Uma corretora que comercializa, considerando apenas mercado físico, 14 milhões de toneladas de grãos por ano. Uma consultoria que costuma ser ouvida por grandes empresas e bancos do agronegócio, de cooperativas a companhias listadas na bolsa, mas que também sempre esteve muito perto do produtor rural, no interior.
A Agrinvest foi criada no final da década de 1980, no Paraná, e tinha como uma das inovações trazer o milho das primeiras lavouras de segunda safra plantadas no País, em Mato Grosso do Sul, até os grandes consumidores de grãos da região Sul.
Com sede em Curitiba-PR, hoje a empresa tem mais de 100 funcionários e escritórios em Goiás, Mato Grosso, Miami e Genebra. A “corretora” se consolidou como referência para quem atua no trade de commodities agrícolas, especialmente soja e milho.
Em tempos de tanta incerteza no agro, o AgFeed conversou com exclusividade com aquele que foi primeiro sócio da Agrinvest que não era da família Martelli Monteiro (até hoje o CEO é o filho do fundador, João Neto).
O engenheiro agrônomo Marcos Araújo completa 21 anos no grupo, e foi um dos responsáveis pela criação da área educacional, de inteligência de mercado e consultoria na corretora, que ganhou força em 2018 (pouco antes, Araújo havia se afastado por dois anos para atuar como diretor comercial da Lansing Trading Group LLC, ligada a um grupo chinês).
Além de intermediar o comércio de grãos entre produtores e tradings, a Agrinvest também é forte na operação de contratos agrícolas e ferramentas de gerenciamento de risco na B3 e no CME Group, que inclui a Bolsa de Chicago (referência para a soja e milho) e a Bolsa de Nova York (importante para o café e o açúcar).
Para quem está há tanto tempo no setor, os preços mais baixos e problemas financeiros do momento não chegam a assustar. Mas trazem quase que um inconformismo por parte daqueles muitas vezes observam o produtor rural pouco engajado nas ferramentas de hedge e sempre “torcendo” pela alta de preço, se submetendo a riscos.
Um dos alertas de Marcos Araújo é o fato de que, se o clima garantir uma boa safra na América do Sul, no próximo ano vai se repetir o cenário de uma produção mundial de soja maior do que o consumo no planeta.
“Seria a maior relação estoque/uso da história, chegando a 38,2%. O maior já visto até hoje foi de 33%, na safra 2018/2019”, disse.
Essa é uma condição que tende a seguir pressionando os preços para baixo, o que pode piorar a situação de produtores que já tiveram dificuldades em pagar suas dívidas na safra passada.
É por isso que Araújo segue alertando sobre o risco de crédito e sobre as chances de continuidade no cenário de recuperações judiciais no agro.
Para o Brasil, especificamente, a Agrinvest projeta exportações de 105 milhões de toneladas de soja na safra 2024/2025, o que deixaria os estoques finais em 6,4 milhões de toneladas. Porém, o cenário global é o que mais desafia quanto o assunto é preço.
Por outro lado, o sócio-diretor da Agrinvest trouxe uma notícia positiva. Os preços nos patamares da última quinta-feira – dia em que conversou com o AgFeed – indicavam R$ 102 por saca em Sorriso-MT.
Neste nível de cotação, segundo ele, seria possível garantir uma rentabilidade (margem líquida) de mais de R$ 1,9 mil por hectare para o dono da terra e de mais de R$ 1 mil para quem usa terras arrendadas.
Ainda assim, os dados do final da semana passada mostravam que somente 25% da safra 2024/2025 de soja já havia sido comercializada pelos produtores rurais.
O percentual já supera levemente a média dos últimos 3 anos, tem avançado recentemente, mas ainda é considerado tímido num cenário de tendência de piora para o ano que vem.
Veja os principais trechos da entrevista do AgFeed com o sócio-diretor da Agrinvest, Marcos Araújo.
Como avalia o atual momento do agro que muitos chamam de crise?
Para falar do que estamos vendo agora, precisamos olhar para a cronologia da soja, começando por 2018, para ver como tudo repercutiu na rentabilidade do sojicultor brasileiro. Em 2018 iniciou-se a guerra comercial entre Estados Unidos e China, com Trump e Xi Jinping. O preço em Chicago, que estava em US$ 11 o bushel, caiu para US$ 8.
