Na contagem regressiva para 2024 tem ocorrido também a revisão progressiva para a safra de soja, bastante afetada pelo atraso no plantio e pelo efeito do El Niño nas diferentes regiões produtoras. O resultado são interrogações sobre o tamanho da produção e sobre o preço, que ultimamente vinha desagradando os agricultores.

"Foi um inicio bastante desafiador do ponto de vista operacional. Há relatos de alguns de nossos clientes que fizeram '10 entradas' de safra para o plantio", disse o analista da consultoria Céleres, Enilson Nogueira.

O cenário descrito por ele se deve as chuvas irregulares, que chegaram tarde e eram interrompidas por longos períodos, o que provocou um outro recorde em 2023: o replantio de cerca de 2 milhões de hectares de soja.

Apesar das dificuldades, na primeira conversa com o AgFeed, no dia 13 de dezembro, Nogueira disse que ainda esperava estabilidade na produção em relação à safra passada, ficando no patamar acima de 158 milhões de toneladas visto em 2022/2023.

Mas como safra com o El Niño é sempre "com emoção", uma semana depois a Céleres revisou para baixo sua projeção. Agora acredita que o Brasil produza 156,5 milhões de toneladas em 2023/2024, queda de 1,5% em relação à safra anterior e bem abaixo do potencial estimado inicialmente pela maioria dos analistas que era de 170 milhões de toneladas.

Em relação aos preços, mesmo com a produção menor, “é um cenário neutro, porque entra na precificação a expectativa de que a Argentina, por exemplo,  coloque no mercado mais 20 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2024", disse o analista.

No ano passado, a safra argentina havia sido “uma tragédia" com a forte estiagem causada pelo fenômeno La Niña. Desta vez, com as chuvas trazidas pelo El Niño, os argentinos devem voltar para o jogo e podem acabar compensando os efeitos que uma perda de produção no Brasil poderia provocar.

Outro fator que segura o preço é o crescimento da área plantada no Brasil. “Mesmo com rentabilidade menor, houve um avanço de 1,3 milhão de hectares, então a base de comparação já é maior. E enquanto algumas regiões têm problemas climáticos, em outras, é possível recuperar", disse Enilson Nogueira

"Prêmios" negativos

O ano de 2023 não deixa saudades para os sojicultores porque, além de ver a queda dos preços da soja na Bolsa de Chicago, tiveram que vender sua produção com descontos em relação à esta cotação internacional. São os chamados "prêmios" negativos, quer dizer, é o diferencial portuário que ajusta o preço de cada país em relação à Chicago levando em conta fatores como câmbio, disponibilidade, demanda e capacidade logística.

Guilherme Britzki, senior broker da corretora internacional de commodities McDonald Pelz, acredita que, em média, ao longo do ano, o prêmio da soja brasileira tenha sido pelo menos 80 centavos de dólar negativo por bushell (abaixo da cotação de Chicago).

"Teve momentos que chegamos a ter 200 (cents) abaixo, bem mais negativo em relação a 2022", disse.

Para 2024, Britzki acredita que prêmios melhores até podem ser vistos entre janeiro e fevereiro, porque é a partir de março que a colheita se intensifica.

"Ainda assim serão negativos, não tem como mudar. Apesar da redução da safra no Brasil, nós temos a Argentina voltando e o Uruguai voltando. Por mais que o Brasil perca 15 milhões de toneladas em relação à expectativa, somente a Argentina já consegue dar suporte na exportação", explicou Britzki.

Nos últimos 30 dias houve uma recuperação nos diferenciais portuários, com as notícias de clima desfavorável para a safra brasileira. Ofertas pontuais chegaram a ser vistas com indicação "zero”, ou seja, ensaiando sair do negativo, mas logo em seguida, segundo acompanhamento da agência de preços Argus Media, já voltaram à condição de “desconto” em relação à Chicago.

Para Ismael Menezes, sócio da MD Commodities, é normal ter ocorrido essa recuperação em dezembro e também para os prêmios de janeiro, afinal o volume de soja para exportação será reduzido.

"Porém o início da colheita poderá trazer uma nova pressão (de baixa) sobre os prêmios", alertou.

