Menos de um mês depois de ter proibido o uso do herbicida 2,4-D, a Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu a sentença que determinava o fim do uso do produto na região da Campanha Gaúcha, próximo da fronteira com o Uruguai, e a menos de 50 metros de lavouras de uva e maçã de todo o território gaúcho.
A decisão que proibia a utilização do herbicida, aplicado especialmente nas lavouras de soja, em parte do Rio Grande do Sul, havia sido publicada no dia 1º de setembro, pela juíza Patrícia Antunes Laydner, da Vara Regional do Meio Ambiente.
A sentença do processo atendeu a uma ação civil pública ajuizada em 2020 pela Associação Gaúcha de Produtores de Maçã e pela Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha contra o Estado do Rio Grande do Sul.
Além de impedir o uso do produto, a justiça havia determinado que o governo estadual teria 120 dias para apresentar e iniciar a execução de um plano de monitoramento e fiscalização, além de definir as zonas de exclusão permanente.
Na nova decisão, divulgada na quinta-feira, dia 25 de setembro, o desembargador Francesco Conti, da 4ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acolheu um recurso de apelação apresentado pelo Estado do Rio Grande do Sul, réu na ação.
Conti entendeu ser necessária a suspensão do comando de proibição, ao menos até o julgamento definitivo do recurso de apelação.
No pedido de efeito suspensivo analisado pelo desembargador, o governo gaúcho alegou que a medida poderia causar impactos econômicos e administrativos, uma vez que foi divulgada perto do início do plantio da safra 2025/2026, quando muitos produtores gaúchos já haviam adquirido o herbicida para uso em suas lavouras.
O desembargador levou em consideração esse argumento para sua decisão, avaliando que a sentença inicial não teria levado em conta essas questões, impondo um ônus financeiro e logístico de difícil superação em curto prazo.
“A proibição imediata do uso de um insumo essencial para o manejo de plantas daninhas, como o herbicida 2,4-D, sem a concessão de um período de transição minimamente razoável, pode gerar um abalo significativo e de consequências imprevisíveis em um importante ramo da economia do Estado. O planejamento agrícola é uma atividade de longo prazo, que envolve a aquisição antecipada de sementes, fertilizantes, defensivos e equipamentos”, afirmou o magistrado.
Conti atentou também para o fato de que a sentença que determinou a proibição de uso em todo o território da região da Campanha Gaúcha foi imprecisa ao não ter delimitado quais os municípios que compõem a região, causando incerteza sobre o alcance da sentença.
O magistrado destacou que o caso voltará a ser avaliado pelo Colegiado da 4ª Câmara Cível de forma aprofundada. “Oportunidade em que se analisará, de forma detida, as medidas necessárias a serem determinadas pelo Judiciário frente à omissão institucional reconhecida na sentença”, finalizou Conti.
Produtores de maçã e uvas da região da Campanha gaúcha alegam que sua produção vem sofrendo, há anos, com a disseminação do herbicida 2,4-D, aplicado antes do plantio de soja para o controle da erva daninha buva, resistente ao glifosato, em suas lavouras.
Esse fenômeno é conhecido como deriva e é favorecido pela forte incidência de ventos que coincidem com a época de aplicação do herbicida na soja e no milho, que ocorre entre o fim do inverno e o início da primavera. Com a força do vento, o herbicida pode atingir até 30 quilômetros do local de aplicação, segundo a sentença.
Os primeiros casos de deriva nas culturas de uva e maçã foram registrados na região da Campanha em 2015, e situação foi piorando ao longo dos anos.
Como há risco de deriva acima de 50% na maior parte do Rio Grande do Sul ao longo de todo o ano, segundo estudo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), com base em dados meteorológicos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e relatos de testemunhas arroladas no processo, a aplicação segura do 2,4-D passou a representar um "desafio significativo e de difícil controle", na avaliação da juíza Laydner.
Réu na ação, o governo estadual alegou não ter competência para proibir defensivos e citou medidas como o programa Deriva Zero e acordos com fabricantes para fiscalização. No entanto, uma testemunha da própria Secretaria de Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul, responsável pela análise dos casos de deriva, admitiu falhas no controle, que depende sobretudo de denúncias.