Qual o impacto disso no Brasil?
Essa queda de US$ 3 por bushel fez com que a China deixasse de comprar a soja norte-americana e viesse comprar a soja brasileira. O que compensou essa queda de Chicago foi o aumento dos prêmios aqui no Brasil, mantendo o flat price elevado para o sojicultor brasileiro.
As exportações americanas que beiravam 60 milhões de toneladas, caíram para 47 milhões. O estoque final americano da safra 2018/2019 foi próximo a 25 milhões de toneladas. Em 2019, nós tivemos o início de primavera mais chuvoso do último século nos Estados Unidos.
Isso fez com que o produtor americano deixasse de plantar 5 milhões de hectares. E também houve uma redução da produção norte-americana. O estoque americano que beirava 25 milhões caiu para em torno de 15 milhões.
E assim já começava a tendência de alta...
Sim, porque nós tivemos uma sequência de 3 anos de La Niña consecutivos, prejudicando a produção na América do Sul. E com a menor quantidade de produção, menor quantidade exportada de soja da América do Sul, houve um acordo que forçou a China a voltar suas compras no mercado norte-americano, fazendo com que os estoques finais caíssem para 7 milhões de toneladas.
"É um dos anos mais difíceis para falarmos de direcional de mercado para o Brasil. Acredito em queda de preço da soja e um cenário mais favorável para o milho para 2025"
A China teve a peste suína que reduziu muito o rebanho. Depois de controlada a zoonose veio o movimento de recomposição deste rebanho suíno. O suinocultor chines chegou a lucrar 500 dólares por animal gordo batido. Aí ele pagou preços caríssimos para a soja. E deu toda essa consequência.
A exportação americana voltou a patamares de 60 milhões de toneladas, combinado com o aumento do processamento interno de soja dos EUA para atender o programa de biocombustível. Esse enxugamento de estoque americano reflete a realidade americana de Chicago aos US$ 17 por bushel em 2022. Foi o segundo maior da história. Em 2022 o preço atingiu US$ 17,87. Em 2012 foi US$ 17,97. Dez centavos a mais.
E qual foi a consequência?
Preço alto cura preço alto. Isso incentivou todo um aumento de área de soja no mundo e a demanda mundial não deu resposta. Chicago, de US$ 17, caiu para agora US$10,30. Com essa recomposição do rebanho da China, a área de soja aumentou em 20 milhões de hectares, foi 50% de aumento só no Brasil.
Houve um descompasso. E o consumo mundial não vem acompanhando todo esse crescimento da soja, o que causou um excedente na oferta mundial de 45 milhões de toneladas. Isso repercutiu no estoque final mundial e uma pressão negativa sobre o Chicago que nós vivemos nesse momento.
Qual é o quadro atual?
Ainda hoje, o preço em Chicago a US$10,30 por bushel, eu diria que está elevado. Foi influenciado pelo início do plantio adverso no Brasil, com todo esse clima quente e seco no Brasil central, na época do plantio da soja da temporada 2024/2025.
Era para estar mais baixo o preço da soja?
Se tivesse uma condição normal, essa pressão de colheita nos Estados Unidos combinada com um plantio normal (no Brasil), era para ter uma pressão negativa de preço muito maior. Está descartado isso? Não. Se nós tivermos uma consolidação do clima – e as previsões de clima apontam o retorno das chuvas já para a segunda quinzena de outubro aqui no Brasil –, podemos ter maiores pressões negativas sobre Chicago.
Então o que podemos esperar para essa safra 2024/2025?
Grandes desafios. É um dos anos mais difíceis para falarmos de direcional de mercado para o Brasil. Eu concluo acreditando em queda de preço da soja e um cenário mais favorável para o milho para 2025, com todo esse atraso do plantio da soja, com o comprometimento da janela ideal de plantio do milho safrinha e migração das áreas marginais para o gergelim.
Qual a perspectiva de preço para o milho?
O preço futuro de exportação do milho, o PPE, preço de paridade de exportação, traz o milho no Mato Grosso a um patamar de R$ 39 (por saca) e esse preço, para muitos produtores, não fecha a conta. Por isso, as vendas de insumos de grandes fabricantes de defensivos e sementes para o milho safrinha 2025 estão travadas. Mas para o milho de médio para longo prazo há um cenário positivo.
