Alysson Paolinelli descansou. Um dos maiores nomes da agropecuária brasileira mundial em todos os tempos, o engenheiro agrônomo morreu na manhã desta quinta-feira, 29 de junho, em Belo Horizonte, onde estava internado no Hospital Madre Teresa para tratar de complicações provenientes de uma cirurgia no quadril.
Ex-ministro da Agricultura, atual presidente-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Paolinelli é considerado o pai da revolução que transformou, nos últimos 50 anos, a agropecuária brasileira, transformando-a no motor da economia brasileira e em uma potência crucial para a produção de alimentos para todo o mundo.
Até sua morte, aos 86 anos, o mineiro de Bambuí, de fala mansa mas de muitas ações, manteve-se ativo na defesa de avanços para o setor. Além de participar das ações da Abramilho, ele costumava manter reuniões semanais com um grupo de líderes do agronegócio nacional – entre eles seis ex-ministros da Agricultura, assim como ele – para discutir o futuro do setor. E, claro, participar dessa construção.
É até difícil mensurar a contribuição de Paolinelli ao Brasil e ao mundo. Ele costuma ser lembrado como um dos pais da Embrapa, criada há exatos 50 anos. A estatal de pesquisa agropecuária foi a semente da transformação do Brasil rural, criando condições para a introdução de modelos modernos de produção, inclusive em áreas do País antes consideradas inférteis, como as terras do Cerrado.
Graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras, também em Minas, desde muito jovem Paolinelli se interessou em buscar na pesquisa e na ciência a solução para problemas da produção agrícola brasileira. Encontrou na política os caminhos para viabilizar essas soluções, ocupando cargos que lhe permitissem influir na definição de planos de desenvolvimento para a agricultura.
Em 1971, com apenas 35 anos, assumiu a secretaria estadual de Agricultura, no governo Rondon Pacheco, e implantou uma gestão baseada em programas de incentivos e inovações tecnológicas. Foi nessa época que esteve entre os líderes da implantação da Embrapa.
O trabalho em Minas chamou a atenção em Brasília. Três anos depois, o general Ernesto Geisel o convidou para se tornar ministro em seu governo. O que se viu, então, foi a transformação do País, seja na economia, seja na geografia ou na demografia.
No governo, Paolinelli abandonou o mito de que no Brasil, em se plantando tudo dá. “O Brasil, na verdade, tem poucas terras férteis e precisávamos ampliar a produção”, disse, há pouco mais de dois anos, em uma entrevista ao site NeoFeed. Ele já vislumbrava potencial no Cerrado, de solos pobres, e usou a ciência torná-lo produtivo, com o uso de tecnologias desenvolvidas especialmente para esse fim.
“O grande desafio era ter as respostas da ciência e a Embrapa foi um esteio nessa área. Precisávamos buscar mais competência e, por isso, mandamos mais de 1530 técnicos para os principais centros de ciência do mundo. Eles tinham de ir lá, ver o que se fazia de melhor, mas tinham compromisso de voltar e desenvolver aqui a tecnologia e a inovação para o bioma tropical brasileiro”.
O então ministro nunca se conformou com limitação de verbas públicas - e nesse ponto também foi um modelo para o agronegócio brasileiro. Sem dinheiro suficiente para bancar seus projetos, ele foi ao Japão, por exemplo, buscar apoio e recursos para o desenvolvimento do Centro-Oeste brasileiro.
Conseguiu também que o governo federal reservasse US$ 3 bilhões (o equivalente a cerca de US$ 15 bilhões em valores atuais) para financiar a ocupação, por agricultores, de 3 milhões de hectares de Cerrado, como parte do projeto Polo Centro, um dos marcos de sua gestão.
“Acabou que o resultado foi muito maior. Esse projeto foi apenas um indutor, porque o agricultor tem faro. Se ele vê o vizinho fazendo e dá certo, ele faz também”.
E deu. São incontáveis as formas de apresentar a evolução do agro brasileiro na Era Paolinelli. Segue um pequeno guia:
- Graças às novas tecnologias disponíveis, a área plantada no Brasil aumentou em mais de 14.000%. Hoje ocupa cerca de 67 milhões de hectares, sendo quase 40 milhões apenas com soja, nossa principal cultura, que era incipiente na década de 1970.
- A produtividade agrícola cresceu 207%, recorde mundial, nos últimos 50 anos.
- Cada 10 hectares de soja plantada geram dois empregos, um direto e um indireto. Apenas o grão, portanto, gera atualmente mais de 8 milhões de vagas, a imensa maioria no interior do Brasil, propiciando a interrupção de fluxos migratórios para as grandes capitais e o desenvolvimento em outras regiões.
- De 1970 a 2018 a produção global de soja cresceu 7,9 vezes. No Brasil, esse crescimento foi de 79 vezes.
Por conta dessa contribuição, que produziu alimentos para todo o mundo, nos últimos três anos os amigos dos encontros semanais se mobilizaram para que Paolinelli fosse indicado ao Prêmio Nobel da Paz. “Estamos plantando uma semente e esperamos colher autoestima para o agronegócio brasileiro”, afirmou, na época, Ivan Wedekin, ex-aluno de Paolinelli, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e coordenador da campanha.
“A indicação, mais do que honrou, me comoveu”, respondeu Paolinelli.“Com ela, vem a obrigação de assumir a responsabilidade e defender o que entendemos ser o principal em termos de estratégia, para manter o Brasil como forte player na produção e oferta de alimentos”.
O prêmio não veio, mas Paolinelli sentiu-se reconhecido. Quando ele assumiu o ministério, o Brasil tinha déficit na sua conta de comércio exterior de alimentos. “A partir dos anos 1980 começamos a competir internacionalmente, graças a uma agricultura tropical altamente sustentável desenvolvida aqui”, disse, na ocasião. “Hoje exportamos para mais de 200 países e participamos diretamente na nutrição de mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo”.
Levou, porém, o World Food Prize, considerado o Nobel da Agricultura, em 2006. “A agricultura que somos campeões é de massa, de produção e exportação de commodities. Essa já ganhamos”, dizia. Graças, em grande parte, ao gigante Paolinelli.