O gaúcho Carlos Cogo conhece como poucos o agronegócio brasileiro. É médico veterinário, formado pela UFRGS, mas já na década de 1980 começou a trabalhar na Conab, onde primeiramente faria análises sobre carne e lã, mas logo em seguida se descobriu apaixonado pelo mercado de grãos.
“Fiquei dois anos em Brasília e comecei a montar operações de contratos de opções, foi aí que comecei a gostar demais desta área”, lembrou Cogo, antes de começar a falar do atual cenário do setor, nesta entrevista ao AgFeed.
Atualmente com mais de 30 anos de experiência e diversas pós-graduações ligadas ao mercado agrícola, a quantidade de grandes empresas, cooperativas e entidades do setor que hoje compõem sua lista de clientes impressiona.
Na carteira de clientes da Cogo Inteligência em Agronegócio estão, por exemplo, as cinco maiores multinacionais de defensivos agrícolas, boa parte das grandes de máquinas, equipamentos e fertilizantes, além de bancos, associações e até fundos de investimento.
“Acho normal o setor tentar passar esta imagem de crise, não considero como algo errado, mas, particularmente, vejo que temos problemas localizados e que boa parte do que estamos vivendo foi por um erro de estratégia do produtor rural”, afirma o consultor, ao ser questionado sobre o momento desafiador que tem sido relatado, especialmente na cadeia da soja.
Na visão de Cogo, a situação é mais difícil em Mato Grosso, em função da quebra de safra. Porém, “para que fosse instalada uma crise” no setor como um todo, segundo ele, o cenário de margem líquida negativa verificado no estado precisaria se repetir por mais de duas safras.
Ele acredita que há uma tendência de custos mais baixos para as principais culturas e um cenário mais favorável para o milho, que tende a retomar o aumento de área plantada.
Apesar disso, Cogo admite ao AgFeed que a margem líquida da soja na região do Cerrado “é a pior da história”, levando em conta um acompanhamento que é feito pela consultoria desde 2010.
O consultor prevê que diversas regiões importantes para a produção da oleaginosa ainda terão “margem zero” na safra 2024/2025.
Na entrevista a seguir Carlos Cogo trata de diversos temas, como a expectativa para os preços e para a área plantada de soja na próxima safra. Confira.
Como está vendo o atual momento do agro? Fala-se em ajuste, em crise, como você descreveria?
Em primeiro lugar, eu não vejo crise. Acho que é um exagero isso. É normal o setor tentar passar essa imagem de crise, não vejo como errado, é para dar um caráter mais imponente para a história, ganhar negociações, ter a mão do governo junto. Mas eu, particularmente, não vejo crise.
Como define, então?
Acho que temos problemas localizados e essa situação um pouco diferente que envolveu quebra de safra misturada com queda de preço. E muito do que está aí é porque houve um grande erro de estratégia do produtor. Na primeira vez que falei isso em palestras, em tom de crítica, sobre o erro estratégico cometido pelo produtor, achei que iria ser mal recebido e não foi, muitos até elogiaram. É um erro que acabou piorando toda a situação.
Qual foi esse erro estratégico?
Se tivéssemos feito o que sempre se fez, que é fazer vendas antecipadas de grãos, evitar acúmulo de oferta, aproveitar preços altos, eu tenho certeza de que não estaríamos discutindo nada disso agora. Estaríamos falando só da quebra de safra. Tem uma parcela enorme de culpa do produtor. A queda de preço de soja iria ocorrer de qualquer maneira, são fundamentos de mercado, mas o que levou ao que estão chamando de crise tem uma parcela de culpa dos produtores que poderiam ter se protegido deste processo. Mas não vejo crise. Tem um problema grave em Mato Grosso, porque é o estado na média mais distante do porto e é o que tem o custo de logística maior. A média que o estado tem de produtividade este ano de soja não cobre o breakeven de custo, ou seja, não paga nem o custo. Ali é verdade.
E nas outras regiões?
Também está preocupante a situação em Goiás, por exemplo. Já no Matopiba, em que era esperada uma situação ruim em função de ser um ano de El Niño, as produtividades não estão excelentes, mas cobrem o custo e dá para continuar. No Sul e Sudeste a situação também é bem razoável. O preço caindo atinge todo mundo, mas não vai colocar ninguém em crise. Vejo que é bem específico, depende de cada região. É por isso que já vimos uma consultoria até elevar a estimativa para a safra de soja. Houve um exagero neste tema de quebra de safra. Até escrevi um artigo que foi muito compartilhado sobre isso.