Menezes acredita que se as chuvas acontecerem nas próximas semanas, sinalizando uma produção no Brasil de pelo menos 145 milhões de toneladas, essa pressão de baixa pode ser grande.

Ele lembra que o ritmo de comercialização da safra segue muito atrasado, apenas 28% já teriam sido vendidos pelos produtores.

"A não ser que as cotações em Chicago caiam muito forte ao longo do ano, neste caso, prêmios podem se valorizar para compensar um pouco, e incentivar o produtor a comercializar", destacou.

Sem recordes na exportação

Com a produção menor, há uma conclusão unânime entre os analistas: o Brasil exportará menos soja do que este ano. Em 2023, deve ser confirmado um volume recorde de embarques da oleaginosa, de 101,5 milhões de toneladas, de acordo com a última estimativa da Abiove, Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais.

"Em 2024 acredito que voltaremos para um patamar normal, entre 90 e 95 milhões de toneladas. Não há demanda crescente, a China não está comprando muito mais do antes. Com Argentina e Uruguai de volta no mercado, aquilo que Brasil aumentou em 2023, ele vai perder", prevê Britzki, da McDonald Pelz.

Já a consultoria Céleres, acredita que no próximo ano as exportações de soja atinjam 98 milhões de toneladas, prevendo uma leve alta na importação da China, o principal mercado do produto brasileiro.

Enilson Nogueira prevê que os chineses comprem 103 milhões de toneladas globalmente. Deste total, entre 70 e 72 milhões de toneladas, devem importar do Brasil.

"Em relação à demanda nãoo vejo nada negativo em  2024. A China tem consumido mais soja, claro que desacelerou em relação ao que crescia em consumo há 15 anos. Mas continua crescendo", ressaltou o analista.

Os corretores também não acreditam que os países europeus aumentem as compras de soja do Brasil, de forma significativa, em função das dificuldades econômicas.

"Tivemos um pouco mais de exportação para outros países europeus, em 2024 também poderemos ter mais compras do Japão, Coreia e América Central. Como tem excedente muito grande, surge a oportunidade para estes destinos que se guiam muito mais pelo preço", explicou o broker Guilherme Britzki.

Ao mesmo tempo, vale lembrar que  "as variações relevantes de preço de commodities ocorrem mais por oferta do que por demanda, portanto terá baixo impacto nos preços ao produtor", avaliou Enilson Nogueira.

Outro fator que deve impedir novo recorde de exportação é a expectativa de que o mercado interno siga aquecido. O governo brasileiro aprovou a antecipação da mistura de 14% de biodiesel no óleo diesel comum, o que aumenta a demanda por soja para processamento nas indústrias.

"Ao mesmo tempo o uso de farelo para ração também cresce forte, com o bom desempenho das indústrias de aves, suínos e ovos", lembrou o analista de mercado Vlamir Brandalizze. Segundo ele, como a área seguirá crescendo, uma parte da produção será usada para semente. “Mesmo que a safra seja até um pouco maior, vai sobrar menos para a exportação”, afirmou.

Margens podem melhorar

Neste cenário descrito pelos analistas, a boa notícia é que, as margens de rentabilidade ao produtor, talvez ainda fiquem levemente melhores.

"Se considerarmos o custo de produção da soja, sem o arrendamento, calculamos que o produtor tem, em média, uma margem operacional entre 25% e 30% nesta safra” , disse Enilson Nogueira, da Céleres.

Este patamar fica abaixo da safra 2021/22, mas levemente acima da última temporada, embora no ano passado as margens mais altas foram vistas por quem vendeu a produção de forma mais antecipada.

Ao longo do ano, a Céleres acredita que a tendência é de estabilidade ou leve alta para os preços ao produtor, mas diversos fatores podem mudar o cenário, como o chamado "mercado climático", quando algo não esperado prejudica a produção na América do Sul ou nos Estados Unidos, oferecendo “janelas de oportunidade”.

Nogueira alerta que, pelo menos até agora, os Estados Unidos tendem a produzir mais soja, em função da demanda de biocombustíveis, o que significa mais uma possível pressão nos preços.

"Mas 2023 foi o ano da virada, claro que o produtor fica com a referencia dos R$ 200 por saca vistos em 21/22, entendo que foi positivo, mas essa não é mais a referencia de mercado", alertou Nogueira.