Enquanto o Carnaval corria solto no Brasil, muita gente ficou de olhos e ouvidos atentos ao ritmo dos mercados agrícolas globais. Nos últimos dias, tanto Estados Unidos quanto China colocaram seus blocos na rua, mas por enquanto fizeram mais barulho do que causar efeitos práticos.
A nova batalha da guerra comercial agrícola começou na segunda-feira, dia 3 de março, com o anúncio americano de que colocaria em vigor tarifas de importação sobre produtos oriundos da China, do México e do Canadá que haviam sido decretadas nos primeiros dias do governo de Donald Trump, mas adiadas à espera de uma rodada de negociação entre os países.
Assim, as novas tarifas – que chegam a 25% sobre bens mexicanos e canadenses e adicionam mais 10% aos itens chineses, elevando a taxação a 20%– já passaram a vigorar.
As reações de Canadá e China foram imediatas – o México promete uma resposta até o próximo domingo, dia 9 de março. O vizinho ao Norte dos EUA informou (sem dar detalhes) que imporia tarifas retaliatórias sobre um total de US$ 170 bilhões em produtos americanos importados pelo país.
Já os chineses miraram exatamente no eleitorado fiel de Trump: os agricultores. E decidiram taxar a importação de produtos agrícolas americanos, incluindo soja, milho, algodão carne suína e bovina.
O contra-ataque oriental foi moderado, de forma a não destruir pontes para uma eventual possível negociação. E também para não dar excessivo poder de barganha a outros fornecedores desses produtos, sobretudo Brasil e Argentina.
Assim, as novas taxas chinesas ficaram em 15% sobre as importações de frango, trigo, milho e algodão e em 10% sobre importações de sorgo, soja, carne suína, carne bovina, pescados, frutas, vegetais e laticínios dos norte-americanos.
É bem menos que os 25% aplicados em 2018, na primeira versão da guerra comercial entre os dois países – também promovida por Trump.
Naquela ocasião, a reação da China provocou uma forte mudança no eixo das compras externas de produtos agrícolas do país, que passaram a ser feitas em volume bem maior no Brasil, com um impacto estimado em US$ 100 bilhões em perdas aos agricultores americanos, que viram suas vendas para a China caírem 80% em dois anos.
Agora, a China apresenta suas armas, mas não ataca de forma tão incisiva. As novas tarifas são consideradas moderadas, até porque atualmente as fontes de fornecimento do país são mais diversificadas.
“Ao contrário da postura agressiva de 2018, a resposta da China atualmente parece ser um ajuste tático”, escreveu o analista Lorenzo Cracco, da Scot Consultoria, em relatório distribuído a clientes nesta quarta-feira, 5 de março.
“Os chineses aplicam a tarifa de forma moderada para influenciar o mercado sem causar um choque grande, aparentemente apenas para tornar a soja americana menos competitiva. Se a tarifa fosse muito alta, os preços da soja brasileira poderiam subir agressivamente, o que não seria vantajoso para a própria China”.
Outra análise semelhante foi feita pelo consultor Carlos Cogo, sócio da Cogo Inteligência em Agronegócio. Para ele, “a guerra comercial entre EUA e China reduzirá a competitividade dos produtos norte-americanos em relação aos do Brasil”.
A consequência, segundo Cogo, seria os chineses buscarem “obter o máximo possível do Brasil” e, assim, impactar os prêmios da soja, milho e algodão nos portos brasileiros.
“No governo anterior de Trump, com a China tendo que concentrar suas compras de soja no Brasil, os prêmios pagos pela soja nacional portos do País registraram acréscimo médio de 148% ante os valores históricos, notadamente nos anos de 2018 e 2019”, escreveu Cogo em uma postagem no LinkedIn.
Desta vez, Cogo concorda, não deve haver movimentos dessa magnitude. Nos mercados americanos, por exemplo, a tendência é de queda dos contratos futuros de grãos – algo que começou a acontecer imediatamente após a troca de chumbo tarifário entre EUA e China.
Na terça-feira, 4 de março, os futuros de soja para entrega em maio caíram até 2% e atingiram US$ 9,91 o bushel, menor preço desde janeiro. No milho, a queda foi de 3%, enquanto no algodão em Nova York a redução foi de 4,5%, estabelecendo a menor cotação desde a pandemia, em 2020.]
A elevação de prêmios por aqui deve compensar essas quedas e, eventualmente, até promover alguns ganhos aos exportadores brasileiros.
A Scot Consultoria estima que, apenas com acréscimos de vendas de soja, milho e algodão para importadores de China e México o País pode ter incrementos na ordem de US$ 770 milhões. A maior parte desse valor (cerca de US$ 491 milhões) viria de exportações adicionais de soja para a China.
O valor é modesto diante do volume total de exportações do grão para o país oriental. Em 2024, o Brasil vendeu cerca de US$ 30 bilhões em soja para os chineses. Ou seja, o impacto, assim, seria de pouco mais de 1.5%.
O cenário, por enquanto, é incerto e pode mudar caso haja acenos de americanos e chineses para uma possível negociação.
“Isso ainda não parece uma guerra comercial em larga escala, mas pode estar caminhando para isso”, disse à Bloomberg Kang Wei Cheang , trader da StoneX em Cingapura.
“As ações da China sugerem que eles querem evitar que as coisas saiam do controle, mas a verdadeira questão é se os EUA estão dispostos a negociar. Se nenhum acordo for alcançado, isso pode se arrastar para um conflito econômico muito maior.”