Já não é nenhuma novidade que os bioinsumos se tornaram uma realidade na agricultura brasileira, tanto que ocupam 31% da área cultivada e 60% das propriedades rurais no País, de acordo com as últimas pesquisas. Por outro lado, com esse aumento exponencial vieram também as ‘dores do crescimento’.
Foi nesse cenário que as indústrias brasileiras de insumos biológicos resolveram se organizar como associação. Surgiu então a Abinbio, a Associação Brasileira de Indústrias de Biotecnologia. A apresentação oficial será neste mês de maio durante o BioSummit, em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). E já com uma pauta controversa.
Em entrevista ao AgFeed, o presidente da nova entidade, Marcelo de Godoy, contou que a iniciativa surgiu a partir do momento em que alguns empresários do setor de bioinsumos entenderam que a indústria nacional de biológicos necessitava de representação juntos aos poderes executivos e legislativos na esfera estadual e federal.
De acordo com ele, essa falta de representação se deu pelo fato de muitos temas relevantes ao setor estarem sendo discutidos em Brasília sem que a indústria ou as áreas técnicas das empresas se envolvessem.
“Entendemos que a indústria brasileira de bioinsumos é referência para o mundo inteiro e, para que isso continue, é de fundamental importância que os governantes e os órgão regulatórios estejam atentos a possíveis entraves e ameaças ao setor. Assim, a Abinbio foi criada para auxiliar na orientação das necessidades da indústria, bem como na divulgação da importância do segmento para a população”, afirmou ele.
Até agora, essa representação era feita pela Croplife Brasil, entidade que congrega toda a indústria de proteção de cultivos, onde convivem a indústria química e a de biológicos. Assim, a Abinbio afirma ser pioneira ao agregar especificamente o ecossistema de bioinsumos.
Além disso, a associação ressalta que se trata de um mercado muito pulverizado e disperso, o que torna seu caminho ainda mais desafiador. Até agora são 12 as empresas que já se juntaram à associação, sendo que essas companhias representam cerca de 40% do market share do segmento no Brasil.
Godoy – que é também presidente da empresa Simbiose – destaca que os associados querem mostrar o enorme potencial da indústria nacional para a “geração de emprego e renda, além de garantir segurança alimentar” do Brasil. Entre suas principais bandeiras está, segundo diz, a busca por uma “regulamentação justa, e que traga segurança para o setor, bem como para o consumidor”.
“O Brasil é um dos principais produtores de alimento do mundo. Dessa forma, temos a obrigação de desenvolver uma agricultura cada vez mais produtiva e segura. Para isso, a indústria nacional de bioinsumos tem o potencial de desenvolver e disponibilizar para os produtores tecnologias que, ao mesmo tempo, protegem e elevam o teto produtivo das lavouras sem causar danos aos seres humanos e ao meio ambiente”, ressalta o empresário, que atua no mercado agro brasileiro há mais de 30 anos.
A polêmica on farm
Apesar de a apresentação oficial da entidade estar anunciada para o final do mês, o trabalho começou, sem muito alarde, há cerca de um ano. Foram feitas diversas agendas que chegaram até mesmo na Vice-Presidência da República, Casa Civil e diversos ministérios, além do Congresso Nacional, agências reguladoras, de fiscalização e entidades civis.
Entre as articulações em Brasília, a associação defendeu uma “regulamentação séria e técnica” para o setor. Nesse ponto entrou em pauta uma questão polêmica: a produção de insumos biológicos on farm, em que o próprio agricultor pode produzir e multiplicar microorganismos em sua propriedade.
O produtor rural, é lógico, está de olho em reduzir custos. Mas a indústria, amparada por técnicos e especialistas, levanta questionamentos sobre a segurança e a qualidade dos produtos multiplicados dentro da porteira – e por isso articula junto ao poder público a construção de uma legislação clara e transparente para disciplinar a matéria.
Nesse ponto, o posicionamento da Abinbio converge com o da Croplife, que vem alertando em seus canais de comunicação para a necessidade de maior atenção com a produção on farm.
Em artigo publicado em seu site, a Croplife Brasil afirma que “os riscos da produção de insumos biológicos on farm podem ser severos para a saúde humana, para a lavoura e para o meio ambiente”.
A organização internacional afirma que “a inadequação técnica e a ausência de etapas rigorosas de controle de qualidade” podem resultar em produtos de “baixa qualidade, inseguros e ineficazes para o controle biológico”.
Em entrevista ao AgFeed, a doutora em Ciência do Solo Franquiéle Bonilha da Silva afirmou que é preciso garantir que os produtores “façam a coisa da maneira correta”.
