Com mais de 70% da safra de soja colhida e preços um pouco melhores ao longo do mês de março, produtores rurais fecharam mais negócios na comercialização de grãos nas últimas semanas, conforme o relato de tradings e corretoras internacionais.
Na multinacional ADM, um dos principais players do mercado da soja no Brasil, a percepção é que o ritmo de avanço nas vendas que vinha em 5 pontos percentuais mensalmente, até fevereiro, passou para 10pp no mês passado.
“Os preços (ao produtor) melhoraram de 5 a 8 reais (por saca) dependendo da região e chegamos no final de março com 45% da soja comercializada no Brasil”, disse o diretor de originação e insumos da ADM, Raphael Costa, em entrevista ao AgFeed.
O executivo admitiu que o ritmo ainda é lento, já que a média histórica ficaria entre 50% e 55%.
Guilherme Britzki, senior broker da corretora internacional McDonald Pelz, confirma que o melhor ritmo vem se mantendo nestes primeiros dias de abril.
“Somente esta semana foram comercializadas mais de 3,5 milhões de toneladas, com bastante procura principalmente na segunda e na terça-feira”, afirmou Britzki.
Na visão dele, que já liderou a área de trading de grãos da multinacional CHS, o mercado hoje trabalha com uma safra de 154 milhões de toneladas e, considerando este volume, é possível afirmar que 40% já foram vendidos pelos produtores, menos que 50% registrados na mesma época do ano passado e ainda mais abaixo da média histórica, que estaria próxima de 60%.
A Céleres Consultoria também avalia o ritmo de comercialização em patamares semelhantes. O analista Enilson Nogueira diz que 42,5% foi vendido até agora devido ao “mau humor” dos produtores rurais em relação aos preços atuais, apesar da recente alta.
O indicador Cepea da soja para o Paraná, por exemplo, está em R$ 120 por saca, mas já esteve em R$ 113 há 20 dias.
Nogueira acredita que com a chegada dos prazos de custeio da safra, de 30/04 a 30/05 dependendo da região, poderá haver uma maior movimentação de venda por parte dos produtores.
“Mas será não por vontade relacionada a uma melhora de preço, é mais por necessidade”, afirmou o analista.
Outra analista de mercado, Ana Paula Lodi, da Stone X, também acredita em melhora no ritmo daqui para a frente em função da baixa capacidade de armazenagem no País, à medida que o período de colheita do milho se aproxime.
O principal efeito negativo de uma comercialização lenta da safra é a dificuldade de planejamento para as tradings que processam e exportam os grãos e também para as empresas que vendem os insumos, à medida que boa parte da compra de fertilizantes e defensivos é feita via “barter”, operações de troca, com entrega futura do que é colhido.
Segundo Britski, da Pelz, com o ritmo lento da venda do produtor, a operação fica muito “da mão para a boca” e as empresas têm dificuldades em ajustar a logística do curto prazo. Contratos com ferrovias, por exemplo, são negociados com visão de longo prazo e requerem previsibilidade.
Raphael Costa, por sua vez, disse que, em alguns casos, tem sido necessário renegociar “vencimentos”. Ou seja, uma soja que era pra entregar em determinado mês, acaba sento passada para outro.
Para o diretor da ADM, no milho segunda safra o atraso é ainda mais grave. Até o fim de março apenas 15% da safrinha havia sido comercializada, segundo ele, sendo que o normal seria ter vendido pelo menos 25%.
“Todas as empresas ficam obrigadas a agir e responder num prazo mais curto. Quando dá para se programar é bom para todo o segmento, por isso vira um desafio alocar demanda para todos os destinos”, disse.
Para Guilherme Britzki, este descompasso entre o ritmo de vendas do produtor e o desafio das tradings em viabilizar a logística para cumprir os contratos de exportação pode ser um dos fatores que levam a uma previsão de menor exportação de soja em abril. “Mas a demanda mais fraca é outro fator importante”, ressaltou.
Pelo relatório divulgado pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) esta semana, o Brasil deve exportar 10,65 milhões de toneladas em abril, uma queda de 3,4 milhões de toneladas em relação ao mesmo mês do ano passado.
No setor de insumos a preocupação é a mesma. Em evento recente do Rally da Safra, o vice-presidente da OCP, gigante global de fertilizantes, Alfredo Pardin, confirmou que “o mercado tem andado mais atrasado do que a média” e se mostrou preocupado com um possível gargalo logístico.
“Em função das baixas rentabilidades previstas para a próxima safra, entendemos que produtor vai procurar racionalizar ao máximo, aguardando pelo momento com a melhor relação custo benefício”, afirmou.
Pardin disse que, apesar da relação de troca ter melhorado um pouco, o produtor “não tem ainda uma atratividade para tomar a decisão de forma antecipada”. A OCP vende principalmente fertilizantes fosfatados, bastante utilizados na soja.
Na opinião do executivo, se a compra ficar mais concentrada no fim do ano, pode haver dificuldade logística para entregar o produto dentro da janela ideal de plantio. “Isso vai impactar o custo e talvez até a produtividade”, acrescentou.
A ADM, além de processar e exportar os grãos, também é uma das maiores distribuidoras de fertilizantes no Brasil e 90% dos insumos que vende é via operações de troca.
Para lidar com o ritmo lento dos negócios, Raphael Costa diz que a empresa, por ter um acordo com a Mosaic, tem buscado ofertar a “melhor relação de troca do mercado”, ao se beneficiar de negócios em maior escala.