O que diz no artigo?
Quando a soja estava US$ 17 por bushel não havia essa polêmica, todo mundo achava que a metodologia (de avaliação de safra) estava correta. Ficou errada só agora? A metodologia sempre foi a mesma e, aliás, está ficando cada vez melhor, as grandes consultorias privadas e o governo têm ficado cada vez mais próximos. Afinal há controle de todos os números, sabemos pelas guias da ComexStat o que é exportado, pela Abiove o que é esmagado. O erro, quando acontece, é de dois ou três pontos percentuais, é mínimo. Não precisava deste escândalo todo. Se por acaso houvesse um erro grosseiro nas estimativas de safra, no final de cada ano ia aparecer.
Sendo assim, mesmo olhando somente pelo ponto de vista do produtor, não é “a maior crise de todos os tempos”?
Nós praticamente não trabalhamos com produtores, temos mais clientes em insumos como defensivos, fertilizantes, máquinas agrícolas, armazenagem, além de bancos e fundos de investimento. Porém, fizemos um controle bem profundo desta situação do produtor para dar suporte aos clientes. Desde 2010 temos um controle de custos e margens por região para todos os grandes cultivos, soja milho, algodão, arroz, feijão, café e cana.
"Muito do que está aí é porque houve um grande erro de estratégia do produtor"
Tem vários setores indo bem este ano como cana, citros, algodão, que está com ano excepcional, arroz está excelente, milho razoável e café está bem. Mas a soja é carro-chefe para venda de insumos, máquinas, equipamentos. São 45 milhões de hectares. Isso acaba dando o ar de crise e esquecemos outros setores que vão bem, como carnes também, são dezenas indo bem.
A preocupação está na soja...
É uma das menores margens de lucratividade líquida e bruta deste período que a gente acompanha. Considerando produtividades normais, a única similar a essa foi 2015/2016. Ainda assim foi melhor que este ano.
O sojicultor, então, vai ter dificuldade de pagar as contas?
A rentabilidade bruta da soja este ano no Cerrado (margem sobre o custo operacional, paga todas as despesas da lavoura inclusive juros e fretes) está em 20,5%. Mas a margem líquida é zero. Portanto, o produtor não tem dinheiro para amortizar o negócio dele, depreciar benfeitorias e máquinas. Para capitalizar, não sobra nada. E, neste momento, é o cenário que estamos vendo para o ano que vem também: margem líquida zero e a bruta em 21,3%. Essa deste ano é a menor da série histórica.
Mas não é um problema gerenralizado...
Esse ponto de margem líquida zero não é homogêneo. Temos média Cerrado e média Sul/Sudeste. O cliente da consultoria recebe isso decomposto por estado. Se olhar por estado, não são todos nesta situação. O vermelho total é realmente Mato Grosso. Já Goiás e Mato Grosso do Sul não tem margem líquida sobre custo total, mas tem uma margem líquida mais razoável, dá para sobreviver a esta safra tranquilamente. Matopiba também tem margem negativa.
A questão é que as estatísticas normalmente levam em conta uma produtividade média. Por isso lideranças dos produtores falam em cenário de crise, pela combinação inédita de preços em queda e quebra de safra. Qual a sua visão?
Isso é verdade. Para os clientes, fizemos um cálculo pegando a média (de produtividade) real de Mato Grosso, que está em 52 sacas por hectare e era para ser 65 sacas. Lá, não paga a conta, ou seja, é margem negativa e não tem safra para pagar a conta, sendo bem claro. Mas isso ocorre só em Mato Grosso. Se considerar média atual de Goiás, 59 sacas, paga a conta. Mato Grosso do Sul, consideramos uma média de 57,5 sacas, não tem margem líquida, mas sobra alguma coisa. Matopiba também paga a conta. Portanto, Mato Grosso é o pior caso.
E esta crise ainda pode acontecer?