O que dá essa indicação?
Para a frente, nesse cenário de redução do milho e sem a Ucrânia, o líder de um eventual rally das commodities seria o milho, na nossa opinião.
Já na soja, é necessário tomar muito cuidado, porque se nós tivermos uma confirmação da produção brasileira em torno de 170 milhões de toneladas e uma Argentina com 55 milhões – claro que falta combinar com São Pedro, tem muito para passar debaixo da ponte – podemos ter um estoque final mundial de soja muito elevado.
Como assim?
Se nós tivermos uma demanda mundial de soja de 391 milhões de toneladas, ao invés de 402 milhões estimado pelo USDA o nosso estoque final seriam 150 milhões de toneladas contra 134 milhões estimado pelo USDA. Seria a maior relação estoque/uso da história, chegando a 38,2%. O maior já visto até hoje foi de 33%, na safra 2018/2019.
Isso é motivo de preocupação?
Para quem tiver apenas assistindo ao mercado, é bom olhar para o histórico de retorno financeiro, em Sorriso, por exemplo. Na safra 2018/2019, o preço médio de venda da soja lá foi de R$ 63 por saca e a produtividade do Mato Grosso de 56 sacos por hectare. O dono da terra tinha uma margem bruta de R$ 1.084 por hectare
Estou dando o exemplo de Sorriso para neutralizar o efeito do La Niña. Se pegasse um produtor gaúcho, ele está numa situação de calamidade. A agricultura gaúcha vive uma situação de subsídio.
"O agro virou pop e todo mundo quis virar lavoureiro (em 2022/2023). Quando você soma a renda da soja com o milho safrinha dessa época, o lucro ficava acima de R$ 7 mil por hectare"
Portanto, na safra 2018/2019, se olharmos o custo operacional efetivo da soja que são os insumos das operações agrícolas, estava em R$ 2.450 por hectare.
Se soma prolabore e depreciação, era R$ 2.560. Se considerar também o custo do arrendamento, o valor da terra, fica um custo total de R$ 3.140.
Mas em 2022/2023, com toda a questão do Covid e a crise global, os insumos subiram de R$ 1.600 para R$ 4.500 por hectare. Portanto, se ele descontasse os demais custos, sobravam R$ 974 e o arrendatário lucrava R$ 390 (em 18/19).
Depois mudou bastante...
Em 2022/2023, houve aquela combinação de Chicago saindo de US$ 8 o bushel e indo para US$ 17,87, com juros baixos no Brasil, que virou Suíça, estava 2% ao ano, o dólar de R$ 4 foi para R$ 6 e o preço da soja de R$ 63 uma saca saltou para R$ 159. Isso se traduziu num lucro, para o dono da terra, de R$ 5 mil por hectare na soja e o arrendatário lucrou R$ 4.400. O agro virou pop e todo mundo quis virar lavoureiro. Quando você soma a renda da soja com o milho safrinha dessa época, o lucro ficava acima de R$ 7 mil.
Já na última safra, esta conta ficou negativa...
Na safra que terminou, a 2023/2024, o produtor perdeu R$ 800 por hectare com a soja, considerando esse mesmo exemplo de Sorriso. Por isso, já deu uma disparada de RJ (recuperação judicial) e o pior ainda está por vir quando ele fechar a conta com o milho. O prejuízo dele aumenta ainda mais, vai para R$ 1.900 reais por hectare.
É um problema generalizado?
Esses produtores que estão plantando em áreas marginais, terra fraca, com baixa produtividade e alto custo de produção... o mercado tem trabalhado para expurgar esses caras da atividade.
Esse cenário persiste na nova safra?
A boa notícia é que, para 2024/2025, se você vender uma soja a R$ 103 em Sorriso, com alta tecnologia, e colher 65 sacas por hectare, a margem bruta do dono da terra que estava em R$ 660 na safra passada, salta para quase R$ 2,4 mil (por hectare). E o arrendatário sai de um prejuízo de R$ 800 (na 23/24) e volta para um lucro de até R$ 1.100. Vendo esse cenário, será mesmo que o produtor deve ficar parado assistindo ao mercado? E se esse dólar de R$ 5,60 voltar para R$ 5?
