A disputa judicial envolvendo a Cotribá e seus credores — especialmente o Santander — ganhou um novo capítulo decisivo nesta sexta-feira, 12 de dezembro. A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) indeferiu o pedido de reconsideração apresentado pela cooperativa e manteve o efeito suspensivo que havia interrompido sua tentativa de ingressar em recuperação judicial.
A decisão reacende a possibilidade de bancos e demais credores retomarem imediatamente cobranças, penhoras e execuções.
Na prática, o processo volta à estaca zero: a Cotribá continua impedida de acessar o regime de recuperação judicial, porque as cooperativas, por lei, não se enquadram entre empresas autorizadas a pedir esse tipo de proteção.
Com isso, cerca de 30 instituições financeiras voltam a ter caminho livre para executar garantias, bloquear contas e exigir o pagamento de dívidas que já ultrapassam a casa de bilhões.
A decisão, assinada pela desembargadora Eliziana da Silveira Perez, afirma que não existe fato novo que justifique rever o entendimento de decisão anterior, proferida por ela mesmo no dia 4 de dezembro, que já havia suspendido os efeitos de um parecer favorável à Cotribá no juízo de primeiro grau.
Segundo a magistrada, a cooperativa não apresentou nenhum elemento jurídico ou fático novo, apenas reforçou alegações econômicas e sociais já consideradas anteriormente — como risco de colapso, impacto regional, ameaça à safra e desemprego.
“A petição, em sua essência, reitera argumentos já deduzidos (...). Não há fato novo capaz de infirmar os fundamentos que justificaram o efeito suspensivo”, escreveu a desembargadora.
O ponto central, segundo a decisão, continua sendo a ilegitimidade jurídica das cooperativas para requerer recuperação judicial, conforme prevê expressamente a Lei 11.101/2005 e o Código Civil.
“A lei é taxativa ao restringir a recuperação a empresários e sociedades empresárias; a cooperativa é, por definição legal, sociedade simples”, afirma o despacho.
Com a suspensão da “blindagem judicial” concedida pela primeira instância, retornam automaticamente a possibilidade de bloqueio de contas, penhoras diárias, retomada de execuções individuais em massa e cobrança das garantias dadas aos bancos.
O Santander — um dos maiores credores — liderou o movimento, mas a cooperativa deve para cerca de 30 bancos. Para parte desses credores, a recuperação judicial representaria uma limitação relevante à capacidade de executar ativos dados em garantia.
A desembargadora explicitou nesse ponto que “a manutenção da suspensão das execuções causaria abalo imediato ao patrimônio dos credores, que têm direito líquido e certo de cobrança.”
No pedido de reconsideração apresentado no dia 10, a Cotribá argumentou que a espera de 81 dias até a próxima sessão de julgamento da Câmara — marcada para 26 de fevereiro de 2026 — tornaria a decisão praticamente irreversível, levando a cooperativa ao colapso.
O documento descrevia risco de demissão em massa de mais de 1.000 trabalhadores, estrangulamento financeiro de 9.500 famílias de agricultores associados, paralisação durante a safra de grãos, momento crítico para tentativa de reestruturação e possibilidade de quebra da cadeia agrícola regional.
A cooperativa escreveu, em sua apelação, que estaria “em jogo a vida ou morte da cooperativa”, escreveu a defesa.
A desembargadora reconheceu o impacto social e econômico da crise da Cotribá, mas afirmou que o Judiciário não pode flexibilizar a legislação da recuperação judicial sem respaldo legal — ainda que a situação da cooperativa seja dramática.
“O argumento de que a ausência de proteção levará à ‘morte empresarial’ da cooperativa é, sem dúvida, forte, mas não pode servir como um salvo-conduto para contornar a legislação”, afirmou a magistrada.
O Santander sustenta desde novembro que a cooperativa não pode ser tratada como empresa, portanto não tem legitimidade para pedir recuperação judicial. Também afirma que a decisão de primeira instância foi uma interpretação “extensiva” e sem amparo legal, criando insegurança jurídica ao impedir credores de executar bens que lhes pertencem por contrato. O TJRS, por ora, acolhe essa tese.