Pelo menos por enquanto, é pontual. Se isso se repetir, com a mesma situação, por duas ou três safras seguidas, aí com certeza vai estar instalada uma crise. Quando falo isso para os clientes não é “para animar”. É que estamos entrando numa La Niña a partir de junho, não temos mais dúvida. Só resta saber qual a intensidade. A expectativa é de uma boa safra para o ano que vem, com preço baixo e margem apertada, porém positiva ainda.
Isso teria que efeito?
Se na sequência tiver uma safra normal nestas regiões que estão com essa dificuldade de cobrir o caixa, a situação já começa a ser consertada. O que vai ficar difícil é se tivermos uma sequência de margem líquida negativa, por dois ou três anos, e se pegar produtores alavancados, que é a grande maioria, ou que têm arrendamento, ou que compraram máquina, fizeram investimento e não estão conseguindo pagar. Isso é outro problema, não tem nada a ver com custo e margem. Aí sim estaremos em situação complicada. Mas por enquanto ela é difícil e pontual.
Quais foram os principais erros neste processo?
O erro estratégico começa no fato de não ter uma capacidade estática de armazenagem nas fazendas. É um mal brasileiro, que agora está mostrando a pior face dele. Em um ano que preço está baixo, não consigo fazer uma estratégia de comercialização bem apurada porque não tenho armazém, então tenho que empurrar para alguém, para a cooperativa ou para trading. O segundo ponto é pior ainda, porque o sujeito não vende antecipadamente sem ter capacidade de armazenagem. Ele comete um erro duplo.
"No Mato Grosso, (a soja) não paga a conta. Ou seja, é margem negativa e não tem safra para pagar a conta"
Poderia ter vendido 40% da safra futura a preços até 35% maiores do que são os vistos hoje. Teria ficado com uma boa margem, mesmo com quebra teria margem razoável para trabalhar. Em todo o ano passado o produtor teve essa oportunidade e não fez.
Por que não?
Porque apostava em alta do dólar, apostava em alta no preço da soja, em várias coisas que não tinham fundamento, baseado em palpites ou no maldito grupinho de whatsapp. As consultorias não estavam indicando estas altas.
Aí juntou a baixa venda antecipada com o processo de baixa conhecido, que já vinha sendo previsto para os preços, com os prêmios negativos nos portos, que são uma decorrência de não ter vendido e ter deixado acumular a oferta.
Não estaria nessa situação se tivesse fixado 40% da safra futura a preços que oscilavam de 13 a 14 dólares por bushel, que davam na época para o Cerrado uma margem bruta de 35% e margem líquida de 11%. Mesmo com a quebra de safra, talvez não tivesse margem líquida, mas teria fluxo de caixa para pagar as contas e sobrar alguma coisa.
E as empresas de insumos, que ficaram altamente estocadas, também erraram em algo?
Nas indústrias em geral não houve exatamente um erro. Eles estavam comprados com insumos a preços bastante elevados, tanto defensivos como fertilizantes, ainda rescaldo da pandemia e esses produtos sofreram quedas acentuadas de preço. Tiveram que vender na trajetória de baixa. A concorrência se encarregou de colocar todo mundo na dificuldade. Seria absurdo que todos eles tiveram erros estratégicos juntos.
Teve uma conjuntura desfavorável que talvez tenha batido de forma mais grave em alguns. Isso ocorre porque praticamente não se tem mercado futuro destes insumos, não tem a oportunidade de hedgear. Tudo isso é muito imprevisível e foi uma tempestade perfeita, do lado deles, ruim. Talvez tenha ficado em uma situação pior quem tivesse operação muito grande, com muito dinheiro na rua, muito empréstimo e barter feito ao produtor. Quem não tem um histórico de mais tempo, talvez não estivesse tão preparado para uma situação tão adversa assim.
O que podemos esperar para a safra 2024/2025?
Teremos uma inversão na situação de clima. Ele tende a ficar pior ou mais desafiador no Sul do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, que teve três La Niñas com quebra de safra, nesta teve boa safra em função do El Niño, mas voltaria a uma situação desfavorável sem nem sequer ter recuperado as perdas destas outras safras. Do Paraná para cima, a expectativa é de uma boa safra. Com produtividade alta é mais fácil brigar com preço mais baixo.
Como devem se comportar os custos?
