Os olhos do mundo se desviaram para outro conflito, agora no Oriente Médio. E muitos já não se lembram que a Ucrânia vive uma guerra que já dura um ano e meio. O país ainda sofre com ataques diretos e colhe prejuízos por consequência de ataques vividos meses atrás.

Importante produtor de cereais diversos e fertilizantes, A Ucrânia padece nas cidades e também na zona rural, onde o cenário visto em muitas propriedades assusta os visitantes.

Em Kharkiv, cidade ao norte da Ucrânia, muito próxima da divisa com a Rússia e que foi palco de intensos combates, nem mesmo a libertação do controle russo trouxe alívio aos produtores rurais.

Uma reportagem do jornal The Wall Street Journal (WSJ) mostrou na semana passada que depois que as forças russas chegaram à região, em fevereiro de 2022, os combates destruíram grande parte dos bens e equipamentos de empresas como a produtora de laticínios Agromol, que teve cerca de 2 mil das suas 3 mil vacas mortas em virtude da guerra.

Agora, a reconstrução das instalações na propriedade divide espaço com cenas macabras. Enquanto um galpão é erguido de um lado, em um barracão próximo dali permanecem intocadas as carcaças de 10 vacas, algumas com suas cabeças ainda presas em alimentadores automáticos que falharam depois de um bombardeamento ter cortado o fornecimento de energia.

Não é um problema isolado. Para solucionar situações como essa, o presidente da Associação Ucraniana de Cereais, Nikolay Gorbachov, publicou em seu Linkedin que a instituição lançou um fundo para captar recursos.

O dinheiro captado, que nas estimativas de Gorbachov precisa atingir entre US$ 9 bilhões e US$ 12 bilhões, servirá para ajudar os produtores locais a retomarem uma certa normalidade na produção.

“Hoje, 6 milhões de hectares de terras agrícolas na Ucrânia foram afetados pela guerra – minados, contaminados, ocupados ou submetidos a operações militares”, escreveu o dirigente na postagem. “Decidimos criar o fundo de caridade para ajudar na desminagem beneficente de terras locais”.

De acordo com Gorbachov, o fundo será direcionado exclusivamente para organizações que fazem esse serviço de desminagem ou para outros fundos que financiam projetos do gênero.

“Considerando que o mundo exige grãos ucranianos, os agricultores estão empenhados em voltar a produzi-los o mais rápido possível”, diz.

O conflito abalou a economia ucraniana. No ano passado, o PIB do país contraiu 29,1%. A expectativa agora é de um crescimento de 2,9% neste ano.

A inflação caiu de 26,6% no ano passado para 8,6% agora, e o preço das obrigações do país duplicou nos últimos meses. Com isso, várias empresas estrangeiras, incluindo a gigante multinacional Bayer, dizem que estão investindo de volta no país.

Segundo informações de um estudo feito pela União Europeia e publicado no WSJ, quase um quarto das perdas e danos causados ​​pela guerra na setor agrícola – estimados em cerca de US$ 31,5 bilhões, no total – ocorreram nas regiões de Kharkiv e Kherson.

Na primeira, onde a Agromol está instalada, há também dificuldade em encontrar trabalhadores para reconstruir a fazenda. Antes da guerra, a empresa produzia 40 toneladas de leite por dia. Agora são apenas 6 toneladas.

As minas antitanque instaladas pela Rússia impedem ainda a fazenda de plantar grãos e girassóis em seus 12,4 mil hectares.

No total, cerca de 1 milhão de hectares, ou cerca de 10% das terras agrícolas nas áreas libertadas, estão sem utilização devido às minas terrestres, de acordo com o Ministério da Política Agrária e Alimentação da Ucrânia.

A arrecadação de fundos para a reconstrução também é um problema visto pelos produtores locais.

Também em Kharkiv, a empresa de frutas do agricultor Sergiy Lebediev tenta reconstruir um grande armazém refrigerado, mas não consegue captar recursos.

A instalação custou mais de US$ 2 milhões para ser construída em 2016, mas foi destruída em março de 2022. “A incapacidade de refrigerar as frutas significa que os produtos têm de ser vendidos quase imediatamente. Com isso, nem sempre conseguimos o melhor preço”, disse Lebediev ao WSJ.

Seus pomares ainda mostram marcas da artilharia russa, o que prejudica a capacidade produtiva.
Antes da guerra, Lebediev gastou US$ 70 mil para construir as fundações de uma fábrica de suco de maçã e sidra. “Não temos dinheiro para novos equipamentos e os bancos também não nos dão”, disse Lebediev.