros.

Entre 2017 e 2020, o comércio bilateral entre China e EUA diminuiu em mais de US$ 100 bilhões. No mesmo período, o Brasil registrou uma grande alta nas compras de soja e milho por parte das empresas chinesas, colocando o país na rota para se tornar o maior fornecedor dos grãos à nação oriental.

Isso fez saltar os negócios entre os dois países, que superou os US$ 100 bilhões pela primeira vez no ano passado, ampliando também a pauta para outros segmentos, como as carnes.

Na campanha eleitoral encerrada agora, Trump prometeu retomar a guerra comercial, abrandada (mas não encerrada) por Biden e impor tarifas de até 60% sobre as importações vindas da China.

A iminência de uma vitória do republicano – e, portanto, da efetivação de mais restrições ao comércio com a China – tem afetado, desde já, o mercado de commodities agrícolas.

Nas últimas semanas, grupos chineses anteciparam compras de soja americana, ampliando seus estoques em um movimento preventivo diante de um possível mercado mais difícil a partir de janeiro.

E, para o próximo ano, a indicação é de que se voltarão mais para outros vendedores, como os brasileiros, que hoje já vendem quase três vezes mais que os americanos ao mercado chinês.

“Temos agora que ampliar as vendas incluindo produtos de maior valor agregado, como derivados de leite e carnes processadas”, afirmou Larissa Wachholz, especialista em China do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), em conversa recente com o AgFeed.

Entre as primeiras medidas a serem anunciadas por Trump ao tomar posse deve estar justamente Reciprocal Trade Act, conjunto de medidas com as quais pretende reduzir, através de tarifas, a competitividade de produtos estrangeiros no mercado americano.

Esse foi um dos acenos feitos pelo candidato ao setor agrícola do seu país, normalmente com peso eleitoral decisivo para os republicanos. Assim como a soja, milho e algodão brasileiro podem ser beneficiados por uma demanda crescente de países que reajam às medidas protecionistas dos EUA.

Não por acaso, analistas de mercado avaliavam como positivas as perspectivas, na bolsa brasileira, para ações de companhias agrícolas produtoras de commodities, como SLC Agrícola e Brasil Agro, e até mesmo de logística, como a Rumo. Em relatório recente, a XP Investimentos indicou que essas empresas poderiam ser beneficiadas como uma “escalada da guerra comercial” entre EUA e China.

Por outro lado, exportadores brasileiros de café ou de carnes podem sofrer com os impactos do tarifaço.

O presidente eleito promete também ampliar o leque de subsídios aos agricultores para favorecer a competitividade dos produtos americanos. Em seu primeiro mandato, ele havia praticamente triplicado os valores aportados pelo governo em estímulos ao setor – que passaram de US$ 11 bilhões em 2017 para US$ 32 bilhões em 2020.

Trump deve seguir, aqui, um caminho distinto ao do atual presidente. Enquanto Biden abriu os cofres para incentivar programas de agricultura regenerativa, o futuro presidente deve privilegiar mecanismos para baratear o preço de energia e combustíveis fósseis – que têm grande impacto na operação das propriedades rurais e também na produção de insumos, como fertilizantes e defensivos químicos.

O republicano é claramente favorável à revisão de restrições impostas por Biden à adoção de agroquímicos e prometeu ainda atuar para agilizar as aprovações, pelos órgãos reguladores americanos, de novos produtos nessa área e na de inovações biotecnológicas.

Outro mercado que deve estar atento às decisões de Trump é o dos biocombustíveis. Nas últimas semanas, as principais indústrias de etanol de milho dos Estados Unidos reduziram suas compras do grão em função da indefinição política.

Trump diz que pretende estimular também esse segmento, visando principalmente a exportação de etanol. Caso isso se confirme, um possível aumento de demanda por milho pode melhorar as cotações internacionais do grão.

No front interno americano, isso teria impacto positivo em alguns dos principais redutos eleitorais republicanos, como os estados do Meio Oeste, no famoso cinturão do milho.

Já o maior estado produtor agrícola do país, a Califórnia, com maioria democrata, a vitória trumpista traz preocupação no campo. Isso em virtude da expectativa de que o novo presidente avance com seus planos de promover uma deportação em massa de imigrantes.

No país, cerca da 17% da mão-de-obra nas propriedades agrícolas é formada por trabalhadores vindos de outros países e o temor é de que uma ação mais radical de Trump nessa área traga escassez de trabalhadores e, como consequência, queda na produção.

A boa notícia, nesse caso, é que a megadeportação prometida pelo presidente eleito não é barata nem simples de executar. Talvez não saia do papel tão cedo.