Tudo indica que os custos de produção de modo geral, para culturas como soja, milho, algodão, feijão e arroz, sejam muito similares aos deste ano. Já fizemos as primeiras projeções para os clientes e vimos variações de 1% a 2% nos custos para cima ou para baixo. Hoje eu até apostaria mais em queda de custos do que em alta, a não ser que persista o problema de geopolítica, com problemas de escoamento no Mar Vermelho e seca no Canal do Panamá, portanto, se não tiver nada extra que ainda não se saiba, tendência é de que não haja custo maior.
E os preços das commodities?
Por enquanto estamos vendo os Estados Unidos plantando mais soja e menos milho. Fica um cenário talvez negativo para a soja, no caso de um sucesso na safra dos EUA, com preços nos patamares iguais ou até mais baixos do que estamos vendo neste momento para a soja. Já no milho não temos cenário baixista. Talvez um cenário de recuperação gradual nas cotações internacionais, já refletindo uma área menor nos Estados Unidos e tem uma área menor esse ano no Brasil, que é um player importante. Pode ser que se tenha uma trajetória de recuperação no preço do milho.
Qual o quadro nas demais culturas?
No algodão, o cenário é bom, mas talvez não tanto quanto está sendo este ano. O preço deve entrar numa trajetória de baixa, a não ser que o petróleo volte a subir ou fique em patamar alto por mais tempo. No arroz, o cenário também é bom, com relação oferta e demanda bem ajustada e bons volumes de exportação. Trigo, feijão e arroz, que são produtos de cesta básica, estão indo bem. O algodão é uma excelente alternativa. Estamos caminhando para o Brasil ser o maior exportador do mundo, é um produto de qualidade excelente e produtividade altíssima. No café outro ano excelente, com safra maior e preço alto. Na cana é o quarto ano bom, com preço do açúcar elevado, margens boas e novamente investimentos nas usinas.
Então o que mais preocupa ainda é a soja?
Sim, porque Estados Unidos estão vindo de dois anos com margens negativa no milho e fizeram a opção esperada. Já se dizia que este era um fundamento que levaria a soja a baixar. Mesmo com produtividade normal, na próxima safra, neste exercício que fizemos, Goiás e Mato Grosso não teriam margem líquida positiva, seria zero de novo. Mas teriam geração de caixa e conseguiriam pagar as contas desde que fizessem uma boa compra de insumos, uma boa programação de venda antecipada, evitando vender no primeiro semestre.
"Estamos vendo um oportunismo muito grande, tanto por parte dos que oferecem a RJ quanto por aqueles que vão acabar aproveitando a RJ para ganhar fôlego. RJ não é para isso."
As indústrias estão fazendo bastante promoção de preços e financiamento, todas elas, tanto defensivos, como fertilizantes e biológicos, estão flexíveis querendo reconquistar posição e margem. Esse ponto o produtor tem a favor, vai encontrar boas condições de negociação com as indústrias de insumos, para não repetir o erro de estratégia. Terceiro ano seguido de erro não vai dar. Se fizerem isso, aí sim vai ter crise.
O aumento no número de Recuperações Judiciais também preocupa?
Estão todos muito preocupados com isso. Infelizmente, o que estamos vendo é um oportunismo muito grande. Isso ocorre tanto por parte dos que oferecem a RJ quanto por aqueles que vão acabar aproveitando a RJ para ganhar fôlego. RJ não é para isso. Ela existe para quem realmente está numa situação de insolvência, que não consegue pagar as contas, mas o número de pedidos no acumulado deste ano já é maior que no ano passado. Sinal de que, como sempre acontece, terá a RJ necessária e aquela do oportunista. O ruim é que a grande maioria, que não vai fazer RJ, são 5,4 milhões de propriedades rurais no Brasil, vai pagar essa conta.
Por quê?
É que, embora não tenha uma correlação direta entre RJ e aumento de juros ou dificuldade de crédito – muitos falam nisso, mas essa relação não existe –, ainda assim vai haver uma dificuldade de negociação na captura de crédito. Isso sim existe. Se começa a ter muita RJ, quem dá o dinheiro começa a ficar mais criterioso, sejam os bancos, as tradings, as cooperativas, vai haver alguma dificuldade. Isso é ruim porque contamina o sistema. E o crédito rural, que está cada vez mais privado, vai ficar cada vez mais seletivo.