O mérito do agravo — que decidirá de forma definitiva sobre a possibilidade ou não de a Cotribá acessar o regime de recuperação — só será analisado em fevereiro. Até lá, vale o efeito suspensivo
O juiz Eduardo Busanello, que responde pela Vara Regional Empresarial de Santa Rosa (RS), que havia concedido uma medida que funcionava, na prática, como uma proteção coletiva semelhante à recuperação judicial, justificou, em entrevista ao AgFeed, que, sem uma solução organizada, o patrimônio da cooperativa poderia ser consumido de maneira desordenada, prejudicando produtores, trabalhadores e credores menores.
Busanello explicou sua lógica com uma analogia simples — fala que agora pode ser incorporada literalmente por ser conteúdo seu. “Se alguém vai na sua casa e leva a geladeira, outro leva a televisão, outro o sofá... no final sobra pouco. É melhor vender tudo de forma organizada, preservando valor. A execução coletiva paga mais do que a individual. Na individual, o primeiro que chega pega tudo. O último pega a casa vazia.”
A visão do magistrado era de que uma solução coletiva evita o “vale-tudo” das execuções individuais, no qual quem chega primeiro obtém vantagem absoluta, enquanto os demais credores, incluindo produtores rurais e funcionários, ficam sem proteção.
Essa interpretação, porém, foi contestada pelo Santander e por outros bancos, que argumentam que tal medida não encontra respaldo legal, e acabou revertida pelo TJRS por falta de previsão na Lei 11.101/2005.
O caso que poderia criar precedente nacional e tem repercussão porque nenhuma cooperativa de grande porte no país conseguiu judicialmente o direito de pedir recuperação judicial. Assim o setor cooperativista pressiona há anos por mudança na Lei 11.101/2005 e o caso Cotribá pode influenciar dezenas de outras entidades no país. Por ora, o TJRS sinaliza que não pretende abrir esse precedente.
Incerteza
Glênio Guimarães um dos produtores da Cotribá explica que o grupo de agricultores ligados à cooperativa não tem muitas informações sobre todos os desmembramentos questões judiciais, administrativas e econômicas que estão sendo colocados no cenário.
“Sei que o Santander tinha entrado (na Justiça), mas que a Cotribá tinha derrubado a liminar. Não tenho conseguido acompanhar tudo. Os produtores estão preocupados, claro, mas não temos nenhuma ação conjunta, não sei quantos produtores conseguiram receber. Alguns conseguiram pegar em mercadoria”, conta Guimarães, que integra a Associação dos Produtores e Empresários Rurais (APER), entidade criada em 2024 justamente com a finalidade de buscar soluções para crises vivida pelos agricultores e pelo agronegócio gaúcho como um todo.
As incertezas pairam sobre toda a cidade e região, inclusive sobre lideranças políticas. A única e aparente certeza é que as perspectivas não são boas.
No comércio os impactos já começaram. Dos três postos de combustível que a Cotribá mantinha no município, dois foram vendidos para outras bandeiras, mas ao menos seguem operando - e um da cooperativa também - ao menos até esta sexta-feira. O varejo pretencente à cooperativa, na área de supermercados, está aberto na cidade e na região, mas a venda é dada como certa.
Teria sido esse movimento de diversificação um dos fatores que desde 2001 teriam descapitalizado a cooperativa que investiu fortemente em estender seus seus negócios para o varejo entre outras atividades.
“Não sei o que vai acontecer, mas vai ser um estouro grande para o todo o Estado (o possível fim da cooperativa), não só para a só na cidade”, avalia Guimarães.
Resumo
- A 6ª Câmara Cível do TJ-RS rejeitou recurso da Cotribá e manteve o efeito suspensivo que impede a cooprativa de acessar a RJ, por falta de previsão legal
- Com a decisão, mais de 30 bancos podem retomar imediatamente bloqueios, penhoras e execuções
- O caso, de forte impacto social e potencial para criar precedente nacional, expõe o impasse jurídico sobre a impossibilidade de cooperativas recorrerem à Lei 11.101/2005.