Mas com aqueles períodos que chegavam a dar lucro de R$ 7 mil, não era para o produtor estar capitalizado?
Quantos produtores crescem verticalmente? Ele comprou a terra do vizinho, trocou o parque de máquinas, está na bicicleta. Quando para de pedalar, o que acontece? Com este crescimento horizontal, comprando terras, essa supervalorização de terras, arrendamentos estratosféricos, todo este boom que houve, essa euforia, como se não houvesse amanhã, quando o preço recua, ocorre isso. O produtor rural é um tomador de preço.
Como assim?
Ele não pode, não determina o preço de venda do seu produto. O produtor rural não deve ignorar a análise e o entendimento da formação de preços das commodities agrícolas. Se a capacidade para definir o preço de venda é negada ao produtor, a habilidade para antecipar e reagir aos movimentos de preço do mercado é ainda mais importante.
"O produtor rural é um tomador de preço. Ele não determina o preço de venda do seu produto e não deve ignorar a análise e o entendimento da formação de preços das commodities agrícolas"
O preço de equilíbrio é geralmente considerado o custo de produção de uma unidade dessa commodity pelo produtor mais eficiente. Não importa quão alto ou baixo esteja o preço de uma commodity no curto prazo. A tendência no longo prazo é que esse preço venha a ser negociado próximo do seu custo de produção. Nós estamos falando de matéria-prima. Não é uma calça da marca Diesel, que você vai lá e põe uma etiquetinha e vende por 2 mil reais, pela marca.
É commodity agrícola. E se tratando de commodities, os produtores são dependentes do mercado, tomadores de preço e não ditam o tamanho do lucro a ser emitido. Sua margem de lucro será aquela que o mercado irá permitir.
Mas nem todos os produtores estariam atentos a isso...
Infelizmente, muitos produtores não atuam na gestão disso, ficam apenas assistindo ao mercado, dando o ouvido para aquele que só quer falar em mercado de alta. E o cara não acredita nessa baixa do mercado.
Isso é uma característica do produtor brasileiro?
Na Argentina também há dificuldades e o produtor americano também está no prejuízo. É uma situação de crise na produção agrícola. Não só no Brasil, mas é uma questão agrícola global que iniciou com a invasão da Rússia na Ucrânia, que fez com que a Ucrânia exportasse os seus excedentes de produção a preços muito baixos. E o Brasil não é uma ilha.
E quanto ao milho?
Diminuindo esse preço do mercado internacional, olha a crise que nós temos no milho safrinha no Brasil. Na diferença do preço de exportação e do preço para etanol. O prejuízo do milho safrinha em 2024, naquela mesma simulação que fizemos para o produtor de Sorriso, ficou em R$ 1.136 por hectare. Há toda uma incerteza sobre o safrinha em 2025, por ora a tabela ainda mostra uma margem líquida levemente negativa ao produtor. E o produtor americano também no cenário de prejuízo.
A Agrinvest prevê aumento de área plantada em 2024/2025?
No milho ainda está muito incerto. Provavelmente vai ter uma redução na área do milho ainda, em função da perda de plantio, já que a soja está mais atrasada, podendo haver perda de tecnologia e aumento da área de gergelim. Ainda há risco de recuo na área de milho.
Já a soja deve ter um pouco de aumento em relação à safra passada porque não tem muita opção. Quem optaria pelo milho verão, sendo que o custo é tão elevado? Nós trabalhamos com a estimativa de uma produção ano que vem de soja de 166,8 milhões de toneladas.
Ainda vê chance de melhora no cenário em 2025?
Vai depender se o produtor ficar assistindo ao mercado ou se vai garantir agora uma certa margem, vendendo agora, baseado no preço futuro, será que ele não garante esse lucro?
"Pelo preço de hoje, o produtor poderia vender a soja por R$ 102 a saca e ter lucro. Aquele que decidir não vender, vai depender da futurologia"
Conforme a simulação que fizemos, pelo preço de hoje, poderia vender a R$ 102 a saca e ter lucro. Aquele que decidir não vender, vai depender da futurologia. Se o dólar cair para R$ 5, este preço da soja em Sorriso que calculamos cai dos R$ 102 para R$ 86. E estamos falando só de um fator, que é o câmbio.