É possível que ainda se verifique aumento na área plantada de soja na próxima safra?
Não acredito. Essa é uma dúvida muito frequente. Tenho argumentado que, até pela questão climática que já comentei, não deve ter redução de área, isso considero descartado. Aumento de área, olhando o Brasil como um todo, também acredito que não. Pode haver algo pontual, algum deslocamento, sair de uma cultura para outra. Mas tenho ouvido até o contrário, gente querendo tirar parte da soja e voltar para o milho primeira safra, se o mercado de milho seguir mais favorável. Até mesmo em regiões que não fazem mais primeira safra, como no Centro-Oeste, isso pode acontecer.
O algodão é outra opção. Hoje ele está concentrado em segunda safra, mas pode voltar a primeira. Nós vimos este movimento este ano em função de clima, mas poderemos ver de novo por opção de mercado. Mas queda de área (na soja) eu não acredito, em função do clima bom e porque não é o caminho que o produtor costuma fazer. Não temos histórico de quebra de área. Já tivemos anos de área plantada estagnada, isso já aconteceu, mas queda de área, a última vez que ocorreu já faz quase 20 anos.
A demanda pela soja deve seguir crescendo?
É difícil confiar que metas anunciadas pelo governo chinês sejam realmente cumpridas. O discurso não está muito de acordo com o movimento que estão fazendo este ano, por exemplo, já que estão comprando mais soja. No ano passado, falaram na meta de diminuir o uso de farelo de soja, mas quando se olha, os números não coincidem com isso. Em nível global, não há ainda nenhum sintoma de queda de demanda. Acho que não é algo que preocupe.
O que está por trás disso é o consumo global de proteínas animais, que está crescendo de forma bem sustentada, principalmente carne de frango e suína, mais do que a bovina. E essas dependem de ração, principalmente o farelo de soja, economicamente mais viável, com maior teor de proteína. É melhor que canola e girassol, por isso soja vai ser carro-chefe, junto com o milho, para atender essa demanda de rações.
Mas a demanda pode crescer menos que a oferta...
Para o Brasil manter um ritmo de crescimento de 5% ao ano na produção de grãos, foi o que ocorreu nas últimas décadas, é muito difícil a partir de agora, pelo menos no curto e médio prazo. Isso porque vamos começar a ver de novo os transtornos da falta de infraestrutura. Vai começar a pesar na conta, principalmente, logística e armazenagem. Nos portos, o Arco Norte melhorou muito, mas ainda é insuficiente para desafogar o Sul e Sudeste.
A falta de capacidade estática de armazenagem é algo que não se resolve em 1, 2 ou 3 anos. É algo de longo prazo. Isso já está tirando margem do produtor. Acredito que são barreiras que vão nos levar a diminuir o ritmo. Não que pare de crescer, vai só diminuir o ritmo.
O que leva a crer que os preços da soja fiquem iguais ou mais baixos na próxima safra?
Já estamos com o maior estoque de passagem da história nesta safra global 2023/2024, este é o primeiro fundamento. O cenário do segundo semestre tem EUA plantando uma área maior, com potencial para uma safra recorde. Se não houver problema de clima, haverá outro aumento no estoque de passagem em 2024/2025. Se tiver este adicional, o mercado pode ficar no atual patamar ou até testar 10 dólares por bushel.
Mesmo que a demanda aumente?
A demanda global esse ano por soja vai crescer 5%. Só cresceu pouco no período de pandemia, entre 2021 e 2023 foi crescimento quase zero de demanda mundial, mas agora está avançando. Para o próximo ano, há chance de que cresça nos mesmos patamares. Não é nada extraordinário, porque antes da pandemia o crescimento estava sendo na ordem de 4% ao ano. Podemos dizer que existe um crescimento sustentado na casa dos 3% nos últimos 20 anos. Mas o mercado vai ser definido via oferta. Tem algo no caminho que é o La Niña. Estamos falando daquilo que é esperado, ele vai ocorrer, se não houver nada diferente. Só para lembrar, foi numa La Niña que os Estados Unidos tiveram a maior quebra da sua história, na safra 2012/2013, quando preço da soja bateu o segundo maior nível da história. Tem muita coisa para acontecer ainda.
O que esperar em relação ao milho?