De acordo com ela, as experiências até agora, infelizmente, mostram que algumas empresas não fornecem uma assistência técnica pós-venda adequada, deixando a produção totalmente a cargo do produtor, sem alguém com conhecimento para produzir um insumo da mesma forma e com os mesmos padrões dos produtos formulados.
Opinião semelhante tem a pesquisadora Mariangela Hungria, que conduziu um estudo na Embrapa Soja sobre o tema. A pesquisa mostrou exemplos de produção on farm de controladores biológicos em que mais de 90% das amostras não tinham o microrganismo desejado.
“É um perigo muito grande para o consumo e exportações. Pegando esses contaminantes em nossos produtos exportados poderíamos ter problemas”, alertou ela durante o IX Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja.
Por outro lado, o professor Dr. Adailson Feitoza, da Universidade do Estado da Bahia – Campus Paulo Afonso, afirmou ao AgFeed que, na visão dele, se o produtor consegue atender às exigências mínimas de sanitização, de cuidados prévios e pós os procedimentos on Farm, do ponto de vista de cuidado com os manipuladores e com o produto final, “não tem porquê, necessariamente, ser contrário à possibilidade de ele fazer essa produção” na sua própria fazenda.
De acordo com ele, para que haja um produto de qualidade, têm de ser observados “diversos parâmetros, padrões mínimos de produção, que é o que é esperado na indústria e em diversos outros setores”.
“Então se o produtor, independente do tamanho da propriedade dele e da ferramenta que está utilizando, consegue entregar esse produto final com qualidade, ele poderia fazer tranquilamente, sem problema nenhum”, defende o pesquisador.
Entretanto, o especialista sugere que “com certeza deve haver uma regulamentação para a produção”. Segundo ele é necessário “pelo menos uma indicação do atendimento mínimo das boas práticas de produção, considerando o tipo de espaço, o tipo de sistema de produção, a qualidade da matéria-prima (incluindo a água), e ainda o treinamento do responsável ou dos responsáveis pela produção”.
Hamilton Souza, do Desenvolvimento de Mercado da empresa de biológicos Solubio, garante que a produção de microrganismos on farm é sim uma alternativa sustentável, econômica e eficiente.
Sua empresa tem sido uma das maiores defensoras deste modelo de negócio para os bioinsumos no Brasil. No entanto, ele ressalta, são necessários alguns “processos cruciais”, tais como um “controle de qualidade efetivo e condições adequadas de multiplicação, com estruturas físicas com capacidades similares às das industriais”.
Ele destaca ainda a necessidade de profissionais capacitados para processos laboratoriais multiplicação e manuseio de microrganismos. “A produção de biológicos on farm pode ser segura e eficaz se todas as práticas mencionadas forem rigorosamente seguidas”, disse ele ao AgFeed.
“No entanto, requer um investimento de tempo significativo em treinamento, infraestrutura e controle de qualidade. Além disso, é essencial estar ciente e em conformidade com as regulamentações exigidas, para garantir que a produção não seja somente eficaz, mas também seguros para o uso agrícola”.
Para Hamilton Souza, a indústria de bioinsumos pode fortalecer a segurança e a eficácia da produção on farm por meio de uma abordagem integrada que envolva monitoramento contínuo, educação dos produtores, suporte governamental, certificação rigorosa, apoio à pesquisa, transparência e inovação.
“Essas medidas, quando implementadas de forma coordenada, podem promover um uso sustentável e eficaz dos bioinsumos, contribuindo para a sustentabilidade da agricultura e a segurança alimentar”, afirmou.
Indústria mobilizada
É justamente em prol desses parâmetros e regulamentações que a Abinbio afirma ter fechado questão visando “conscientizar segmentos dentro do Governo Federal sobre a problemática da produção On farm em relação a saúde vegetal, humana, ambiental e econômica do País”.
De acordo com Marcelo de Godoy, a maior conquista da associação, até agora, foi justamente o reconhecimento do governo ao setor. Ele cita também a representatividade que alcançada nos debates sobre a regulamentação do setor de bioinsumos.
Para Godoy, a fase agora é de “fortalecer a rede de associados”, com o objetivo de “ganhar cada vez mais espaço nas discussões e decisões relacionadas à indústria e setor agrícola brasileiro”.
Novas agendas são realizadas a cada semana em Brasília e, assim, a indústria brasileira de bioinsumos pretende ganhar musculatura nas decisões que vem pela frente nesse mercado totalmente novo.
No horizonte está o Projeto de Lei de Bioinsumos (PL 658/21), que busca justamente a regulamentação da produção, comercialização e uso de bioinsumos agrícolas, que já avançou na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.