Então o que recomenda ao produtor?
Recomendo fazer um gerenciamento de risco de preço. Veja como faz a SLC Agrícola, que paga um dos maiores dividendos na bolsa de valores, com 30% de margem operacional. Eles fazem venda futura. Se o produtor está tendo 35%, por que não garantir este preço?
Ano bom é quando tem lucro. Nas nossas estimativas aqui, nós temos uma redução no custo de produção da soja para o ano que vem de quase 17%. Isso repercute no quê? Num lucro maior do que tivemos nesse último ano.
Mas alguns querem seguir escutando só aqueles que falam que Chicago vai a US$ 15 e que o dólar vai a R$8. Nós já vínhamos alertando que soja viria para US$ 10 ou abaixo desse patamar e isso ocorreu em setembro. Só subiu um pouco com o clima seco no início da safra brasileira.
Nem a demanda deve ajudar?
Quando você avalia os números e olha o que pode acontecer no mercado mundial de soja, se vê uma produção mundial maior que o consumo. A produção de suínos na China está estagnada. Alguns falam no programa de biocombustível. Mas quando eu processo a soja, para extrair o óleo que vai queimar no tanque dos caminhões, eu produzo muito farelo no mercado. Produzimos também o DDG, ao processar o milho.
Mas será que o consumo para ração animal está crescendo tanto assim para justificar todo esse aumento da soja que o USDA fala? A proteína animal mais produzida no mundo é a carne suína. No ano passado, foram produzidas 116,3 milhões de toneladas de carne suína e este ano o número foi o mesmo. Em 2014 o consumo de suíno na China era 58,65 milhões de toneladas e 10 anos pra frente, em 2023, este volume foi de 58,73 milhões. Aumentou 50 mil toneladas no equivalente carcaça.
Então, embora muitos digam que estamos apenas vivendo um ciclo de baixa, é possível dizer que houve uma mudança de patamar em relação à demanda, foi encerrada uma era de preços mais altos?
Acho que sim. A demanda por soja é uma demanda derivada. A demanda primária é o consumidor chinês por suíno. Em 2019, quando teve peste suína na China, reduziu o rebanho. E o preço aumentou. A margem do suinocultor chines era 500 dólares por animal abatido.
Neste patamar de lucro, ele pagava o preço que fosse pelo farelo. E as indústrias, com uma grande margem de esmagamento, positiva, pagavam caro pela soja, enquanto um La Niña estava se desenvolvendo na América do Sul.
Então tivemos combinação de vários astros e deu Chicago nas alturas. Porém, agora, a demanda mundial não está crescendo no mesmo ritmo. Longe disso. E como é que eu vou justificar todo esse aumento de produção de soja?
"A demanda mundial não está crescendo no mesmo ritmo. Longe disso. Como é que eu vou justificar todo esse aumento de produção de soja?"
É por isso que, nos meus números, se São Pedro fizer a parte dele, confirmar ainda uma boa safra da América do Sul, que está sendo plantada, nós temos um potencial de produção de uma safra mundial de 420 milhões de toneladas, é um potencial produtivo, é bom deixar claro, mas nós podemos ter uma grande recuperação dos estoques mundiais de soja.
E com a demanda estagnada pode sim manter os preços comprimidos da soja por um bom período. E se o dólar recuar, levando em conta os dados da balança comercial do Brasil, e a taxa de juros, poderemos ver a soja no interior do Brasil inferior a R$ 90 a saca.
Neste cenário, que recado você daria para quem começou a investir mais recentemente no agro?
Tem fatores preocupantes para o agro agora, em função das margens. Com juros de até 15%, tem algumas atividades que comportam pagar. No etanol de milho, mesmo com uma margem operacional de 50%, existe toda uma dificuldade deste setor em fazer hedge para 2025 e 2026.
Qual é a dificuldade?
Se porventura houver, a nível global, um forte recuo do preço dos combustíveis, poderia comprometer muito a margem dessas indústrias e, consequentemente, a capacidade de pagamento e até aqueles investidores que colocaram o dinheiro nos CRAs.