No milho o cenário é bem diferente. Houve uma baixa de preços em todos os grãos. Os Estados Unidos colheram a maior safra da história no ano passado e isso pesa, já que no milho eles tem influência global muito maior que na soja, atualmente. Isso levou à queda de preço, até o ponto que a segunda safra do ano passado foi margem zero também. Mas o milho está indo para margem positiva este ano porque o preço voltou a subir, a produção menor já está sendo precificada.
"Acredito que o Brasil em breve vai produzir mais milho do que soja. Isso deve ocorrer daqui a umas 4 ou 5 safras"
E, para a frente, temos algumas coisas boas que não saíram da tela, como o crescimento da demanda de etanol, que veio para ficar, não é algo passageiro. O crescimento do consumo de rações animais no Brasil, que é o terceiro maior consumidor do mundo, não é pequeno, é robusto e sustentado, porque o País é o maior exportador de carnes do mundo. Acredito que o Brasil em breve vai produzir mais milho do que soja. Isso deve ocorrer daqui a umas 4 ou 5 safras.
O que leva a esta previsão?
A conta não é difícil de fazer. Na safra passada o Brasil produziu 131 milhões de toneladas de milho. Na soja, foram 154 milhões de toneladas. O milho produz mais por hectare. Se mantiver o crescimento que vinha ocorrendo na segunda safra, daqui no máximo 5 anos a produção de milho será maior que a de soja. Nós temos um consumo interno de milho proporcional à produção muito maior que o de soja e isso também deve ser levado em conta. Na soja o mercado interno é um terço e no milho representa 60%. Isso dá uma característica diferente. Tem o segmento jovem no Brasil, que é o etanol de milho. É algo que não vai parar de crescer, não tem como dar errado. Teve um percalço agora, mas cenário positivo para o milho não mudou.
Qual o principal recado para a próxima safra?
O pessoal precisa melhorar a gestão da fazenda. Ficar tão bons quanto já são na lavoura, na comercialização e na compra de insumos. Os agricultores são nota 10 na produção, dão aula para o mundo todo. Sugiro também que comecem a observar estas rentabilidades futuras de soja e milho e, talvez, balancear este risco do ano que vem, conforme cada região, olhando para as outras culturas como algodão, milho, sorgo, onde for possível. Sempre olhando para frente, nunca para trás. A princípio, se nada diferente ocorrer no clima, o mercado deve ser mais favorável ao milho do que para a soja.
Um dos temas que você tem tratado com profundidade é o déficit de armazenagem. Houve alguma mudança nesta safra 2023/2024?
O número está menor que no ano passado, mas continua gigante, algo que causa muitos problemas. Dois setores eu considero que ou o Brasil vai para cima e resolve, ou ficará patinando para a próxima década: são irrigação e armazenagem. Se não colocar o pé no acelerador em relação a isso, ficará envolvido em quebra de safra e falta de lugar para colocar grão.
Quais são os números atuais?
Em 2024 nós calculamos o déficit de armazenagem em 96 milhões de toneladas, menos que as 119 milhões de toneladas vistas no ano passado porque está caindo a produção de soja e milho nesta safra. Mas ainda assim é muita coisa. Se olharmos para última década, a capacidade foi crescendo 2,5% ao ano, enquanto a safra avançou 5%. É o dobro e este é o descompasso indesejável para o Brasil. Não pode se convier com isso. Um trabalho que fiz no ano passado mostrou que as perdas por causa disso chegavam a R$ 30,5 bilhões, um número que depois ficou ainda maior. Os recursos do programa de armazenagem do Plano Safra são de cerca de R$ 5 bilhões, se esgotam rapidamente. Há sim uma demanda reprimida imensa.
Para finalizar, como vê esta aproximação do agro com o mercado de capitais?
Isso é muito bom. Tem recursos, há dinheiro abundante no mercado para financiar o agro, existe este interesse. No cenário com Selic baixo, o setor financeiro privado, tanto bancos como cooperativas de crédito vão crescer a sua participação, como já vem crescendo. Vai diminuir muito a dependência de dinheiro do Plano Safra, o que é muito salutar. Este é o melhor dos cenários e estamos caminhando para ele. O setor privado hoje já financia 60% da safra brasileira e veremos este percentual crescer.