Agora, aquele investidor que colocou o dinheiro em CRAs dessas empresas mirabolantes, mágicas, como o AgroGalaxy, que vêm com um discurso faraônico, de enfeitar o mercado, querer falar que iam fazer um novo mercado e fizeram mais do mesmo, com os seus executivos pegando bônus de 40 milhões e deixando aí o prejuízo para trás... Isso é uma imagem muito ruim para o agronegócio brasileiro.
Você acha que teremos mais RJs em 2025, considerando tanto o produtor quanto as empresas?
Como eu comentei, em 2023/2024 houve um prejuízo na soja de R$ 800 por hectare. Quando o produtor somar o milho, fizer as contas, o prejuízo vai para R$ 1900, vai piorar. Por isso, tem muita RJ. A gente vem alertando isso ao longo do tempo. Vai ter mais RJ de produtor ainda por causa disso. E vai repercutir na falta de capacidade de pagamento em revendas também. Vai ser um efeito cascata.
Para as revendas, especificamente, qual o recado?
Nós estamos falando já faz um bom tempo para os clientes do risco de crédito. O risco de crédito volta à cena para agronegócio ao longo dos próximos meses em função dos preços baixos e altos custos. Portanto, essas revendas que estão financiando esses produtores, que investiram em novas aberturas de áreas, trocaram e investiram em máquinas, imobilizaram muito, cresceram horizontalmente, será que esse cara tem capacidade de pagamento? Penso que não.
"Empresas mirabolantes, como o AgroGalaxy, que vêm com um discurso faraônico, que iam fazer um novo mercado e fizeram mais do mesmo, deixando aí o prejuízo para trás... Isso é uma imagem muito ruim para o agronegócio brasileiro"
Mas aquele produtor que fez o dever de casa, se capitalizou, é diferente. Eu conheço produtor que tem bilhões de reais guardados e está só aguardando para comprar aqueles que tiverem quebrados. Mas é uma minoria. Houve uma grande euforia do mercado. E temos uma alta volatidade, que traz uma maior imprevisibilidade de preço. O recado é fazer gestão de risco. Para grandes revendas que atendemos, vínhamos alertando faz tempo para tomar cuidado com a capacidade de pagamento do produtor rural. Estamos nesse ajuste de mercado, relacionado à teoria econômica do preço de equilíbrio.
Nem a demanda mundial por biocombustíveis e a transição energética pode mudar esse cenário?
Quando as empresas que produzem biocombustíveis processam a soja, 78,5% vira farelo e 19% vira óleo. Se eu pegasse todos os óleos vegetais do mundo e fosse virar combustível, e eu não fritasse mais pastel só no air fryer, eu substituo o petróleo em 6%. É nada. A conta é insignificante.
Quando uma indústria processa soja, o produto que dá maior renda é o farelo. Mas como comentei, será que a demanda da indústria de proteína animal mundial está crescendo tanto para consumir rapidamente todo esse farelo de soja? Não.
Esse também seria um problema para o etanol de milho e o DDG?
Na soja, 60% da renda de uma indústria vem do farelo. Para uma usina de etanol de milho, é só 17%. O grosso da receita de uma usina de etanol de milho é o etanol. Então, ela pode vender muito mais barato o DDG do que uma indústria de soja, no caso do farelo.
E o farelo, diferentemente do grão, não consegue ficar armazenado por um ano ou dois, porque ele estraga. Se eu tenho uma sobreoferta de farelo de soja no mundo, será que uma indústria processadora vai continuar produzindo sem que estrague antes de ter quem compra? Esse gargalo logístico de timing é complicado.
Então nem tudo está perdido...
O importante é o produtor não ficar no achismo. As condições do mercado futuro garantem uma boa rentabilidade nesse momento, essa é a função de uma gestora. Se eu vender para a frente, qual o meu risco de mercado? Chicago subir. Eu tenho uma opção de compra para gerenciar esse meu risco de alta. Assim como para o dólar.
Basicamente, numa atividade agropecuária, nós temos quatro riscos. Climático, risco operacional, risco de crédito e risco de preço. Quando eu falo da minha gestão de risco em bolsa, gerenciamento de preço, eu estou fazendo a gestão de risco. Mas eu tenho os outros três para seguir monitorando.